Correio de Carajás

Projeto Rios de Encontro vive esperança na tragédia da pandemia

Rios de Encontro, o projeto eco-cultural e socioeducativo enraizado na comunidade Cabelo Seco, concluiu no último sábado, 14, um mês de ações virtuais, iniciando uma nova década de gestão pós Covid-19. No mesmo período, seu primeiro projeto ‘As Castanheiras Lembram’ foi contemplado pelo edital Preamar, da Secretaria da Cultura do Pará.

No dia 27 de maio, o projeto abriu o Fórum Internacional sobre Arte Comunitária em Tempos Difíceis, sediado pela Universidade Chinesa de Hong Kong, onde estreou seu vídeo ‘Rio Voador’. “Apresentei a evolução do Coletivo AfroRaiz e destaquei o colapso climático provocado pelo atual modelo devastador de desenvolvimento, como causa da Covid-19. Aprendi muito dos diversos projetos de pedagogias artísticas de cuidado, já respondendo à pandemia”, explica Dan Baron, coordenador internacional do Projeto.

No dia 30 de maio, Dan Baron abriu o webinar ‘Arte Educação pela Sustentabilidade’, coordenado pela Aliança Mundial pela Arte Educação e a UNESCO, para experts de 46 países. “Rios de Encontro foi escolhido pela sua continuidade de experimentação educacional ao longo de 11 anos, liderada por jovens de Cabelo Seco. Focalizei sobre a ameaça a direitos humanos pelos aplicativos da vigilância eletrônica, usados em nome de segurança nacional.”     

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Após lançar, no YouTube, o vídeo do espetáculo ‘Rio Voador’, no Dia Mundial do Meio Ambiente (5 de junho), Rios de Encontro realizou duas rodas virtuais sobre ‘Arte-educação no Limiar’. 

“Essas ações são nossa adaptação à realidade da pandemia”, disse Manoela Souza, coordenadora pedagógica do projeto, suspenso em Cabelo Seco desde o dia 3 de março. “Nosso espetáculo ‘Rio Voador’ antecipou, em 2019, um mundo refugiado em casa (‘lockdown’), por causa de uma crise respiratória. Mas nunca imaginamos o tamanho da tragédia do genocídio acontecendo hoje no Brasil, consequência de tanta negligência criminosa presidencial.”

“A quarentena é proteção contra as crises ecológica, econômica e política. Mas também, é um retiro de formação, em cuidado, saúde integral e consciência ecológica. Agora, a carga psicoemocional de tanta indignação e sofrimento em quarentena está explodindo nos protestos socioculturais tão necessários contra o racismo e neo-fascismo. Todas as feridas coloniais que nosso projeto vem transformando nos últimos 10 anos estão transparecidas. ‘Rio Voador’ está sendo baixado do YouTube por jovens e professores no mundo inteiro. O mundo vai sair do trauma da pandemia com muitos novos recursos para interpretar uma fúria de reivindicação”.

As rodas virtuais ‘Arte-educação no Limiar’ nos dias 5 e 13 de junho reuniram arte-educadoras da França, Espanha, Vietnã, Hong Kong, Uganda, Nova Zelândia, Canadá, Peru e Brasil (Pará, Maranhão, Bahia, Minas Gerais, Santa Catarina e Rio Grande do Sul). “Junto com a Rede ABRA (Rede Brasileira de Arte-educadores), transformamos o formato meio mecânico da atual live (uma mesa de três autoridades e um mediador), em uma roda experimental”, conta Dan Baron, que a coordenou.

“Cada pessoa acendeu uma vela em casa para lembrar daqueles que já faleceram na pandemia, e solidarizar-se com os vulneráveis”, diz Gabriela Machado, de Minas Gerais. “Depois, cada pessoa cantou uma música de raiz e relatou um aprendizado criativo durante a pandemia.”

A professora Gabriela relata que um provérbio asiático valorizou a criança; uma piada africana valorizou o abraço; e um ritual Maori celebrou a Mãe Terra. “A transformação de instrumentos musicais destruídos pelo fascismo em vasos de plantas medicinais; de jardim bem viver invadido em mudas de imunidade; de celular viciador em avião para que um idoso isolado pudesse conhecer o Mar Atlântico no Brasil; da morte de esperança de uma professora em carta poética ao prefeito; do conto infantil em poema crítico da negligência governamental, da crise materna de ensino em casa em poema de amor. A diversidade da roda marcou a todos! A reunião virtual virou um espaço íntimo e coletivo”, testemunha ela.

Dan Baron enxerga faíscas de esperança apesar do genocídio que o mundo está passando. “A pesar de que a maioria das famílias está presa em casa lotada, passando fome, depressão, medo do futuro, e até aumento da violência doméstica, nossas rodas revelaram a solidariedade íntima dos vizinhos, debates sobre bem viver entre gerações, e apoio pela busca de igualdade racial e justiça social na rua”.

Dan Baron encerra: “O mundo pré Covid-19 era insustentável. Brasil, e Amazônia em particular, ainda vão sofrer tanto por falta de liderança baseada na ciência e compromisso com a vida. Mas a pandemia já revelou a potência humanizadora do celular e as mídias sociais, e alertou a espécie humana toda que precisa mudar tudo para sobreviver. Uma pedagogia cruel, de vida e morte, para iluminar as causas da escuridão do ódio e terror do fascismo que nós ameaça”.