Correio de Carajás

Projeto Quelônios clama por consciência ambiental entre Marabá e Itupiranga

Ambientalistas lutam há cinco anos para preservar tartarugas e tracajás e evitar caos ecossistêmico nos rios da região

Projeto Quelônios de Marabá faz coleta de ovos nas praias da região. Mas a concorrência, desleal, está sempre à frente

A exploração predatória e o comércio ilegal de tracajás e tartarugas em Marabá, Nova Ipixuna e Itupiranga têm provocado um grande desequilíbrio do ecossistema da região. O perigo da extinção do vasto tabuleiro dessas espécies, localizado em praias como a do Tucunaré e Do Meio despertou a necessidade da ação integrada de preservação e educação ambiental do Projeto Quelônios de Marabá, que luta agora para ter apoio fiscalizatório e conscientizar a população da necessidade de salvaguardar esses animais.

Foge do conhecimento da população que durante o período de junho a outubro de todos os anos acontece a desova de centenas de quelônios na região das praias que surgem no sudeste paraense. Momento esse de grande antropização que, naturalmente, acaba criando um ambiente quase que inóspito para essas espécies.

E foi para falar sobre esse risco de extinção e a necessidade de fiscalização, que os coordenadores do Projeto Quelônios de Marabá, professores doutores Cristiane Vieira da Cunha e José Pedro Martins de Azevedo, da Unifesspa, estiveram na Redação do CORREIO nesta terça-feira, 13.

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Na avaliação do professor José Pedro, o costume e a cultura de consumir esses animais e seus ovos, por serem bastante proteicos e possuírem uma carne saborosa com alto nível de gordura, incentivam a caça e o tráfico que, nas cidades, abastecem um comércio ilegal preocupante. “A grande predação, percebida principalmente neste ano, tem fugido do controle e exterminado a população de quelônios. Atualmente um tracajá tem sido comercializado em média por R$80,00 na região”, revela ele.

Cristiane Vieira da Cunha explica que as tartarugas e os tracajás possuem um papel fundamental na ecologia integral dos rios, para os peixes e na distribuição de sementes: “Ao dispersar essas sementes, eles desempenham uma função significativa na manutenção das árvores localizadas às margens dos rios. Além disso, pertencem à cadeia alimentar de algumas espécies de peixes que acompanham os cardumes de tracajás no período da eclosão de seus ovos”.

AÇÃO

José Pedro relembra que o Conselho Municipal do Meio Ambiente tomou conhecimento da devastação dessa ordem de répteis há mais de cinco anos e, desde 2017, com apoio da Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Semma), sistematiza o projeto que garante a sobrevivência, reprodução e nascimento de 30 a 32 mil filhotes de tartarugas e tracajás por ano, através de incubadoras artificiais: “É uma média geral de 150 mil filhotes lançados nos rios”, contabiliza o coordenador José Pedro Martins.

Atividades ribeirinhas e de lazer ao longo do Rio Tucunaré acabam criando situações bastante adversas para as espécies se desenvolverem, acasalarem, nidificarem e nascerem. José Pedro levanta que, atualmente, há cerca de 60 tartarugas desovando na ilha do Tucunaré, o que ecológica e historicamente significa que há muitos anos a praia tenha sido um grande tabuleiro, talvez para mais de mil tartarugas.

Base do projeto serve também de escola para acadêmicos da região

A considerável redução deste número é o motivo de tamanha luta do projeto, que tem batalhado para manter com muito custo os animais remanescentes e, com a ajuda de estufas, propiciar o nascimento de seus filhotes. Algo que uma parcela da população desconhece e, portanto, não compreende a necessidade de preservar uma parte da ilha para isso.

“Apesar do início da postura dos quelônios coincidir com a alta temporada do verão marabaense, é possível conciliar isso conscientizando a população através da educação ambiental”, afirma Cristiane, sistematizando que o problema não se estende apenas a essas espécies, mas também a animais como as gaivotas Corta Água.

Essas aves que costumavam habitar as praias, hoje, já não são vistas com frequência. Ele explica que a razão é que por se tratar de uma espécie que bota seus ovos na areia no período de julho, a grande movimentação de pessoas resulta na destruição dos ovos e na morte de filhote. Isso impacta prejudicialmente a reprodução e, consequentemente, a sobrevivência das Corta-Água.

Falta fiscalização de Marabá a  Itupiranga, lamenta ambientalista

 

Devido a sua estrutura e extensão pelos municípios de Marabá, Nova Ipixuna e Itupiranga, a Praia do Meio é o habitat de um número abundante de ninhos de tartarugas e tracajás que são posteriormente coletados e preservados pelos colaboradores do projeto.

A professora Cristiane cita que, por isso, há uma grande dificuldade em termos de manejo e fiscalização: “Os três municípios não se entendem para fazer uma atividade conjunta e a área fica sem policiamento”, lamenta.

Em decorrência disso, acontece uma intensa coleta não somente de ovos, mas de matrizes para a comercialização. Sem o apoio da Polícia Militar, Guarda Municipal e da fiscalização da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Semma) e, consequentemente, a impunidade para essas ações, as pessoas se sentem ainda mais à vontade para fazer a coleta.

REFLEXÃO

José Pedro e Cristiane pedem que a sociedade reflita sobre essas práticas: “Hoje, quando chegamos nas casas dos ribeirinhos, escutamos sobre a quantidade expressiva de tracajás tomando sol, algo que não ocorria há dois anos”, exemplificam, sobre os resultados do projeto. A intenção é que esses animais cheguem à fase adulta e se tornarem aptos a reproduzir para que, gradualmente, se construa novamente um grande tabuleiro das espécies.

Base do Projeto Quelônios na Praia do Tucunaré tem tanques especiais para os bebês quelônios

Os benefícios dessas conquistas a longo prazo para a comunidade não se limitam apenas melhorar a qualidade do rio para aqueles que dependem da pesca para sobreviver, mas também ao turismo. Possui a grande capacidade de movimentar essa atividade econômica do setor terciário, além de proporcionar uma estratégia de educação ambiental nas escolas e um rico campo de estudo para acadêmicos.

E as vantagens de preservar esses répteis não param por aí. Com o resguardo agora, futuramente existirão matrizes suficientes, o projeto poderá realizar o manejo em cativeiro, ofertando legalmente à sociedade esses animais, dentro do princípio da sustentabilidade: “Com o risco atual de extinção, não há como tirar do ambiente natural para a alimentação, mas se no futuro tivermos a abundância das espécies e, consequentemente, um rio saudável, é possível pensar em um manejo de cativeiro voltado apenas para o consumo”, garante Cristiane.

Procurada pela Reportagem do CORREIO, a Polícia Militar do Pará, através do Comando de Policiamento Regional II, informa que reuniões já foram realizadas em ações integradas com o Ministério Público do Pará, Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SEMMA) e Conselho Municipal de Meio Ambiente (COMAM), para tratar das ações de combate de diversas denúncias de crimes ambientais na região, incluindo também a necessidade de operações no combate à captura de tracajás e tartarugas, bem como a coleta dos ovos de forma criminosa.

“Em nenhum momento fomos procurados pela Sra. Cristiane, que integra o Projeto Quelônios de Marabá, o que seria de fundamental importância para colaboração do projeto com as informações já coletadas. A Polícia Militar está à disposição para integrar com os demais órgãos na proteção do meio ambiente da Região de Carajás”, finaliza a nota. (Thays Araujo e Ulisses Pompeu)