Correio de Carajás

Rede afirma que Marabá não acatou recomendação para atender os warao

A Rede de Apoio Mútuo Indígena do Sudeste do Pará emitiu posicionamento nesta segunda-feira (25) denunciando que a população indígena Warao, refugiada da Venezuela, está praticamente abandonada pelo poder público em meio à pandemia da Covid-19.

Há 20 dias, no dia 6 deste mês, o Ministério Público do Estado do Pará emitiu recomendação à Prefeitura Municipal de Marabá, à Secretaria de Assistência Social, Proteção e Assuntos Comunitários (Seaspac) e à Secretaria Municipal de Saúde para que dessem atenção à extrema vulnerabilidade das populações tradicionais em situação de rua.

O documento pontuava uma série de medidas a serem adotadas, como a busca ativa da população indígena warao em situação de rua, o imediato acolhimento da população em instituições adequadas e a realização de campanha oficial de prevenção para veiculação nos meios de comunicação locais.

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À época, em contato com a Assessoria de Comunicação da Prefeitura de Marabá, o Correio de Carajás foi informado que o município acataria à recomendação. Entretanto, a Rede de Apoio Mútuo Indígena do Sudeste do Pará afirma que passado o prazo de 10 dias estipulado pelo órgão ministerial, os warao seguem em situação de risco sanitário e que nada foi feito pela administração municipal.

Conforme a rede de apoio, as famílias de refugiados warao continuam morando em quitinetes alugadas na Folha 33 e compartilhadas por cerca de 30 pessoas, em um cenário pandêmico que exige medidas de isolamento. Também seguem vivendo em mendicância, passando parte do dia nas ruas.  

A Irmã Zelia Maria Batista, missionária franciscana membro da Rede de Apoio Mútuo Indígena do Sudeste do Pará e do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), esteve na habitação dos warao em Marabá e ficou sensibilizada pela situação precária em que os encontrou. “Desprovidos das condições básicas de saúde frente ao perigo eminente da pandemia. Após algumas visitas os laços de confiança foram se estabelecendo e hoje percebo que partilham de suas necessidades de uma forma natural”, diz ela, por meio do posicionamento divulgado pela rede.

Conforme Caio Maximino de Oliveira, da Rede de Apoio Mútuo Indígena do Sudeste do Pará, “os warao enfrentam situação de dupla opressão: por serem indígenas, e por serem refugiados”, acrescentando que a atual pandemia não é apenas uma crise de saúde, mas também socioambiental, econômica, social e política. “Em grande parte, a situação atual se deve à negligência dos governos e à incapacidade do capitalismo de atender as necessidades mais básicas, principalmente das populações mais marginalizadas. Nenhum refugiado é ilegal!”, diz.

Diante do que considera um cenário de abandono, a Rede de Apoio Mútuo Indígena do Sudeste do Pará divulgou ter promovido algumas ações emergenciais e revela estar organizando outras ações de longo prazo. “Destaco a importância do nosso trabalho em REDE, assim fomos respondendo às urgências, alimentação, moradia, kits de higiene e limpeza, máscaras, remédios caseiros para fortalecer a imunidade, e regularização da documentação”, explica a Irmã Zélia.

Mirian Rosa Pereira, coordenadora administrativa do campus Marabá da Universidade do Estado do Pará (Uepa), que também integra a Rede de Apoio Mútuo Indígena, destacou algumas ações de curto prazo realizadas na rede: “A Uepa, por meio da contribuição de seus servidores, já garantiu algumas doações para as famílias warao: doações de máscaras, cestas básicas, materiais de higiene e limpeza, roupas e calçados, utensílios domésticos e orientações de higiene pessoal e do espaço que vivem”.

Ela ressalta que a Rede busca realizar acompanhamento médico, bem como ajudar a Defensoria Pública na regularização da documentação dessas famílias como imigrantes, para que possam solicitar benefício emergencial junto à Caixa Econômica Federal.

Entre as ações de médio prazo, a Rede destaca ainda o levantamento de recursos para subsistência através de um recurso online e o  grupo também tem procurado articular com o poder público garantias de implementação da recomendação do MPF: “Nesse momento a urgência é o cuidado da vida, preservando-os da pandemia. Para isso estamos acionando o poder público para garantir-lhes uma moradia digna”, informa a Irmã Zélia.

Ainda assim, Mirian ressalta que essas ações são limitadas: “Esta realidade demanda medidas que devem ir além do assistencialismo, com a aplicação de políticas públicas que atendam às necessidades de todas as famílias indígenas warao para que sejam, prioritariamente, abrigados em espaço apropriado e permanente na cidade de Marabá”.

Município afirma estar acompanhando a comunidade e ter recebido recursos para ações

A Reportagem entrou em contato com o assistente social Tancredo Paiva, técnico da Vigilância da Secretaria Municipal de Assistência Social de Marabá (Seaspac), que está à frente do atendimento aos imigrantes venezuelanos.

Conforme ele, ao assumir o cargo, tomou conhecimento das vulnerabilidades da comunidade e soube que o público vinha sendo acompanhado desde 2019, quando começou a chegar no município, pelas equipes de Abordagem de Rua, Acolhimento POP e CREAS.

A partir disso, afirma, mediante as recomendações do MPPA, a diretoria técnica da Seaspac fez a catalogação dessas pessoas através do Serviço Especializado de Abordagem de Rua. No total, divulga, foram identificadas nove famílias que somam 35 pessoas. Recentemente, além dessas 35, chegaram no município outras 17 pessoas que ficaram em situação de rua até serem abordadas.

Esse grupo, relata o assistente social, preferiu seguir para Santarém, o que foi atendido mediante benefícios eventuais que atendem à situação de contingência, com passagem e alimentação custeadas pela Seaspac.

Paiva afirma que na última semana recebeu ligação de Denise Coimbra, representante da ONU no Estado do Pará, que orientou como proceder em relação à documentação pessoal dos indígenas.  

A partir disso, diz, a assistência social começou a pontuar ações mais sólidas e efetivas, de menor assistencialismo, embora garanta que a Seaspac não tenha se negado, de forma emergencial, às ações pontuais.

“Já foram fornecidas cesta básicas para as famílias, já fizemos as visitas domiciliares de esclarecimento em relação à pandemia e a Prefeitura de Marabá assinou um termo de compromisso junto com o Governo Federal para envio de recursos do Governo Federal para atender também a esse público, no que diz respeito ao acolhimento”, afirma.

Ainda de acordo com ele, no dia 14 deste mês, quase duas semanas atrás, o município recebeu o recurso em questão, cujo valor não foi divulgado, e ele está sendo trabalhado junto ao setor financeiro para que seja organizado um plano de institucionalização do acolhimento dessa comunidade. O técnico ressalta, porém, dificuldade burocrática para que seja acelerado este processo.

“É lento, precisa de licitação, precisa-se abrir todo um processo para que a gente possa gastar esse recurso com efetividade e com objetividade. Mas dentro das nossas possibilidades, do que tem sido feito no âmbito da Assistência Social, a Seaspac não se negou, em nenhum momento, a atender esse público”.

Ainda sobre a burocracia, ele diz que em levantamento descobriu-se que 70% dos venezuelanos no Pará estão com os registros de refugiados vencidos e que a Polícia Federal não está prestando atendimento durante a pandemia. Entretanto, o município foi informado que o Ministério da Justiça, através de resoluções, determinou que os refugiados que estão no Brasil, foram catalogados e estão com registros vencidos, devem ter os documentos renovados e serem atendidos.

Em relação à oferta de quites contendo álcool gel e máscaras, declarou que o recurso chegou à Assistência Social apenas 12 dias atrás e que o setor financeiro está agora abrindo licitação para compra direta. “Estamos imbuídos nesse sentido de nós podermos acelerar cada vez mais, reconhecendo a urgência de vulnerabilidade. Quando se trata de urgência dentro de um sistema burocrático brasileiro acaba sendo até angustiante, mas não é desmotivador para que possamos estar engajados nessa luta”.

Paiva afirma que em uma abordagem realizada pelo CRAS do Núcleo Morada Nova a comunidade relatou não estar precisando de cesta básica emergencialmente, mas quer moradia. “Eu acho que a moradia vai trazer a dignidade para esse público humanitário que chegou ao Brasil, que chegou ao Estado do Pará, e que eu reconheço que está em situação de vulnerabilidade gritante”. Por fim, diz estar aberto ao diálogo para a construção de soluções. (Luciana Marschall)