Correio de Carajás

Reitor da Unifesspa defende protagonismo da Amazônia nas discussões da COP30

Francisco Ribeiro da Costa destaca a importância da carta entregue por instituições científicas da região à presidência da Conferência das Partes

Universidades entregaram carta à presidência da conferência com propostas estratégicas para a COP30/Foto: Divulgação
Por: Luciana Araújo

Nos círculos acadêmicos, científicos e de movimentos ambientais, uma crítica é recorrente: as comunidades amazônidas raramente são ouvidas em debates que impactam diretamente seu cotidiano. Esse apagamento motivou a realização do Encontro da Comunidade Científica e Tecnológica da Amazônia com a Presidência da COP30, na Universidade Federal do Amazonas (Ufam), em Manaus.

Na ocasião, representantes da comunidade científica entregaram uma carta estratégica a André Corrêa do Lago, presidente da conferência, e à primeira-dama Janja da Silva. O documento reúne propostas que buscam enfrentar a crise climática a partir das especificidades da região, consolidando a contribuição amazônica ao debate global.

Presente no ato, o reitor da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), Francisco Ribeiro da Costa, concedeu entrevista ao Correio de Carajás e destacou a relevância histórica da iniciativa, bem como o papel da universidade na construção coletiva das soluções apresentadas. Para ele, a carta não apenas marca a união das instituições de pesquisa da Amazônia, mas também reforça seu protagonismo no enfrentamento do aquecimento global.

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“Nós conhecemos o território e temos experiência para dar respostas aos principais conflitos e problemas dessa região tão importante para o planeta”, pontua Francisco.

Para ilustrar os desafios locais, o reitor cita as centenas de projetos de assentamento que abrigam milhares de famílias no Pará. Ele observa que os financiamentos destinados a essas comunidades privilegiam a criação de gado e a formação de pastagens, deixando de lado iniciativas de reflorestamento ou práticas agrícolas sustentáveis.

“Mas como recuperar áreas se a agricultura familiar não tem acesso a crédito, por exemplo, para reflorestamento? Nós sabemos disso porque estamos aqui, em contato com essa realidade. Muitos de nossos alunos vêm desses assentamentos”, questiona.

É justamente esse tipo de experiência, vivida no cotidiano amazônico, que Francisco considera indispensável nos painéis da COP30. Daí a preocupação de que a população da região seja sub-representada no evento, e a importância de iniciativas como a carta entregue à presidência da conferência.

“Construímos um documento que traz a nossa visão, e ele deve contribuir bastante com as discussões da COP”, defende o reitor.

Francisco afirma que carta entregue à presidência da conferência simboliza a união das universidades amazônidas/Foto: Divulgação

EXPECTATIVAS

As instituições de ensino têm baixas expectativas quanto ao legado da COP30 para a Amazônia. A principal aposta é na construção de uma rede de relações entre universidades amazônicas e entidades globais durante a conferência — conexões que podem fortalecer a internacionalização dessas instituições.

“Será uma oportunidade de dialogar com financiadores, como os do Fundo Amazônia. Hoje, o fundo é gerido pelo BNDES, no Sul do país, e pouco chega às universidades, que sequer podem propor projetos diretamente. Isso é algo que queremos mudar”, expõe Francisco.

PAPEL DA UNIVERSIDADE

Um receio entre movimentos ambientais e sociais é que, por ser sediada na capital do Estado, os debates da COP30 não alcancem o interior. Questionado sobre como a Unifesspa tem levado essa discussão para além da academia, Francisco explica que buscou diálogo com o governo estadual, mas não foi atendido a contento.

Por isso, em parceria com a Universidade Federal do Pará (UFPA), a instituição promove em setembro a série de seminários Vozes e Ciências da Amazônia, reunindo diferentes segmentos em debates sobre pautas ambientais e climáticas.

“Existem coletivos discutindo isso fora da universidade e nós temos mantido um diálogo para levarmos não só a visão da academia, mas de outros setores da sociedade”, detalha o reitor.

A presença da Unifesspa na COP30 será possível graças à Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), que cederá espaço na Green Zone para a apresentação da universidade. A ponte é necessária porque os custos de aquisição de estandes na conferência são altos e a instituição não dispõe de recursos próprios para isso.

Para Francisco, o conhecimento produzido na Amazônia é essencial para enfrentar os desafios climáticos/Foto: Evangelista Rocha

FORMAÇÃO DE PROFISSIONAIS

Com apenas 12 anos de existência, a Unifesspa já contribui de forma significativa para a formação de profissionais preparados para atuar no desenvolvimento sustentável da região.

Engenheiros e engenheiras saem da universidade aptos a enfrentar desafios da transição energética. Além das atividades em sala de aula, participam de debates sobre exploração de combustíveis fósseis, expansão do mercado de carros elétricos e uso de minerais de terras raras, essenciais nesse processo.

A instituição também forma engenheiros florestais e agrônomos qualificados para lidar com a sensibilidade ambiental da Amazônia, contribuindo para a gestão sustentável de florestas e sistemas agrícolas.

Eventos recentes, como a seca histórica na Amazônia e as enchentes no Rio Grande do Sul, reforçam a urgência de profissionais capacitados para propor soluções adaptadas à realidade regional e capazes de mitigar os efeitos das mudanças climáticas.

ANDIFES NORTE

Francisco é o atual coordenador da Andifes Norte, braço que reúne 11 universidades federais da Amazônia e outras três instituições da Amazônia Legal. Ele ressalta que, em um ano marcado pela realização da COP30, a coalizão busca valorizar a contribuição das instituições da região no enfrentamento ao aquecimento global, destacando avanços em ensino, pesquisa e inovação.

Um dos principais desafios, segundo o reitor, é sistematizar informações em um banco de dados unificado que permita mapear a atuação de cada universidade.

“Muitas vezes nem sabemos o que o colega ao lado está pesquisando. Queremos organizar essas ações para mostrar à sociedade e a outros setores tudo o que é feito na Amazônia”, afirma.

A iniciativa também pretende dar visibilidade a patentes, projetos comunitários e produtos inovadores que muitas vezes não chegam aos periódicos científicos.

“Queremos dar visibilidade a isso até o pós-COP”, finaliza.