Em uma conversa franca e emocionante, Luana Vanessa compartilhou com o Correio de Carajás as vitórias e as lutas que enfrenta desde que o filho Nicolas, de 8 anos, recebeu o laudo. Ele está dentro do espectro autista e é nível dois de suporte.
Desde outubro de 2024, a data 30 de novembro ganhou uma nova nomenclatura, pelo menos a nível estadual. Agora, é conhecida como o “Dia da Mãe Atípica” e celebra e honra mulheres que são mãe e/ou cuidadoras de pessoas com deficiência, síndromes, transtornos, doenças raras, entre outras. Além de pautar o reconhecimento da causa, a Lei nº 10.744 também traz à luz a importância da conscientização sobre o universo atípico, uma maneira de combater o preconceito e dar visibilidade para uma causa que ainda carece de muita atenção e políticas públicas.
Mas as celebrações de Nicolas e Luana vão além de uma marcação num calendário. É no dia a dia que mãe e filho aprendem um com o outro, se frustram diante dos empecilhos e celebram as conquistas.
Leia mais:Para ela, o medo de faltar emociona. Para ele, ainda que não compreenda por inteiro, fica o registro de que sua mãe vence batalhas diárias para tornar suas vivências cada dia mais belas e dignas.
Correio de Carajás – Quem é a Luana e quem é o Nicolas?
Luana Vanessa – A Luana é a mãe do Nicolas. Ele tem oito anos, é uma criança atípica e transformou minha vida desde que chegou. Antes eu tinha uma carreira consolidada dentro da minha área e tive que trocar. Hoje em dia, eu atuo justamente na criação de projetos para beneficiar crianças autistas por causa dele, eu percebi a carência do município com relação ao suporte para os pais, eu vi ali uma necessidade de transformar não só a minha vida, a minha realidade, mas a de outros pais também.
Correio – Em que momento dessa trajetória a Luana se entendeu como mãe atípica?
Luana Vanessa – Foi quando o Nicolas era muito neném. Eu não sabia como nomear, mas eu sabia que era algo. Quando a gente tem um filho recebe a caderneta de saúde, lá tem todos os marcos de desenvolvimento da criança e os dele ou eram muito fora ou dentro dos padrões, menos a fala. Ela só foi funcional de fato quando ele tinha quatro anos. E, até o momento em que ele falou, de fato, eu já sabia que tinha alguma coisa errada, só não sabia o que era.
Correio – Como foi vivenciar a maternidade depois de ter essa percepção?
Luana Vanessa – Nossa, pergunta difícil! A maternidade para a mulher já é um mundo à parte e quando entramos nessa transição para a maternidade atípica, a gente entra num novo mundo. As prioridades que seriam para uma mãe típica são diferentes da atípica, acaba mudando as coisas mais básicas. Mas acho que a gente faz essa transição (de mentalidade) de fato. A gente pensa ‘talvez, um dia, quem sabe, fique normal’, mas não é uma questão de normalidade, não tem nada anormal. Então é uma transição que, pelo menos por enquanto, não acaba.
Correio – Como você percebe a maneira que a comunidade recebe essa mãe atípica? Como ela ocupa esses espaços?
Luana Vanessa – É de pouquinho a pouquinho. Eu acho que quando a gente se descobre (mãe atípica) compramos uma luta que até então não tínhamos. E é uma luta muito solitária. Vemos a criança querendo se desenvolver e conviver coletivamente, mas não tem apoio, às vezes nem dentro da família. Eu, como trabalho com isso, vejo muitas mães que, por exemplo, vão buscar tratamento para o filho escondido do próprio marido, porque o marido não aceita. Então, às vezes, já começa dentro de casa e nós (mães) temos que suportar tudo isso, precisamos lutar por eles com uma força que, de vez em quando, a gente não tem da onde tirar. E para ocupar espaços é muito complicado, parece que a gente tem que matar alguns leões por dia para conseguir o básico de respeito, de tratamento, de responsabilidade social, aceitação. É muito complicado, muito pesado.
Correio – Hoje você trabalha na Associação de Autistas Marabá (AMA), como fazer parte dessa rede de apoio com outras mães?
Luana Vanessa – Quando a gente foi atrás do que poderia ser o diagnóstico do Nicolas, buscamos em todos os cantos e lá na associação também. Foi o único local que nos trataram normal, que dá o caminho das pedras para a gente, porque é muito demorado você fechar um laudo e não é uma coisa única, não. Todo ano, pelo menos, você tem que ir lá e renovar a carga horária das terapias. Então não é uma coisa barata, simples e nem rápida. E lá eu encontrei esse apoio. É tanto que quando eu fechei o laudo do Nicolas, eu falei assim: ‘não, agora eu quero ajudar outras mães a fazerem isso também, porque para mim foi difícil, então vai ser difícil para todo mundo’. Na AMA nós somos um grande grupo de amigos e a gente vai se ajudando como a gente pode.
“A gente precisa encontrar força em qualquer lugar, porque não é uma doença, não tem cura. É algo que vai estar com a gente, com ele até o final. Então, a gente precisa ter força e ensinar eles a terem força também, porque é uma luta que vai durar até o fim da vida” – Luana Vanessa
Correio – Hoje o Nicolas está com oito anos, como que concilia as suas demandas com as dele?
Luana Vanessa – O Nicolas tem se tornado uma criança cada vez mais independente. Ele é nível dois de suporte, a fala está mais funcional, mas ainda não é o que seria o adequado para a idade dele. Porém, ele já consegue passar um período de tempo sem a gente, coisa que até o ano passado ele não conseguia. Hoje o Nicolas já faz coisas básicas sozinho, como tomar banho, comer, lavar uma louça, então está mais fácil.
Correio – E qual é o teu maior temor como mãe atípica?
Luana Vanessa – Acho que, se você perguntar para qualquer mãe atípica, ela vai dizer que sente medo de faltar. Mesmo uma criança que seja nível um de suporte, a gente não sabe em que momento vai desencadear uma crise. Sabemos que ninguém vai ter a paciência que nós temos, mesmo um profissional mais qualificado para cuidar disso, ninguém vai ser tão paciente quanto uma mãe. Então, por mais que ele seja uma criança funcional hoje em dia, eu sei que a qualquer momento ele pode deixar de ser, e se eu não tiver ali, como que vai ser? Como ele vai se regular, se ele não consegue fazer isso ainda? Então, para mim, o maior temor é esse. E estar longe dele, para mim, é muito doloroso. Ele ir para a escola, brincar na casa de um amigo, é doloroso. Coisas que para uma maternidade típica é normal, para a gente não é. Ele sai para brincar no parquinho, eu fico escondida ali na esquina olhando, com medo dele entrar em crise e ter que sair correndo para casa. Então tento ficar o mais próximo possível.
Correio – Hoje, como mãe do Nico, quais vitórias você celebra?
Luana Vanessa – Todas! Qualquer pequena vitória já é imensa! Quando o Nicolas passou a ir ao banheiro, acho, inclusive, que é um grande marco para qualquer mãe, qualquer pai, a gente fez festa. Quando o Nicolas recebeu o primeiro convite para brincar na casa de um colega, primeiro aniversário que ele foi, para a gente foi absurdo, tipo ‘nossa, olha, eles conseguem ver que o nosso filho também é uma criança normal’. Quando ele conta o dia dele, que é uma coisa que, sei lá, até o meio desse ano não acontecia, eu penso ‘meu Deus que bom que ele fala!’. Então, qualquer atividade que ele consiga fazer sozinho é uma vitória. A gente vê que é fruto principalmente do esforço dele, mas também do nosso esforço.
Correio – Em algum momento a Luana mulher consegue se desprender do papel de mãe do Nicolas?
Luana Vanessa – Não tem como, mesmo. Hoje em dia a gente já consegue, por exemplo, viajar sem o Nicolas ou então que ele vá para casa dos avós sem a gente. Mas, a qualquer momento, estou sempre em prontidão para me tornar mãe do Nicolas de novo. Não vejo essa separação existindo, não tem como, definitivamente. Hoje em dia eu já consigo ter momentos em que a Luana vem em primeiro lugar. Quando eu vou para o trabalho, quando passo numa farmácia e compro, sei lá, um batom que seja para mim; nas viagens que eu faço sem ele, o fato dele ficar sem mim por, sei lá, um mês inteiro, praticamente, são momentos que eu consigo colocar a Luana em primeiro lugar, mas isso foi depois de muito tempo.
Correio – O que a Luana de hoje falaria para aquela que estava dando os primeiros passos na maternidade atípica?
Luana Vanessa – Se eu pudesse falar alguma coisa para aquela Luana de oito anos atrás, eu ia falar: cara, estou muito orgulhosa, ok? Em nenhum momento você pensou em desistir’. Então o que eu sinto por aquela Luana é orgulho. A gente precisa encontrar força em qualquer lugar, porque não é uma doença, não tem cura. É algo que vai estar com a gente, com ele até o final. Então, a gente precisa ter força e ensinar eles a terem força também, porque é uma luta que vai durar até o fim da vida. (Luciana Araújo)