Após várias reintegrações de posse cumpridas nos últimos meses do ano passado, outras estão previstas para ocorrerem a partir do mês de fevereiro, segundo informou ao CORREIO o juiz Amarildo José Mazutti, titular da Vara Agrária de Marabá, que atua em 24 municípios desta região. Dentre elas, já no próximo mês, deve acontecer a desocupação da Fazenda Maria Bonita, onde está localizado o acampamento Dalcídio Jurandir, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
O caso é complexo, vez que, de acordo com o magistrado, existe no processo a intenção do Instituto Nacional Colonização Reforma Agrária (Incra) em adquirir a propriedade para criação de assentamento e também o desejo dos proprietários em negociá-la. Acontece que, conforme o órgão de regulação fundiária vem informando ao Poder Judiciário, o atual presidente, Michel Temer, não está autorizando compra de áreas para reforma agrária.
“O governo não quer comprar e está nesse impasse. Eu espero que até a desocupação, em fevereiro, o Incra possa adquirir essa área e assentar essas pessoas para evitar que seja feita a reintegração de posse”, afirmou o juiz, acrescentando que não se sabe, ao certo, quantas pessoas vivem no local atualmente, mas estima-se que sejam ao menos 250 famílias. O acampamento existe desde 2008 e completa 10 anos em breve.
Leia mais:“A gente está tentando resolver este caso. Era para ter sido feita essa desocupação em novembro, transferi para dezembro e transferi agora para fevereiro justamente para haver um prazo maior e quem sabe resolver administrativamente, evitando ter que cumprir. São 250 famílias que não têm onde morar. Hoje eles têm um local para ao menos se abrigar, retirando eles de lá não vão ter onde morar”, destacou o juiz.
Por outro lado, afirma, há necessidade de cumprimento da lei, vez que no caso há título e o certificado apresentado é legal. “Tem que cumprir a lei, mas a gente se preocupa também com a questão social”. Mazutti destaca que este é um dos casos inclusos em um pedido de intervenção federal junto ao Estado do Pará. “Esses pedidos estão com a ministra Carmem Lúcia, que é a relatora no Supremo Tribunal Federal e que pediu informações do Estado por não ter cumprido a ordem judicial. Juridicamente a lei diz que quando não é cumprida a lei no Estado pode ser pedida a intervenção federa, que é a alegação desse processo tramitando contra o Tribunal de Justiça do Estado do Pará e contra o Estado do Pará”.
O juiz explica que caso ocorra uma intervenção por não cumprimento das reintegrações de posse determinadas, o governador do Estado e as demais autoridades são afastadas e o presidente da República nomeia um interventor até que se resolva a situação. “Muita gente fica brava com o juiz, mas se o juiz sai daqui em um minuto já tem um substituto para continuar o trabalho. O sistema jurídico funciona assim. Se a gente não fizer (cumprir a lei) comete crime de prevaricação. Deixar de praticar um ato de ofício por sentimento pessoal pode resultar na pena que é de 4 a 12 anos, seja juiz ou quem for, tem que cumprir”.
Outra área que deverá passar em breve por reintegração está na Fazenda Brasília, em São Domingos do Araguaia, onde 25 famílias estão acampadas há três anos. Em Ulianópólis, a 298 quilômetros de Marabá, há previsão de desocupação em várias propriedades. “Apenas um processo daquele município engloba cinco fazendas. Há ainda algumas outras questões pontuais aqui na região, como os casos das Fazendas Landi e Surubim, que ainda não foram decididos, e outros processos pendentes do ano passado”.
Em todas as situações, destaca, estão sendo chamados representantes do Incra, do Instituto de Terras do Pará (Iterpa), os órgãos de Direitos Humanos, prefeituras e órgãos de assistência social. “Todos são convidados a participarem das audiências porque o objetivo maior da Vara Agrária não é desocupar, é solucionar a questão. A gente sempre prepara a situação para que se houver conflito isso possa ser resolvido sem uso da força, mas o problema é que sempre há pessoas intransigentes que não entendem”, comenta.
Audiências buscam minimizar danos
Para que ocorressem as reintegrações realizadas no último ano, diversas audiências foram agendadas pela Vara Agrária. “Foi um ano proveitoso. Tivemos no mês de maio o Comando de Missões Especiais (CME), da Polícia Militar – frente que atua nas desocupações – e fizemos algumas reintegrações em fazendas. (…) em novembro novamente o CME veio e fizemos mais desocupações, em Bom Jesus do Tocantins, em Abel Figueiredo, em Eldorado do Carajás e outros locais. Acho que foi proveitoso o diálogo com o qual foi realizado isso, foi muito conversado e não teve conflito porque as partes também entenderam que não adianta brigar”, comenta Mazutti.
Para o juiz, os movimentos sociais estão mais conscientes da obrigatoriedade de se cumprir a lei. “Acho que agora os próprios movimentos entenderam e foi um momento proveitoso. A gente também aprende muito com essas audiências, aprende que a única forma de resolver é com diálogo e bom senso, não tem outro jeito. Eu acho que a gente viu isso na desocupação da Santa Tereza, que estava programada para determinada data, mas os professores vieram aqui e pediram que fosse resignada para o fim do término escolar, resignamos essas audiências. Na desocupação houve um bloqueio, mas foi conversado com eles, marquei audiência, eles entenderam e foi pacífico. A briga tem que ser no processo, no âmbito judicial, e não entre pessoas, e sim juridicamente”.
Ainda no último ano, relembra, foram realizadas diversas audiências fora da Comarca de Marabá, em Novo Repartimento, Ulianópolis, São Geraldo, Canaã dos Carajás, Parauapebas, Tucuruí e vários outros municípios. “A Vara Agrária de Marabá atende toda a região e a gente viaja muito para fazer as audiências, para ir até onde estas pessoas moram porque elas, muitas vezes, não têm condições de se deslocar à Marabá. Aqui as coisas são caras, como alguém vai ficar em um hotel e pagar passagem quando muitas vezes sequer tem dinheiro para comer”, observa.
“Não precisaria ninguém ficar acampado em beira de estrada”
Durante a entrevista concedida ao CORREIO, o juiz Amarildo José Mazutti, titular da Vara Agrária de Marabá, desabafou sobre o difícil papel de decidir casos que podem resultar em famílias desabrigadas e até em casos de violência. “Confesso que me desgastei muito nessas audiências porque a gente procura evitar que haja qualquer tipo de violência, mas é um desgaste grande. A preocupação muitas vezes é porque a gente vê que não basta apenas a Justiça decretar ‘vamos desocupar a área’. A gente vê, como cidadão, que o Poder Executivo e os órgãos fundiários poderiam fazer mais. Poderiam ter um papel social”, critica.
Ele afirma que segue a lei, mas acaba ficando abalado enquanto cidadão. “Há muitos trabalhadores que querem um pedacinho de terra para trabalhar e, se nós pagamos impostos, por que os órgãos fundiários não se atentem para isso? São coisas que a gente faz (reintegrações) utilizando a lei – que deve ser cumprida por todos -, mas como cidadão a gente fica triste porque em um país de primeiro mundo deveria dar acesso à terra para todo mundo, não precisaria ninguém ficar acampado em beira de estrada”.
Por fim, diz acreditar que o Governo Federa deveria fazer mais pela redistribuição de terra. “Fazer uma reforma agrária eficiente, conceder as terras, dar assistência, acompanhamento da produção e lidar com toda a questão. É possível, mas eu acho que há falta de compromisso político. Segundo o Incra disse várias vezes, o atual presidente está cancelando qualquer concessão de área”, finalizou.
(Luciana Marschall)
Após várias reintegrações de posse cumpridas nos últimos meses do ano passado, outras estão previstas para ocorrerem a partir do mês de fevereiro, segundo informou ao CORREIO o juiz Amarildo José Mazutti, titular da Vara Agrária de Marabá, que atua em 24 municípios desta região. Dentre elas, já no próximo mês, deve acontecer a desocupação da Fazenda Maria Bonita, onde está localizado o acampamento Dalcídio Jurandir, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
O caso é complexo, vez que, de acordo com o magistrado, existe no processo a intenção do Instituto Nacional Colonização Reforma Agrária (Incra) em adquirir a propriedade para criação de assentamento e também o desejo dos proprietários em negociá-la. Acontece que, conforme o órgão de regulação fundiária vem informando ao Poder Judiciário, o atual presidente, Michel Temer, não está autorizando compra de áreas para reforma agrária.
“O governo não quer comprar e está nesse impasse. Eu espero que até a desocupação, em fevereiro, o Incra possa adquirir essa área e assentar essas pessoas para evitar que seja feita a reintegração de posse”, afirmou o juiz, acrescentando que não se sabe, ao certo, quantas pessoas vivem no local atualmente, mas estima-se que sejam ao menos 250 famílias. O acampamento existe desde 2008 e completa 10 anos em breve.
“A gente está tentando resolver este caso. Era para ter sido feita essa desocupação em novembro, transferi para dezembro e transferi agora para fevereiro justamente para haver um prazo maior e quem sabe resolver administrativamente, evitando ter que cumprir. São 250 famílias que não têm onde morar. Hoje eles têm um local para ao menos se abrigar, retirando eles de lá não vão ter onde morar”, destacou o juiz.
Por outro lado, afirma, há necessidade de cumprimento da lei, vez que no caso há título e o certificado apresentado é legal. “Tem que cumprir a lei, mas a gente se preocupa também com a questão social”. Mazutti destaca que este é um dos casos inclusos em um pedido de intervenção federal junto ao Estado do Pará. “Esses pedidos estão com a ministra Carmem Lúcia, que é a relatora no Supremo Tribunal Federal e que pediu informações do Estado por não ter cumprido a ordem judicial. Juridicamente a lei diz que quando não é cumprida a lei no Estado pode ser pedida a intervenção federa, que é a alegação desse processo tramitando contra o Tribunal de Justiça do Estado do Pará e contra o Estado do Pará”.
O juiz explica que caso ocorra uma intervenção por não cumprimento das reintegrações de posse determinadas, o governador do Estado e as demais autoridades são afastadas e o presidente da República nomeia um interventor até que se resolva a situação. “Muita gente fica brava com o juiz, mas se o juiz sai daqui em um minuto já tem um substituto para continuar o trabalho. O sistema jurídico funciona assim. Se a gente não fizer (cumprir a lei) comete crime de prevaricação. Deixar de praticar um ato de ofício por sentimento pessoal pode resultar na pena que é de 4 a 12 anos, seja juiz ou quem for, tem que cumprir”.
Outra área que deverá passar em breve por reintegração está na Fazenda Brasília, em São Domingos do Araguaia, onde 25 famílias estão acampadas há três anos. Em Ulianópólis, a 298 quilômetros de Marabá, há previsão de desocupação em várias propriedades. “Apenas um processo daquele município engloba cinco fazendas. Há ainda algumas outras questões pontuais aqui na região, como os casos das Fazendas Landi e Surubim, que ainda não foram decididos, e outros processos pendentes do ano passado”.
Em todas as situações, destaca, estão sendo chamados representantes do Incra, do Instituto de Terras do Pará (Iterpa), os órgãos de Direitos Humanos, prefeituras e órgãos de assistência social. “Todos são convidados a participarem das audiências porque o objetivo maior da Vara Agrária não é desocupar, é solucionar a questão. A gente sempre prepara a situação para que se houver conflito isso possa ser resolvido sem uso da força, mas o problema é que sempre há pessoas intransigentes que não entendem”, comenta.
Audiências buscam minimizar danos
Para que ocorressem as reintegrações realizadas no último ano, diversas audiências foram agendadas pela Vara Agrária. “Foi um ano proveitoso. Tivemos no mês de maio o Comando de Missões Especiais (CME), da Polícia Militar – frente que atua nas desocupações – e fizemos algumas reintegrações em fazendas. (…) em novembro novamente o CME veio e fizemos mais desocupações, em Bom Jesus do Tocantins, em Abel Figueiredo, em Eldorado do Carajás e outros locais. Acho que foi proveitoso o diálogo com o qual foi realizado isso, foi muito conversado e não teve conflito porque as partes também entenderam que não adianta brigar”, comenta Mazutti.
Para o juiz, os movimentos sociais estão mais conscientes da obrigatoriedade de se cumprir a lei. “Acho que agora os próprios movimentos entenderam e foi um momento proveitoso. A gente também aprende muito com essas audiências, aprende que a única forma de resolver é com diálogo e bom senso, não tem outro jeito. Eu acho que a gente viu isso na desocupação da Santa Tereza, que estava programada para determinada data, mas os professores vieram aqui e pediram que fosse resignada para o fim do término escolar, resignamos essas audiências. Na desocupação houve um bloqueio, mas foi conversado com eles, marquei audiência, eles entenderam e foi pacífico. A briga tem que ser no processo, no âmbito judicial, e não entre pessoas, e sim juridicamente”.
Ainda no último ano, relembra, foram realizadas diversas audiências fora da Comarca de Marabá, em Novo Repartimento, Ulianópolis, São Geraldo, Canaã dos Carajás, Parauapebas, Tucuruí e vários outros municípios. “A Vara Agrária de Marabá atende toda a região e a gente viaja muito para fazer as audiências, para ir até onde estas pessoas moram porque elas, muitas vezes, não têm condições de se deslocar à Marabá. Aqui as coisas são caras, como alguém vai ficar em um hotel e pagar passagem quando muitas vezes sequer tem dinheiro para comer”, observa.
“Não precisaria ninguém ficar acampado em beira de estrada”
Durante a entrevista concedida ao CORREIO, o juiz Amarildo José Mazutti, titular da Vara Agrária de Marabá, desabafou sobre o difícil papel de decidir casos que podem resultar em famílias desabrigadas e até em casos de violência. “Confesso que me desgastei muito nessas audiências porque a gente procura evitar que haja qualquer tipo de violência, mas é um desgaste grande. A preocupação muitas vezes é porque a gente vê que não basta apenas a Justiça decretar ‘vamos desocupar a área’. A gente vê, como cidadão, que o Poder Executivo e os órgãos fundiários poderiam fazer mais. Poderiam ter um papel social”, critica.
Ele afirma que segue a lei, mas acaba ficando abalado enquanto cidadão. “Há muitos trabalhadores que querem um pedacinho de terra para trabalhar e, se nós pagamos impostos, por que os órgãos fundiários não se atentem para isso? São coisas que a gente faz (reintegrações) utilizando a lei – que deve ser cumprida por todos -, mas como cidadão a gente fica triste porque em um país de primeiro mundo deveria dar acesso à terra para todo mundo, não precisaria ninguém ficar acampado em beira de estrada”.
Por fim, diz acreditar que o Governo Federa deveria fazer mais pela redistribuição de terra. “Fazer uma reforma agrária eficiente, conceder as terras, dar assistência, acompanhamento da produção e lidar com toda a questão. É possível, mas eu acho que há falta de compromisso político. Segundo o Incra disse várias vezes, o atual presidente está cancelando qualquer concessão de área”, finalizou.
(Luciana Marschall)