Correio de Carajás

Quando a diversidade e a inclusão se cruzam nos trilhos da vida

A diversidade e a inclusão se estendem à vida pessoal, criando relações profissionais, antes, impossíveis

Mais do que transportar matéria-prima para ser transformada em bens de consumo, a nova mineração não enche apenas os vagões do trem, ela preenche espaços com gente de carne, osso e sentimentos. São pessoas que encontraram muito mais do que um emprego; encontraram um lugar de fala, de visibilidade, de acolhimento. As mãos por trás das máquinas encontraram outras mãos dispostas a compartilhar experiências de vida.

“Diversidade é chamar para a festa, inclusão é convidar para dançar”. Pegue essa afirmação de Vernã Mayers, vice-presidente de estratégia de inclusão da Netflix, coloque em um vagão de trem de minério e lance em um pátio ferroviário. Existe diversidade num ambiente comumente tão rústico e masculinizado? As histórias de Yanne e Poliana provam que sim. E o testemunho de colegas, como Davyd e Rafael, que cruzaram com elas nos trilhos da vida, também.

Um pátio ferroviário é uma área destinada à carga e descarga, à formação de trens, ao estacionamento e à oficina de material rodante, por exemplo. Em resumo, consiste em um agrupamento de linhas ferroviárias e, no caso da nova mineração, colaboradores de diferentes particularidades e vivências.

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Tudo isso em um largo espaço, destinado para abastecimento, reparos, vistorias, desmembramento de trens e outros, bem como lições de vida, e a quebra de tabus entre o corpo funcional de grandes empresas, como a Vale que, hoje, possui o programa Incluir para Transformar, mudando, assim, a realidade trabalhista da área de minérios.

RAÇA E GÊNERO, FORTES COMO AÇO

Supervisora de operação de trens na mineradora Vale, em Marabá, Poliana Santana Ribeiro chegou há dois anos na empresa, onde foi admitida por meio de um programa de porta de entrada em cargo de trainee de nível superior. Hoje, atua em um cargo de liderança, chefiando uma equipe composta por outras mulheres, mas também diversos homens.

Proveniente de Federação, uma comunidade carente de Salvador, na Bahia, Poliana começou a trabalhar aos 12 anos, vendendo coxinha em escolas para ajudar na renda familiar. “Desde sempre fui incentivada a estudar e trabalhar, logo, sempre foquei nisso. Acredito que a vontade de crescer e aprender foi o que me levou a me graduar como administradora de empresas e engenheira civil, pós-graduar em gerenciamento de projetos, especializar em mineração e estar concluindo a segunda pós em engenharia ferroviária”, orgulha-se.

Segundo ela, desde que se entende por gente, é “fissurada” em aprender, pois gosta de ser desafiada intelectualmente. Suas primeiras experiências foram como engenheira trainee, trabalhando na reforma e ampliação do aeroporto de Salvador, além de em um dos maiores projetos de parque eólico no Nordeste.

Após este período, Poliana começou a participar do processo da Vale, que chamou a sua atenção pelo viés de mudança cultural, propondo diversidade e inclusão. Após um tempo em Canaã dos Carajás foi contratada como supervisora em Marabá.

Na mineração, a matéria-prima essencial para a fabricação do aço é encontrada na natureza em forma de rochas misturadas a outros elementos. Da mesma forma, pode-se dizer que Poliana, uma mulher preta supervisora de operação de trens, foi um “insumo” imprescindível para a construção de um ambiente de trabalho liderado pelo sexo feminino.

No início da carreira, sua maior dificuldade foi o fato de a engenharia ser um campo mais masculinizado, o que gerou, a princípio, na hoje gestora, certo receio: “Na Vale, eu não tive esse atrito, graças ao comprometimento com a inclusão, que nos ensina a trabalhar juntos nas nossas diferenças, visando única e exclusivamente o profissional, deixando de lado qualquer particularidade física”, diz, com a tranquilidade de alguém que não precisa se preocupar com preconceitos presentes na maioria das empresas.

É possível confirmar tudo isso quando Poliana afirma que não demorou para se sentir respeitada em seu setor enquanto mulher preta em um cargo de liderança. Ela diz saber importância de ser uma minoria em sua posição profissional, e acrescenta que um de seus objetivos de vida é ser exemplo para outras meninas que, assim como ela, carecem de referências na área.

“De onde vim, eu não tinha em quem me espelhar, não existia essa preocupação de inclusão. Não havia como exemplo pessoas que tivessem feito faculdade e, muito menos que ocuparam um cargo como o meu. Mas eu sempre achei que eu poderia fazer isso, minha mãe sempre me incentivou: “Aquilo você consegue sonhar, você consegue conquistar”, divide.

 

A vendedora de coxinha, aos 12 anos, já sonhava com um cargo como o que ocupa hoje – o de supervisora

 

TRILHO DE MÃO DUPLA

 

Uma estrutura ferroviária de qualidade é fundamental para o sucesso e para o funcionamento de todo o modal ferroviário. Todo esse arranjo é formado por importantes construções como: via-férrea, plataformas, pátios ferroviários, entre outros.

As vias-férreas são formadas por dois trilhos colocados paralelamente visando facilitar a locomoção dos trens. Já os pátios ferroviários são locais, principalmente de logística, para a execução do sistema ferroviário.

Assim funciona a aliança entre a supervisora de operação de trens e Rafael Santiago, inspetor-orientador, responsável pela gestão técnica das equipes do Controle de Pátio. Ele entrou pelo Programa de Formação Profissional (PFP) e, atualmente, apoia e ampara minorias de sua área, gerenciando as inclusões.

Responsável por acolher Poliana, o inspetor confessa que a chegada da supervisora foi um desafio que o permitiu evoluir como ser humano: “Perante os conhecimentos que temos das atividades exercidas no pátio ferroviário, ter ela em nosso time foi a oportunidade não somente de apadrinhar e informar, mas, acima de qualquer coisa, permitir que eu, como homem, em uma sociedade tão machista, me desconstruísse quanto às diversidades no ambiente profissional e, inevitavelmente, fora dele”.

Desde que começou a trabalhar, Rafael nunca tinha sido liderado por uma mulher e, para ele, além de quebrar padrões, isso lhe deu a oportunidade de aprender com novos modelos de gestão, proporcionados pela Poliana. A presença dela demonstrou que, mais do que firmar um compromisso de valorizar a diversidade e promover a inclusão, ao aprovar uma estratégia de diversidade global com quatro direcionadores – como a promoção de um ambiente seguro e de respeito às singularidades de cada pessoa – o programa permite que minorias brilhem em suas funções, tal qual diamantes, tornando-se pioneiras em projetos.

A equipe costumava conviver em um ambiente 100% masculino e, com a chegada das mulheres, exigiu conhecimento e desmistificação por parte de cada um. Foi necessário que o inspetor estudasse e fosse atrás de proporcionar um local de equidade.

Mais do que isso, para Rafael, trabalhar com Poliana tem sido uma experiência enriquecedora no que tange o profissional: “Foi também uma oportunidade de revisar nossos procedimentos, transformando as atividades para elas conseguirem ser desempenhadas independente do gênero, abrindo portas para futuras contratadas”, conta, considerando que esse é só o início da inclusão feminina na empresa

As transformações da Nova Mineração permitiram que, pela primeira vez, Rafael fosse supervisionado por uma mulher

 

O DIFERENCIAL DE UM OLHAR

 

Aos 23 anos, a controladora de parques e terminais da Vale de Marabá, Yanne Carvalho, vem quebrando paradigmas com sua trajetória de superação e garra. Mesmo tão jovem e contando com apenas 5% da visão do olho esquerdo, demonstrou persistência e talento desde o dia em que pisou na empresa, por uma vaga para Pessoas com Deficiência (PcD).

Tal como o mineral níquel, de extrema importância para a indústria moderna, sendo maleável, reciclável, resistente à corrosão e alta temperatura, ela foi e é primordial para o corpo profissional, mostrando-se vigorosa e adaptável, mesmo frente às provações e aos obstáculos fervorosos, como os raios do sol de Marabá que tocam os trilhos dos trens que Yanne controla de sua sala, situada no pátio ferroviário da Vale.

“A nossa sociedade ainda não está preparada para lidar com deficientes e isso me deixou acanhada quando comecei a exercer minha função. Eu temia que, assim como na minha infância e adolescência, o sentimento de incapacidade tomasse conta de mim, gerando pensamentos negativos, me impedindo de desempenhar minha função com maestria”, desabafa.

Mas, tais barreiras nunca foram um empecilho, pelo contrário, serviram de exemplo e incentivo aos colegas ao seu redor, que a recepcionaram e transformaram o ambiente de trabalho em um local receptivo para aceitá-la, independente de seus obstáculos individuais.

Yanne conta que, entre os inspetores e supervisores que a auxiliaram a se adaptar, Davyd Costa foi uma pessoa indispensável em sua trajetória, pois se mostrou preocupado e solícito desde sua chegada, percebendo sua dificuldade em dialogar com as outras pessoas e em pedir ajuda: “Ele foi transparente e leal comigo, me auxiliou sem julgamentos e, dessa forma, eu me senti mais à vontade para demonstrar minhas limitações no trabalho”, narra.

Segundo ela, o colega a acompanhou minunciosamente e de uma forma leve, que não a deixasse constrangida por ter uma deficiência. Dessa forma, o medo de ser excluída ou demitida pelas suas dificuldades se transformou em progresso, fazendo com que a jovem evoluísse em seu trabalho, conseguindo realizar suas atividades da melhor forma possível, sem se sentir menosprezada e sim, capaz.

O que a controladora de parques e terminais acreditava serem pedras em seu caminho, hoje, são calcários na construção de seus sonhos profissionais. A palavra “incapaz” não mais existe em seu vocabulário, pois se sente apta a desempenhar da melhor maneira possível qualquer função de sua área.

 

A INTERAÇÃO DE PROCESSOS FÍSICOS E QUÍMICOS

 

O ferro é a matéria-prima essencial para a fabricação do aço. Ele é encontrado na natureza em forma de rochas misturado a outros elementos. E, tal qual este mineral, o inspetor e orientador Davyd Melo, citado por Yanne, a auxiliou fortalecendo a operadora no ambiente de trabalho.

Trabalhando no cargo há apenas um ano e sete meses, o profissional já compreende e caracterizar o acolhimento como algo que, apesar de partir dos ideais da Vale e de um ambiente propício para a inclusão de pessoas, com relação à inclusão e diversidade, trata-se de uma escolha própria do profissional responsável por apoiar e amparar o outro, de muita responsabilidade e comprometimento.

Ele garante que quando a empresa proporcionou o ambiente e o treinamento voltado para seus funcionários à inclusão de minorias, transformou sua vida não apenas dentro do pátio ferroviário, mas também fora, em seu cotidiano, respeitando a vivência de cada uma dessas pessoas e não reforçando estereótipos discriminatórios, por exemplo.

Com a chegada da Yanne, Davyd conta que foi preciso adaptar o ambiente inacessível, melhorando os procedimentos e as tarefas para que qualquer funcionário da área pudesse conseguir desempenhar o trabalho. O inspetor se surpreendeu de forma muito positiva com o desenvolvimento da controladora, embora desde o início tenha enxergado um grande potencial na jovem.

“Mesmo com a visão monocular, ela sempre se mostrou determinada em não somente exercer bem sua função, mas em aprender e evoluir cada vez mais”, diz, confessando que não era só ela que tinha suas dificuldades. Na verdade, tratava-se de uma via de mão dupla e, coube a ele estudar a deficiência da jovem para compreender suas limitações e tornar o ambiente o mais propício e confortável possível, visando sua segurança.

Antes do programa, o inspetor nunca havia trabalhado com minorias e, no início, ele confessa ter tido dificuldade para obter conhecimento e ser o mais solícito e inclusivo para atender Yanne: “Considero um aprendizado muito grande, me transformou como pessoa. É uma experiência gratificante”.

Controlar o pátio é pouco perto do que Yanne hoje é capaz, com o apoio de Davyd

 

 

APARELHO DE MUDANÇA DE VI(D)A

 

Mil cento e cinquenta e seis. É o número gravado em uma placa próxima aos trilhos do palco de todas essas histórias, indicando a quantidade de dias em que o dispositivo AMV, imprescindível pela logística de uma ferrovia, fundamental em várias situações de urgência, não é utilizado.

Mas, se por um lado, é fundamental que o Aparelho de Mudança de Via demore para ser utilizado, a tolerância e o respeito às diferenças do outro servem também como dispositivos de mudança de vida e, nesse caso, precisam estar em constante funcionamento. É a locomotiva da diversidade, que já está nos trilhos da nova mineração e não pode mais parar!

O mérito da equipe em estar há 1156 dias sem AMV contra coincide com as conquistas da Nova Mineração

(Thays Araujo)