Correio de Carajás

Quem é Luiz Carlos Cruz, o técnico da camisa 24

Treinador do Parauapebas FC lançou movimento “Manto da Igualdade” em combate à homofobia no futebol

No futebol brasileiro, é extremamente raro um jogador usar a camisa 24. O número, estigmatizado na cultura do país como o “número do veado”, por conta do Jogo do Bicho, foi associado à homossexualidade, ainda um tabu muito grande no esporte. Em meio a um círculo demasiadamente masculinizado e homofóbico como o futebol, Luiz Carlos Cruz coloca o dedo na ferida apenas fardando a polêmica numeração.

Contratado em maio deste ano com a missão de levar o Parauapebas Futebol Clube à primeira divisão do Campeonato Paraense, o técnico catarinense de 57 anos procura mais que um resultado dentro das quatro linhas. Autor de dois livros, Luiz não foge da discussão que muitos preferem apagar no âmbito do futebol, e em entrevista ao Portal Correio de Carajás, justifica o porquê de levantar com tanto vigor a bandeira do combate à homofobia no esporte.

“Precisamos quebrar paradigmas na nossa sociedade. Desde cedo, pela minha formação familiar, fui ensinado a respeitar a vida humana, e enquanto treinador vejo ao longo dos anos a intolerância no futebol. O número 24 sempre foi usado como chacota, e essa intolerância atingiu o pico, para mim, quando se tornou pauta em um dos símbolos do país: a Seleção Brasileira”.

Leia mais:

Luiz se refere à numeração usada pela Seleção na Copa América 2021, que foi o único elenco da competição sem um camisa 24. O volante Douglas Luiz utilizou a camisa 25 no torneio, o que levou ao coletivo LGBTQIA+ Grupo Arco-Íris a solicitar um esclarecimento à Confederação Brasileira de Futebol. Na ocasião, a entidade afirmou que a escolha foi feita por “mera liberdade”, e a atribuiu à posição de Douglas Luiz, meio-campista.

“Aí meu coração bateu mais forte”, diz Luiz Carlos Cruz, que afirma conhecer e ser amigo pessoas dentro da CBF, mas que não poderia aceitar o descaso. “Por isso lançamos a campanha ‘Manto da Igualdade’. Eu não sei quanto tempo vou ficar aqui [no Parauapebas FC], mas você pode ter certeza que ficando aqui por anos ou indo para qualquer outro lugar, vou vestir esse número. Nós, como profissionais, temos de agir”, pontua Luiz.

POSIÇÃO DE EMPATIA

O técnico do Trem de Ferro, como é conhecido o time da cidade, diz que muitos o criticaram, sob a ótica de que o futebol não se mistura com uma ideologia ou outra. A eles, rebateu: “Graças a Deus vivemos numa democracia, temos o direito à palavra, então temos que respeitar”, conta Luiz, mas trazendo como contraponto a empatia por quem sofre.

“Se você parar para ouvir pessoas que sofreram qualquer tipo de preconceito, vai entender que vai muito além de agressão física ou moral, vai além do desrespeito. É você tirar o direito de uma pessoa ser ela mesma, e isso ninguém pode fazer”, diz Luiz. O técnico pontua que Parauapebas, por ser uma cidade “de pioneiros e de vanguarda”, é um local ótimo para transmitir a mensagem. “Não querendo ser especial, mas sendo humano”, justifica.

“Não sou bobo, mas otimista baseado em dados. Nós temos que dar certo, e vamos dar certo. Há um sentimento que nos une: não o ódio, mas o amor. Ele salva e faz a diferença. Falar o óbvio é fácil, corriqueiro. Temos De nos desafiar a falar sobre um tema que clama por mudança”.

Luiz treina o Trem de Ferro de Parauapebas sempre vestindo camisa com numeração 24/ foto: Divulgação

VIAGEM NA HISTÓRIA

Luiz chama atenção para como atos de intolerância podem ser apoiados por discursos moralistas, gerando sofrimento e morte. “Desde a Roma e Grécia antiga, passando pelas grandes guerras, vemos movimentos que pregam valores, ditos aceitáveis por uma sociedade, que geram esse direito de ser ou de não ser. Então eu, na profissão que estou, não poderia perder a oportunidade que tenho de alcançar pessoas”, elucida o técnico do Parauapebas.

Ele agradece aos ensinamentos recebidos de Lula Pereira, falecido em 2021, com quem trabalhou como auxiliar no início da carreira. “Luiz Carlos, negro e nordestino, foi meu mestre e meu amigo. No meu segundo livro trato sobre alguns temas como o racismo no futebol, fruto do que aprendi com ele. É importante entender seus amigos, ouvir as experiências para ir nesse sentido de respeitar a vida”, relembra.

Luiz usa a Capital do Minério e o esporte para potencializar os questionamentos sobre a sociedade. “O futebol é um espaço de alegrias, tristezas, emoções. Então, por que não levantar questões como essa? A cidade aqui talvez não tenha noção do quão grande ela é, não só nas riquezas minerais e Do verde, mas as riquezas que as pessoas trouxeram para cá de todos os lugares do mundo. Espero que essa ideia saia daqui e alcance todo a cidade, o estado, o Brasil e o mundo”, afirma o técnico do PFC, orgulhoso de sua luta.

A entrevista é encerrada com Luiz se direcionando a todos que sofrem com a homofobia no futebol: “jovem, seja você esta mensagem. Cultive sua alma e seu espírito por amor, não pelo ódio. Seja você, onde quer que você esteja. Sendo você, você será feliz – mesmo que sofra às vezes. Você será feliz porque será verdadeiro, numa sociedade onde vários vestem máscaras. Temos de tirar estas máscaras”, prega.

(Juliano Corrêa)