A saliva humana pode ter uma função importante, além das já conhecidas que incluem lubrificar e diluir o bolo alimentar para facilitar a mastigação e a deglutição, proteger contra bactérias e umedecer a boca. Pesquisadores descobriram que ela também pode ajudar a detectar precocemente riscos de desenvolvimento de doenças pelo excesso de gordura corporal.
Ao medir a concentração de ácido úrico na saliva de adolescentes, cientistas das universidades Federal de São Paulo (Unifesp) e Estadual de Campinas (Unicamp) conseguiram predizer a porcentagem de gordura corporal dos jovens. Dessa forma, identificaram adolescentes que estão com porcentual de gordura acima do ideal, mesmo antes de apresentarem sintomas de doenças crônicas relacionadas à obesidade.
“Constatamos que o ácido úrico salivar é um bom marcador preditivo da concentração de gordura corporal mesmo em adolescentes considerados saudáveis”, disse a professora da Unifesp no campus de Diadema e coordenadora do projeto, Paula Midori Castelo.
Leia mais:O ácido úrico acumula-se no sangue e, em proporções muito menores, na saliva. Apesar de desempenhar função antioxidante, a concentração elevada do composto no sangue e na saliva pode predispor à hipertensão, inflamação e doenças cardiovasculares.
A fim de avaliar se o ácido úrico também poderia ser útil como biomarcador para estimar a gordura corporal, os pesquisadores mediram as concentrações deste composto e de outros, como o colesterol e a vitamina D, na saliva de 248 adolescentes.
Coleta
Os jovens que participaram da pesquisa tinham de 14 a 17 anos. Dos 248 estudantes de escolas públicas de Piracicaba, no interior paulista, 129 eram meninos e 119 meninas. Eles responderam previamente a um questionário sobre o histórico médico e foram submetidos a uma avaliação odontológica a fim de identificar e excluir os que apresentavam cárie ou doença periodontal (inflamação da gengiva).
“Esses fatores influenciariam parâmetros da saliva, como o pH [índice de acidez] e a composição eletrolítica e bioquímica. A cárie e a doença periodontal, por exemplo, estão relacionadas com a secreção de alguns analitos e citocinas na saliva e podem alterar a composição do fluido”, explicou Paula.
Os adolescentes aptos a participar do estudo foram submetidos a uma avaliação antropométrica, que incluiu medidas de altura, peso, porcentagem de gordura corporal e massa muscular esquelética por impedância biolétrica – um aparelho que mede a gordura corporal por meio de uma corrente elétrica de baixa intensidade.
O material foi coletado por meio de um dispositivo chamado salivete, após um jejum de 12 horas. A concentração de ácido úrico e dos outros compostos nas amostras foi medida por meio de um equipamento de cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC, na sigla em inglês). Esse método de separação de compostos químicos em solução permite identificar e quantificar cada componente em uma mistura.
Método não invasivo
As análises estatísticas dos dados indicaram que os adolescentes que apresentaram concentrações mais elevadas de ácido úrico na saliva também possuíam maior porcentagem de gordura corporal.
Por meio da aplicação de um modelo de análise de regressão linear – que avalia a relação entre variáveis –, os pesquisadores também conseguiram predizer a porcentagem de gordura corporal dos adolescentes a partir da concentração de ácido úrico na saliva.
“A concentração de ácido úrico salivar mostrou-se um bom indicador para detectar o acúmulo de gordura corporal, mesmo em adolescentes que não estavam em tratamento para doenças crônicas, e pode dar origem a um método não invasivo e preciso para monitorar e identificar precocemente alterações no estado nutricional”, afirmou Paula.
A pesquisadora completa: “O que nos chamou a atenção, é que esses adolescentes eram saudáveis e mesmo assim já tinham ácido úrico elevado, [o ácido úrico] é um marcador precoce mesmo. Então, desde cedo, já está mostrando que tem alteração”.
O objetivo dos pesquisadores é identificar na saliva biomarcadores confiáveis, que se correlacionem com os encontrados no sangue, de modo a viabilizar o desenvolvimento de testes rápidos para monitorar o estado de saúde principalmente de crianças.
“A ideia é possibilitar a ampliação do uso da saliva como amostra biológica alternativa para análises clínicas de forma não invasiva, indolor e que pode ser coletada várias vezes, assim como a urina. É interessante para lidar com pessoas jovens, como as crianças”, comparou a pesquisadora.
Os resultados do estudo foram publicados na revista Nutrition Research. O projeto foi apoiado e financiado pela Fapesp.
(Agência Brasil)