Correio de Carajás

Reforma Tributária: Streamings e corridas por aplicativo devem sofrer reajuste

Doutor em economia da Unifesspa, professor Giliad de Souza explica a reforma tributária, na prática

Giliad: “Quando você compra uma cadeira, está pagando um acúmulo de impostos da cadeia produtiva”

Prometida há décadas no Brasil, a Reforma Tributária teve sua primeira fase aprovada na Câmara dos Deputados na sexta-feira (7). A proposta do Governo Federal para simplificar o sistema tributário brasileiro, extinguindo cinco atuais tributos e substituindo-os por dois novos, é um assunto complexo para grande parte das pessoas, já que acaba se tornando uma verdadeira sopa de letrinhas com a quantidade de siglas.

Pensando nisso, a reportagem deste CORREIO procurou o doutor em economia, Giliad de Souza Silva, para abordar o assunto de forma didática.

Ele atua na Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), onde também é coordenador do Laboratório de Contas Regionais da Amazônia (Lacam) e diretor da Sociedade Brasileira de Economia Política (SEP). Em uma entrevista de 20 minutos com a repórter Thays Araujo, o economista fala sobre como a reformulação de tributos deve impactar no dia a dia do brasileiro.

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Giliad inicia pontuando que toda arrecadação do Estado é tributação. Ele tem duas formas principais de arrecadar: a primeira é em cima de tudo que as pessoas consomem, compram e pagam produtos, serviços, etc. Enquanto a segunda são os tributos em cima de renda e propriedade, como salários, veículos e imóveis.

SIGLAS

O Imposto e a Contribuição de Bens Sobre Serviços (IBS e CBS) vão substituir cinco atuais tributos, três federais, que são o Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI), Programa de Integração Social (PIS), a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS); e dois que são subnacionais, um que é o estadual, Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e o outro que é o Imposto Sobre Serviços (ISS), que é municipal.

A intenção seria centralizar a arrecadação nas mãos de um só conselho com os representantes dos estados e cidades.

É preciso dizer aqui que as alíquotas do IBS, do CBS ainda não estão definidas, algo que Giliad vê como um problema, já que são os números que os brasileiros pagarão de impostos. E, só deve ser decidido em 2024, quando deve tramitar uma lei complementar para dar detalhes sobre elas.

O objetivo dessas mudanças é simplificar a cobrança de impostos no Brasil, que é muito complicada atualmente.

O imposto vai ser cobrado no destino, ou seja, o local do consumo do bem ou do serviço e não na origem, como é hoje: “Quando você compra uma cadeira, você tá pagando um acúmulo de impostos da cadeia produtiva. O imposto na extração da matéria-prima depois na indústria de tecelagem, depois na fábrica e, por fim, na loja”, exemplifica.

A simplificação fará com que o setor e o próprio consumidor tenham noção do quanto efetivamente está sendo tributado. Giliad levanta que o Brasil é um dos poucos países relevantes no mundo que não possui um imposto sobre valor adicionado, já que a estrutura data de 1965, na ditadura militar.

RETROSPECTIVA

A Constituição de 1988 não produziu grandes mudanças, e a atual vai afetar 27 governadores e 5.570 prefeitos. Vai além do setor econômico, afetará os setores de serviços, comércio e indústria: “É muito lobby, né?”, pergunta retoricamente, afirmando em seguida que esse é o principal motivo de a reforma ter se arrastada por trinta anos.

Para se ter uma ideia da confusão que é o sistema atual, cada categoria de produto paga um imposto diferente, o que gera algumas distorções por parte das fabricantes mais relacionadas a bens de consumo.

AUMENTOS E QUEDAS

O Congresso Nacional decidiu que a alíquota da cesta básica de alimentos será zero. Ainda não estão decididos os itens que farão parte dela, mas os que estiverem, não terão imposto.

Haverá regimes diferenciados na educação, saúde, transporte público, higiene pessoal e insumos agrícolas. Tudo isso terá um desconto de 60% no tributo, além de um cashback, que é a devolução de tributo especialmente para os brasileiros mais pobres. Além disso, haverá uma mudança também sob o imposto do pecado que é o imposto sobre itens cujo consumo possui contraindicação, como, por exemplo, cigarros, bebidas alcoólicas e insumos agrícolas que podem ter impacto ambiental.

No entanto, tratando-se de setores, o impacto, em tese, é neutro em tese. Isto quer dizer que a economia na totalidade, pagaria a mesma quantidade de tributos. Itens como cesta básica, educação e transporte, devem ter impacto neutro, devido ao desconto de imposto.

A energia elétrica e a telecomunicação são dois setores que atualmente possuem um ICMS muito grande e devem ter uma queda. Alguns estados cobram mais 30% de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços e deve cair para um valor em torno de 25%. Isso deve influenciar diretamente na conta de luz, celular e internet.

Aumento nos serviços

Um exemplo são os streamings e as corridas por aplicativo. Atualmente, há uma faixa de 14% de imposto calculado em cima dessas distribuições digitais. O mesmo ocorre com os aplicativos em que solicitamos carros e motos para circular. E, com a nova alíquota que deve ir para algo em torno de 25%, e os preços devem subir.

Outra novidade é o Imposto sobre a Propriedade de Veículos e Automóveis (IPVA) em novos veículos, como lanchas, jatinhos e aviões.

POLÊMICA

Essa última parte nos leva a um assunto que sempre foi muito abordado dentro do tópico tributos. A principal fonte das pessoas mais ricas, os dividendos, não é tributada. A remuneração nas ações é uma preocupação importante para a justiça tributária, explica Giliad: “Na minha avaliação, esta primeira etapa é positiva, mas ainda exige cuidado. Nos próximos capítulos, vai haver uma quantidade grande de lobby, de forças empresariais buscando menor tributação e, até mesmo, a isenção dos preços de seus produtos”, diz, o que obviamente incide para os estados e os municípios.

A votação desta primeira parte da Reforma foi feita por meio de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC). Após promulgada, o governo vai ter um prazo de cento e oitenta dias para enviar a proposta de alteração nos impostos sobre a renda. (Thays Araujo)