Pesquisadores da Escola de Estudos Avançados Sant’Anna, na Itália, e da Escola Politécnica Federal de Lausana, na Suíça, integraram um sistema sensial-motor, que identifica estímulos térmicos, à uma prótese de mão de aparência natural que possibilitou a um homem com parte do braço amputado a diferenciar a temperatura de objetos e sentir contato corporal com outras pessoas.
Detalhado, recentemente, na revista Med, o dispositivo MiniTouch pesa menos de 250g e pode ser usado por até 16 horas com uma única carga. Segundo os autores do artigo, a abordagem pode ser equipada a membros protéticos disponíveis comercialmente e não requer cirurgia para ser incorporada às peças assistivas.
Solaiman Shokur, um dos responsáveis pelo estudo, relata que em pesquisas anteriores, a equipe investigou a relação entre como membros amputados percebem e respondem à temperatura.
Leia mais:“No ano passado, mostramos a existência de sensações térmicas fantasmas. Descobrimos que, ao resfriar ou aquecer precisamente alguns pontos do braço amputado, os pacientes relataram uma sensação térmica nas mãos perdidas. Testamos em 27 amputados e encontramos em 17 deles, portanto não é raro”, detalha Shokur.
Segundo o cientista, após seis meses do primeiro experimento, a equipe voltou a estimular o mesmo local nos participantes. Como resultado, foi desencadeada a mesma sensação fantasma, simbolizando que o estímulo térmico é estável ao longo do tempo. Baseados no resultados da longa pesquisa, a equipe começou a trabalhar em uma abordagem que possibilitasse a sensação mais realista e sensorial de uma prótese de mão por meio da temperatura.
“As sensações térmicas fantasmas são semelhantes às que eles têm na mão intacta e podem ser usadas para fornecer sensações térmicas em tempo real. Temos, portanto, os elementos para torná-lo uma solução potencialmente viável para amputados”, ressalta Shokur.
Testes
O MiniTouch foi integrado à prótese pessoal de um homem italiano de 57 anos com uma amputação do pulso para realização de um teste cego. Como resultado, o participante conseguiu diferenciar entre três garrafas visualmente indistinguíveis contendo água fria e quente com 100% de precisão. Sem o dispositivo, a porcentagem de acerto foi de apenas 33%. A abordagem também melhorou a capacidade de classificar, rapidamente, cubos de metal de diferentes temperaturas.
“Quando um dos pesquisadores colocou o sensor em seu próprio corpo, pude sentir o calor de outra pessoa com minha mão fantasma. Foi uma emoção muito forte para mim, foi como reativar uma ligação com alguém”, relata em nota, o participante.
Natural
Bruno Veronesi, especialista em cirurgias de mão e microcirurgias reconstrutoras do Hospital Sírio-Libanês de Brasília, explica que o feedback sensorial incorporado na prótese desempenha um papel importante ao permitir que pessoas com membros superiores amputados interajam com o ambiente com maior conforto e sensibilidade.
“Sem o feedback sensorial, uma tarefa simples como segurar um copo descartável plástico de água se torna muito difícil, pois o indivíduo não tem a percepção de pressão entre a prótese e o copo, apertando demais ou de menos. Avanços atuais no desenvolvimento de próteses que devolvem, pelo menos, parte desses estímulos sensoriais, contribuem muito para uma percepção de interação menos artificial e um ganho substancial de funções e tarefas que podem ser exercidas com menos esforço e mais naturalidade”, explica Veronesi.
“Pensando em internet das coisas, a realimentação térmica poderia ser aplicada em cadeiras de roda inteligentes para auxiliar o paciente no processo decisório de andar ou não por certo caminho, ou, ainda em casas inteligentes, onde o aquecimento do smartwatch indicaria que a temperatura de uma panela no fogo atingiu a temperatura necessária ou que um certo recipiente esfriou”, ilustra Lahr.
Até o momento, os pesquisadores não conseguiram determinar a durabilidade do dispositivo. De acordo com Solaiman Shokur, a equipe planeja, no futuro, realizar testes com o MiniTouch fora do laboratório, além de aprimorá-lo e torná-lo ainda menor.
“Até agora, ficamos surpreendidos com a capacidade do participante em utilizá-lo em todo o tipo de situações, como reconhecer diferentes materiais, mover pequenos blocos quentes ou frios. Construímos uma cozinha totalmente equipada em nosso laboratório para testar a próxima etapa”, aposta Shokur.
(Correio Braziliense)