Manifestações artísticas frequentemente servem como ferramentas de expressão, contestação e transformação social. Por isso, se transformam em atos políticos. Na semana em que Marabá recebe o evento cultural mais importante de seu calendário, a junina Coração de Estudante entrou na arena do festejo junino para mostrar sua força e reivindicar os direitos de homens e mulheres do campo, um povo que, muitas vezes, é invisibilizado pelo poder público e pela população da zona urbana.
Foi dessa fagulha que brotou o grito de manifestação de Wanessa Fortaleza Spíndola, 40 anos: “Não vamos parar! Asfalto já! Asfalto já!”. O apelo reverberou no Largo da Santa Rosa no domingo (22), durante a apresentação da Coração de Estudante na terceira noite do festejo.
A coreografia remete aos passos tradicionais de quadrilha, mas com um gostinho das apresentações estilizadas. Composta por brincantes de diversas idades — de crianças pequenas a adultos experientes —, a junina respira a resiliência do povo camponês e exala sua luta por uma infraestrutura de qualidade. Ao viralizar nas redes sociais, a apresentação cumpriu parte de sua missão: conscientizar o povo marabaense sobre as necessidades de quem mora no campo.
Leia mais:“Graças a Deus, uma repercussão positiva acerca dessa temática. Muitos são os movimentos pró-asfaltamento, e ter essa visibilidade no festejo junino de Marabá foi de uma relevância sem tamanho”, desabafa Wanessa.
Ainda que não tenha os recursos financeiros acessíveis às grandes juninas do grupo A, sobra à Coração de Estudante a euforia de dançar por amor, diversão e uma imensa vontade de mostrar que a arena também é o seu lugar.
A prova dessa resistência está na história da junina, que existe há 39 anos — mais velha que a tradicional Fogo no Rabo. Atualmente com 47 integrantes, sendo 41 brincantes na arena, sua existência não se resume às apresentações no período junino, mas a algo mais poderoso.
“Ela vem com o propósito de fomentar a importância do homem do campo para toda a sociedade, com o objetivo de galgar políticas públicas de qualidade para todos”, afirma Wanessa, em entrevista ao Correio de Carajás nesta quarta-feira (25).

Quando se somam à luta, a superação, a união e a resiliência dos moradores da região do Rio Preto, o resultado é a busca por dias melhores para aquelas comunidades. Esse foi o empurrão para que a Coração de Estudante empunhasse com fervor o tema “No rancho fundo de Santa Fé para o mundo”.
Segundo Wanessa, a Prefeitura de Marabá tem visitado a vila e dialogado com as lideranças, “na intenção de estreitar ideias e legitimar ações”, afirma.
Para a junina, participar do festejo é mais do que tradição: é resistência viva. Na quadra junina, a apresentação da Coração de Estudante ecoa como manifesto. Este ano, com beleza e coragem — e apesar da ausência do poder público —, os brincantes e a torcida enfrentam 75 quilômetros de estrada de chão até a sede do município, erguendo um espetáculo marcado por dor e esperança.
Na roupa do casal destaque, o preto falou da ausência: da infraestrutura que falta, do abandono que se impõe. Já o amarelo reluz como promessa: o asfalto sonhado, esperado, reivindicado.
Ao entoar o verso “É por amor, só por amor que eu estou aqui”, a quadrilha transformou passos em protesto e música em clamor, uma dança-poema pela pavimentação da estrada do Rio Preto, para que o caminho da roça também leve a dias melhores.
(Luciana Araújo)