- Enganoso
- É enganosa uma postagem segundo a qual o imunizante infantil contra a covid-19 causa mais casos de miocardite do que salva vidas. A vacinação com a Pfizer é recomendada por autoridades sanitárias brasileiras e estrangeiras. Um estudo da FDA, agência de saúde americana, publicado antes do início da imunização nos EUA, teve dados misturados pelo site que fez a postagem para enganar sobre a efetiva proteção da vacina.
- Conteúdo verificado: Postagem em site cujo título diz que a farmacêutica Pfizer admitiu que a cada 1 milhão de crianças vacinadas, só 2 serão salvas e 179 podem ter miocardite. O site também afirma que “apesar do baixo custo benefício” e de alertas, o “experimento” de vacinação com o imunizante em crianças foi autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no Brasil.
São enganosas as publicações que dizem que a Pfizer teria admitido que as vacinas contra covid-19 de crianças têm um risco maior de causar miocardite do que a probabilidade de evitar mortes pelo novo coronavírus.
Os dados, apresentados no título de uma publicação no site Brasil Sem Medo e compartilhada nas redes sociais, são na verdade de um estudo da FDA (Food and Drug Administration), órgão dos EUA similar à Anvisa, que fez uma projeção possível do que aconteceria caso as crianças fossem imunizadas, ou seja, são números hipotéticos. Além disso, os dados foram misturados pelo site que fez a publicação.
O estudo em questão fez uma simulação de quantas crianças poderiam desenvolver miocardite devido à vacina da covid-19. O cenário que encontrou 179 casos para cada milhão foi o que considerou que somente crianças do sexo masculino fossem imunizadas. Já o cenário em que somente duas crianças a cada milhão seriam salvas pela vacina, é o em que apenas meninas fossem imunizadas.
Leia mais:Os estudos mais recentes sobre a imunização infantil e as agências reguladoras norte-americana, europeia e brasileira afirmam que o imunizante da Pfizer é seguro para as crianças. Os casos de miocardite são raros e até o momento têm se manifestado de forma leve.
O Comprova procurou por e-mail o site Brasil sem Medo e a jornalista Fernanda Salles, que compartilhou o conteúdo, mas até o momento eles não se manifestaram.
O conteúdo foi considerado enganoso por retirar a informação de contexto para provocar uma outra interpretação.
Como verificamos?
O primeiro passo foi identificar a fonte da informação à qual o Brasil Sem Medo se referia. O texto atribui o dado à farmacêutica Pfizer, mas a reportagem não encontrou nenhum tipo de declaração da empresa neste sentido.
Diferente do que é relatado no título da página, as informações, mesmo que distorcidas, são de um estudo da FDA. A pesquisa foi feita antes da liberação da aplicação do imunizante em crianças.
Além de conferir os dados do estudo, a equipe também procurou a Pfizer, que é citada como fonte da informação pelo Brasil Sem Medo.
A reportagem conversou com a médica Sônia Maria de Faria, infectologista pediátrica e membro do Departamento Científico de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), sobre a pesquisa da FDA e sobre as vantagens da vacinação desse público contra o coronavírus.
Foram compilados também dados sobre países que já vacinam crianças e declarações de agências de saúde, similares à Anvisa, que aprovaram o uso da Pfizer nesta faixa etária.
Por fim, procuramos esclarecer como está a vacinação de crianças no Brasil com base em informações da Anvisa e do Ministério da Saúde.
O Comprova fez esta verificação baseada em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 7 de janeiro de 2022.
Verificação
Riscos da vacinação de crianças
A vacinação de crianças contra a covid-19 tem gerado muitos debates. Desde que as vacinas foram aprovadas para maiores de 18 anos, a ciência começou a estudar a ampliação do público alvo. Os testes buscavam saber a dosagem adequada para cada faixa etária e a segurança dos imunizantes.
A vacina se mostrou segura para as crianças. Mais de 30 países já começaram a vacinar essa faixa etária. Só nos Estados Unidos, segundo dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), 7 milhões de crianças entre 5 e 12 anos foram imunizadas com pelo menos uma dose.
Casos de miocardite foram relatados em alguns países no pós-vacinação, mas segundo a FDA esse é um evento adverso raro que não invalida a segurança dos imunizantes.
A miocardite é uma inflamação no tecido do coração geralmente causada por uma infecção viral. Os sintomas incluem dor no peito e falta de ar. Casos graves podem levar a insuficiência cardíaca. Normalmente, o tratamento é feito com medicamentos.
Os dados da publicação aqui checados são atribuídos à Pfizer. Porém, a própria empresa negou ao Comprova que eles sejam de autoria da farmacêutica. Na verdade, eles são de um estudo da FDA , órgão dos EUA similar à Anvisa, publicado em 26 de outubro, três dias antes do órgão autorizar o imunizante no país para a faixa etária.
O estudo fez uma análise comparativa entre casos, internações e mortes por covid-19 em crianças entre 5 e 11 anos e os casos de miocardite para saber o risco-benefício da vacinação.
Em nenhum dos cenários analisados a FDA estima que as crianças vão morrer em função da miocardite.
O número de 179 casos de miocardite para cada milhão de vacinados aparece apenas quando considerado que somente crianças do sexo masculino fossem imunizadas. A postagem, porém, omite que, estimando as taxas de transmissão, algo entre 2,6 mil e 57,8 mil casos de covid-19 em crianças seriam evitados.
Além disso, os únicos dois cenários em que a FDA estimou que duas mortes pelo novo coronavírus seriam poupadas são aqueles em que se avalia apenas a vacinação de crianças do sexo feminino. O texto, portanto, compara dados diferentes dentro do próprio estudo.
A FDA concluiu que na maioria dos cenários “os benefícios da série primária de duas doses da vacina da Pfizer-BioNTech contra a covid-19 claramente supera os riscos para as idades entre 5 e 11 anos”.
Sônia Maria de Faria, infectologista pediátrica e membro do Departamento Científico de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), explica que o documento só aponta projeções antes mesmo de a vacina ser liberada para uso. Na prática, ela diz que se tem visto que os casos são mínimos e não são graves. “No final, o benefício da vacina suplanta, em muito, os riscos. Isso são projeções que você faz antes até de a vacina estar em uso no mundo real. A gente já tem ela sendo aplicada em vários países e esse risco não tem sido elevado”, destaca.
Além disso, um outro estudo, divulgado pela FDA em dezembro, mostrou que a incidência de miocardite entre jovens de 16 e 17 anos após a vacinação foi de apenas 0,007%. Sendo que este foi o grupo que apresentou a maior incidência da reação. Em crianças entre cinco e 11 anos, os dados do CDC mostram que entre 7,1 milhões de doses aplicadas, foram relatados 14 casos suspeitos, o que é uma taxa de um caso para cada 100 mil vacinados.
Já no Reino Unido, foram relatados 11 casos de miocardite por milhão de doses aplicadas em todas as idades. De acordo com o FDA, há um risco maior de desenvolver miocardite entre adolescentes após a segunda dose da vacina. O evento adverso é estimado em um caso de miocardite ou pericardite para cada 10 mil vacinados com idade entre 12 e 18 anos de idade. No entanto, os casos reportados tiveram uma recuperação em no máximo uma semana.
Um estudo feito em Israel identificou que 76% dos casos de miocardite pós-vacinação foram descritos como leves e 22% como intermediários.
De acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), o risco de desenvolver miocardite durante a covid-19 é vinte vezes maior do que o risco de desenvolvê-la devido à vacina.
As duas sociedades emitiram uma nota conjunta no dia 31 de dezembro reforçando a orientação para que crianças de 5 a 11 anos com cardiopatias sejam imunizadas contra a covid-19 com o imunizante da Pfizer.
A infectologista Sônia Maria destaca que os eventos adversos em crianças são similares aos de adultos. “Os dados de miocardite em crianças com vacina são muito menores do que aqueles vistos em adolescentes ou adultos jovens. Os eventos adversos mais comuns têm sido aqueles usados em outras vacinas também. Dor no local da aplicação, eventualmente febre, etc.”
Em nota ao Comprova, a Pfizer reforçou a segurança da vacina e disse que incentiva que qualquer reação adversa ao imunizante seja relatada. De acordo com a empresa, a vacina tem 90,7% de eficácia em crianças entre 5 e 11 anos. “Até o momento, especificamente sobre a vacina ComiRNAty, casos muito raros de miocardite e pericardite foram relatados. Os órgãos de vigilância locais e internacionais competentes endossam que o benefício da vacinação segue se sobrepondo a qualquer risco”, destaca. Segundo a empresa, até o momento já foram distribuídas mais de 2,5 bilhões de doses do imunizante para crianças em 166 países.
Vacinação de crianças no Brasil
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou a vacinação com a Pfizer para crianças de 5 a 11 anos no dia 16 de dezembro de 2021. O órgão divulgou que a avaliação do imunizante contou com consulta e acompanhamento de um grupo de especialistas em pediatria e imunologia. Participaram representantes da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI) e Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
No dia 5 de janeiro de 2022, o Ministério da Saúde anunciou a inclusão de crianças no Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19 (PNO). O público alvo estimado é de 20 milhões de pessoas. As doses serão aplicadas com intervalo de 8 semanas e a campanha deverá começar ainda neste mês.
O imunizante da Pfizer também teve liberação para ser usado em crianças pela Agência Europeia de Medicamentos (EMA, na sigla em inglês), o que aconteceu em novembro do ano passado. Países como Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca e Espanha já vacinam as crianças.
Sônia Maria ressalta a importância de imunizar as crianças para o controle da pandemia. “A gente tem observado mundialmente um aumento crescente de infecções neste grupo. Lógico, é um grupo que ainda não foi vacinado. Se a gente tem uma vacina que demonstrou eficácia, segurança e redução de risco de internação e complicações por covid, está mais do que justificado o uso dela”, afirma.
Por que investigamos?
O Comprova investiga conteúdos suspeitos que tenham viralizado sobre pandemia, políticas públicas e eleições. A postagem aqui verificada teve mais de 3,2 mil interações no Twitter e Facebook.
Informações enganosas sobre a vacinação de crianças podem fazer com que as pessoas desacreditem na eficácia dos imunizantes e não se vacinem. Isso é ainda mais grave nesse momento em que o Brasil discute a ampliação do programa de imunização para o público infantil.
O conteúdo aqui verificado também foi classificado como enganoso pela AFP Checamos.
Em verificações anteriores, o Comprova mostrou que não há recomendação para fazer exame dímero-D em vacinados contra a covid e que as mutações da covid-19 não descartam eficácia e segurança das vacinas.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Desde 2020 o Correio de Carajás integra o Projeto Comprova, que reúne jornalistas de 33 diferentes veículos de comunicação brasileiros para descobrir e investigar informações enganosas, inventadas e deliberadamente falsas sobre políticas públicas e a pandemia de covid-19 compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.