Correio de Carajás

Saiba como surgiu a devoção à Nossa Senhora e a oração ‘Ave Maria, cheia de graça’

Primeiro Concílio de Éfeso — Foto: Palamède, CC BY-SA 4.0

A devoção do povo paraense católico à Nossa Senhora de Nazaré é tão íntima que parece que, de fato, são filhos falando, pedindo colo e conselho a uma mãe. Apesar da relação desses filhos paraenses com a Mãe de Deus ter uma longa história no estado, há pelo menos 231 círios, a devoção à Virgem Maria começou ainda no século I, depois de Cristo, e teve figuras importantes na história para fortalecer a doutrina, incluindo a de uma outra mulher: a imperatriz Pulquéria.

Quatro séculos depois de Cristo

 

Após D. Fuas Roupinho ter dedicado a Nossa Senhora de Nazaré o salvamento de sua vida, que ficou à beira do precipício, em 1182 d.C., ele mandou construir uma igreja (Capela da Memória) no local onde, anos antes, foi encontrada a imagem da mãe de Jesus junto com pergaminhos que pertenceriam a um abade romano. Neles, constavam que a imagem teria sido esculpida na cidade de Nazaré, na região de Galileia, por José, esposo de Maria.

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A relíquia resistiu não só ao tempo, mas também à proibição de culto às imagens pelo imperador Leão III, no século VIII e IX, d.C. e à perseguição do império romano aos cristãos. Isto significa que por mais de 400 anos o culto à Virgem Santíssima foi mantido pelos primeiros cristãos de forma reclusa.

Nos pergaminhos ainda constavam que um monge grego esteve de posse da imagem por um tempo, mas não se sabe como chegou até ele, mas que ele teria passado a imagem da Virgem Santíssima a São Jerônimo, que, de acordo com registros históricos, viveu entre 347 e 420 d.C, e foi um grande estudioso das sagradas escrituras e tradutor da bíblia.

São Jerônimo, em imagem pintada por Francisco de Zurbarán, do barroco espanhol: a ele é atribuída a autoria do antigo martirológio onde constava a história de Santo Expedito — Foto: DOMÍNIO PÚBLICO/via BBC
São Jerônimo, em imagem pintada por Francisco de Zurbarán, do barroco espanhol: a ele é atribuída a autoria do antigo martirológio onde constava a história de Santo Expedito — Foto: DOMÍNIO PÚBLICO/via BBC

Também constava que Jerônimo não se sentia digno de ser guardião. Como as lutas internas da igreja, motivadas por divergências sobre conceitos teológicos das igrejas católicas soríaca, latina, grega e egípcia eram intensas, ele entregou a imagem ao teólogo e filósofo Santo Agostinho, que viveu entre 354 e 430 d.C.

Agostinho, por sua vez, a enviou para o mosteiro da Cauliana, na região de Mérida na Hispânia – fazia parte do império romano ocidental e depois passou a ser conhecida como península ibérica – deixando-a sob a guarda dos monges do convento. Lá, Maria de Nazaré também ganhou fama de intercessora milagrosa e já era cultuada como Nossa Senhora do Pilar.

Nossa Senhora do Pilar já era cultuada desde o século I

 

Círio de Nossa Senhora de Pilar, na cidade de Cametá, no Pará — Foto: Wanderley Prestes/TV Liberal
Círio de Nossa Senhora de Pilar, na cidade de Cametá, no Pará — Foto: Wanderley Prestes/TV Liberal

Diz a história que Maria de Nazaré faleceu entre 1 e 2 de janeiro do ano 40 d.C, na cidade de Caesaraugusta (atual cidade de Zaragoza, na Espanha), e que se apresentou como espírito ao apóstolo Tiago Maior, às margens do rio Ebro. A ele, teria entregue a “celestial coluna” – um pilar de jaspe, com um palmo de largura, da altura de um homem e era trazido por uma corte de espíritos que a acompanhavam.

No local onde o pilar foi entregue, os primeiros cristãos e discípulos de Tiago, construíram uma capela em honra à Senhora de Nazaré do Pilar. O pilar continua no local até os dias de hoje.

Neste tempo, com diversas regiões disputando território, a Hispânia foi tomada e um outro abade, desta vez romano, fugiu do mosteiro da Cauliana com diversas relíquias religiosas, dentre elas, a imagem de Nossa Senhora de Nazaré, aquela atribuída sua produção a São José. Ele registrava o que ocorria em pergaminhos e ali há indícios da imagem ter estado sob a guarda do apóstolo Pedro, o primeiro patriarca da igreja católica siríaca e fundador da Sé Patriarcal de Antioquia. Aliás, a cidade de Antioquia (atual Antáquia, na Turquia) foi o primeiro lugar onde os seguidores de Jesus foram chamados de cristãos.

abade romano chegou à Lusitânia (que viria ser Portugal mais tarde) e se instalou em uma antiga capela abandonada no monte Siano. A doutrina da Mãe de Deus também se popularizou ali, no século XII, já fazendo parte da construção e formação de Portugal.

Imperatriz cristã foi fundamental

 

A historiografia aponta que no ano de 395 d.C, o imperador romano, já cristão, Teodósio I, teve dois filhos homens, sendo que um deles, Arcádio, ficou com o império romano oriental.

Arcádio casou com Élia Eudóxia e teve cinco filhos: Flácila, Pulquéria, Arcádia, Teodósio e Marina, todos criados dentro da doutrina católica.

Com a morte do patriarca [Arcádio], em 408 d.C., o filho, Teodósio, com apenas 7 anos assumiu o governo do império romano oriental, e seis anos depois, a segunda filha, de 15 anos, Pulquéria, foi proclamada regente do irmão.

Imperatriz Pulquéria foi grande denfesora da doutrina da Mãe de Deus — Foto: Imagem de domínio público
Imperatriz Pulquéria foi grande denfesora da doutrina da Mãe de Deus — Foto: Imagem de domínio público

Ela fez votos de castidade e se auto proclamou Augusta imperatriz de Roma no oriente e viveu uma vida dedicada à religião, em especial à Virgem Santíssima.

Em honra a Nossa Senhora, ela mandou construir inúmeras igrejas pelo império romano oriental.

O irmão, Teodósio II, morreu antes dela, e Pulquéria, para manter-se no poder foi obrigada a se casar com o tribuno chamado Marciano. Ela casou, mas impôs a condição de manter o voto de castidade.

Marciano se tornou imperador, e ela, imperatriz, dedicando a vida a Theotokos, à mãe de Deus.

No Concilio de Éfeso, um concílio de bispos cristãos convocado em Éfeso (perto do atual Selçuk na Turquia), na Ásia Menor, Pulquéria defendeu a doutrina e contou com o apoio de muitos bispos, incluindo o bispo Cirilo de Alexandria.

O imperador confirmou a doutrina Theotokos como ortodoxa perante a igreja católica, ou seja, passou a seguir as normas.

Foi neste momento que o bispo Cirilo pronunciou a oração que se eternizou entre os cristãos:

“…Santa Maria Mãe de Deus!…”

 

Em 451, o Papa Leão I pediu outro concílio, que foi realizado em Calcedônia e ali foi feito o texto final que reconhecia definitivamente a doutrina Theotokos, que foi assinado por 452 bispos.

A imperatriz mandou construir três igrejas em Constantinopla, todas dedicadas à Virgem: Igreja da Hodegetria, Santa Maria de Blaquerna e a Theotokos de Chalkoprateia.

Ícone da Teótoco (Virgem Maria) conservado na Catedral da Anunciação, Kremlin de Moscovo, alegadamente a Blachernitissa que se encontrava originalmente em Santa Maria de Blaquerna. — Foto: Domínio Público
Ícone da Teótoco (Virgem Maria) conservado na Catedral da Anunciação, Kremlin de Moscovo, alegadamente a Blachernitissa que se encontrava originalmente em Santa Maria de Blaquerna. — Foto: Domínio Público

Além disto, ela instituiu que toda quarta-feira, depois de fazerem vigílias, que se acendessem velas e cantassem hinos, enquanto o povo cristão de Constantinopla saía em procissão pela cidade homenageando Maria.

Pulquéria entregou sua vida a religião e ao culto da Virgem Maria até sua morte, aos 54 anos de idade no ano de 453 d.C.

Devoção espalhada através do mar

 

Ao chegar no tempo das grandes navegações, que tiveram início no século XV, quando Portugal despontou como grande potência naval, o mar era repleto de lendas sobre monstros marinhos e criaturas bizarras e para enfrentar o mar tenebroso, Nossa Senhora de Nazaré foi aclamada como protetora dos navegantes e, em terras que viriam a ser brasileiras, aportou na Costa do Maranhão no século XVII com colonizadores franceses. No Grão-Pará, a imagem chegou em 1616 com os portugueses, na fundação de Belém.

(Fonte:G1)