Raimundo Dionísio de Sousa, Manoel Ferreira de Araújo, Luiz Nonato da Silva e Lúcia Vitalina de Souza são quatro idosos com nomes diferentes, mas histórias parecidas. O quarteto vive, atualmente, no Centro Integrado da Pessoa Idosa Antônio Rodrigues (Cipiar), em Marabá, onde recebem todo o cuidado que precisam, considerando que não possuem mais ninguém para fazê-lo. Entretanto, essa atenção profissional não preenche o vazio que possuem em seus corações por desconhecerem o paradeiro de qualquer familiar, além de não poderem se agarrar à ideia da existência de um semelhante do mesmo sangue.
A reportagem do CORREIO visitou o Cipiar esta semana e conversou com cada uma dessas pessoas que, embora em sua maioria divaguem muito em suas histórias devido à idade avançada ou a problemas mentais, declaram a mesma vontade: saber onde estão seus familiares, para poderem passar o resto de suas vidas sendo cuidadas por um alguém pelo qual possuem memórias afetivas e, em suas concepções, poderão proporcionar, portanto a realização do sonho que é não mais se sentirem só.
Portanto, esta matéria tem o objetivo não somente de comover com diferentes narrativas que não ocorreram como um conto de fadas, mas possibilitar que esses idosos sejam reconhecidos por algum parente ou conhecido, ao compartilhá-las e proporcionar um final, no mínimo, reconfortante e com a graciosidade de um encontro com direito ao acalento de uma memória vivaz e afetiva.
Leia mais:Dionísio, de 58 anos, foi o primeiro com quem conversamos, mesmo mostrando estar extremamente bem cuidado, possui um semblante triste e distantemente reminiscente de quem devaneia muito devido a um distúrbio mental que desenvolveu, provavelmente em função aos muitos anos que passou morando na rua e convivendo com a solidão e o falso alento que a bebida o proporcionou.
Mas, ao fundo de tantas falas desconexas, é possível saber que relembra o nome e até apelido do pai, Eduardo Evaristo Dionísio de Sousa, “Dudu”, assim como de sua mãe, Maria da Conceição Alves de Sousa e a irmã, Maria de Fátima. Possui recordações longínquas de um irmão que morava em uma Vila chamada de Brejo de Anapurus, situada no Maranhão.
De acordo com seus documentos, nasceu em Matias Olímpio, no estado do Piauí, mas morou grande parte da vida em Zé Doca, município do Maranhão, localizado na microrregião de Pindaré, local do qual fala bastante e demonstra ter um grande apego emocional. Outra informação que levanta é de que possui dois filhos, os quais nomeia de Maria e José Dionísio de Sousa e afirma desejar imensamente poder encontrá-los para falar acerca dos romances da vida.
“Quero poder encontrar os dois e falar sobre as histórias de amor que tive”, assevera. Fora isso, diz com dificuldade possuir memórias de viver embriagado e brigar na rua. Em consequência, atualmente não possui grande parte de sua orelha esquerda, pois a perdeu em uma discussão que, segundo ele, foi vítima de uma facada.
Raimundo diz ter saído de casa em 1981 e faz relatos sobre a região do Rio Paranaíba, em Minas Gerais, onde não se sabe exatamente se chegou a viver. Também discorre sobre sonhar muito, durante suas noites de sono, em andar pelo mundo, algo que enfatiza poder conseguir fazê-lo. Trabalhava como serrador, tirando eucalipto e pinho, na Serra Pelada, antes de se tornar alcoólatra e como ele mesmo tristemente diz: “cair no mundo”.
Os paradeiros de Manoel e o drama de Luiz Nonato
O segundo entrevistado é um senhor de 68 anos que costumava trabalhar no ramo da construção civil, tendo participado inclusive da edificação de um dos grandes shoppings da metrópole goiana, nomeado de Buriti. Diretamente de Bacabal, município do Maranhão, seu Manoel Ferreira de Araújo veio à Marabá para trabalhar no ramo de sua profissão, mas em algum momento da vida passou a morar na rua e, devido a um transtorno mental que possui, acabou perdendo tudo que tinha, o que o faz ter muita dificuldade em recordar vividamente coisas importantes do passado que o ajudariam a reencontrar a família.
Sobre esse último e importante tópico, o que se sabe, submersamente, é que o nome de sua mãe era Maria Francelina Ferreira de Araújo e, supostamente, sua esposa e filhos chamariam Ana Araújo e Suelen, Franciele e Françuá, respectivamente. Não é possível ter certeza sobre tais informações, considerando seu estado mental, mas para o alento de Seu Manoel e de quem lê, o senhor se refere a Adriana Ferreira, coordenadora do Cipiar, como sua filha, devido ao apego emocional que desenvolveu nos últimos 7 meses em que esteve lá.
De todos os entrevistados, seu Luiz Nonato da Silva provavelmente é a pessoa com a história mais delicada, já que além de não haver informações concretas sobre sua vida, por não possuir documentos, o idoso, bastante debilitado em uma cadeira de rodas, demonstra claramente muita dificuldade em falar de coisas pessoais e chega a se expressar dolorosamente por gritos baixos, como quem sofre com a alma por tudo que já passou e não sabe explicar.
Segundo ele, o nome de sua mãe era Joana Maria da Conceição e seu pai se chamava Raimundo Nonato da Silva. O local onde nasceu gera muitas dúvidas em quem conversa com Luiz, já que divaga sobre as cidades de Teresina ou Água Branca, no Piauí. Outra grande questão que se forma é a idade, que deve girar em torno de 62 anos.
Menciona que tem filhos, com quem deve ter perdido o contato há muito anos, provavelmente quando ambos eram mais novos e afirma “ter sumido no mundo” antes de casar e separar da mulher. Sobre seus sentimentos de estar ali, diz precisar voltar, sem citar exatamente o local para onde. Claramente se sente insatisfeito com a sensação de estar perdido. Também reconhece que está doente e que precisa de cuidados familiares.
As informações concretas mencionadas pela coordenadora do Cipiar, Adriana Ferreira, é de que Luiz morava na Vila Cupu, há 60 km de Marabá, quando teve um Acidente Vascular Cerebral (AVC) que deixou várias sequelas e, agora, o impossibilita de andar e falar normalmente, mas não de sentir. Quando questionado sobre seu sentimento em estar ali, muito sincero, ele diz que não gosta, mas, simultaneamente, demonstra entender que morava em condições insustentáveis em um barracão na Vila Cupu.
Quando Luiz se cansa de tantas perguntas sobre coisas que talvez o afetem mais do que é possível imaginar, seu “Toninho”, como é conhecido carinhosamente no abrigo, e que conseguiu encontrar a família através de uma matéria como essa, vem e oferece para levá-lo até uma sala onde participam de atividades que os estimulem de maneira benéfica.
A vaidade de Lúcia aos 91 e o sonho de reencontrar parentes
A última entrevistada a procura de seus parentes é a graciosa Dona Lúcia Vitalina de Souza, com seus incríveis 91 anos e unhas recém-feitas para combinar com sua estadia recente no centro. Ela chegou ao abrigo de longa permanência há cerca de 20 dias, logo após o falecimento do esposo, com quem morava há cinco anos no Km21. Com uma alegria intacta, fala com tranquilidade e ternura das poucas coisas das quais se lembra, em especial de seu companheiro.
A senhorinha sorridente era acompanhada já há alguns anos pelo CREAS e, carinhosamente abraçada pela comunidade em que morava, no entanto, devido a sua idade avançada e as necessidades especiais, foi encaminhada ao centro. Lúcia menciona ter dois filhos, os quais não recorda nomes, mas segundo seus documentos, nasceu em São Miguel do Guamá, município do Pará e é filha de Antônio Vitalina de Souza e Paulina Visira de Melo.
A coordenadora Adriana, responsável por cada um dos quatro e outros idosos que ali vivem, diz que o objetivo do local é proporcionar qualidade de vida para o idoso, garantindo assim seus direitos, e é nada mais que justo estarem perto de familiares: “A gente percebe que, por mais que eles sejam bem cuidados, tenha uma vida social ativa através dos amigos e das atividades do centro, o desejo de cada um é estar próximo de algum parente, seja pelo menos para um mínimo contato”, afirma.
É sabido que algumas pessoas, por seus históricos de vida, nunca mais consigam restaurar esse vínculo, mas o simples fato de saber onde a pessoa está, saber que a pessoa ainda existe, já é um motivo para elas se agarrarem e viverem mais tranquilos, visando um dos pilares do trabalho do Cipiar, proporcionar bem-estar e alento. Afinal, só não existe solução para a morte e a esperança é a última que morre. (Thays Araujo)