Correio de Carajás

Projeto inovador da EFA resgata memórias e saberes de alunos

Professoras da Escola Família Agrícola de Marabá mesclam prosa, poesia e mapas afetivos que podem se transformar em livro

O diretor da EFA, Rafael Marques, com as professoras Laís Santos (Língua Portuguesa) e Kamilla Lopes (Geografia)

O registro da memória de um povo pode ser feito de diversas maneiras, desde a perpetuação de histórias contadas através da fala – e passado de geração em geração –, passando pela escrita e até mesmo sendo eternizado em desenhos, fotografias e vídeos. E é essa identidade que duas educadoras da Escola Família Agrícola de Marabá (EFA) Professor “Jean Hébette” pesquisaram com seus alunos de sexto e sétimo ano do ensino fundamental.

Laís de Nazaré Santos, professora de Português, e Kamilla Oliveira Lopes, de Geografia, desenvolveram ao longo de 2022 um projeto interdisciplinar com foco na recomposição de saberes desses estudantes, além de trabalhar a simbiose entre textos literários e cartografia.

Professores e alunos na única Escola Família Agrícola de Marabá

A ideia do projeto nasceu do impacto que a pandemia de covid-19 teve sobre os estudantes. “No ano passado nós tivemos essa problemática na escola, da pós-pandemia. Então, foi proposto pela gestão e coordenação que a gente desenvolvesse projetos com foco na recomposição da aprendizagem”, elucida Laís para a Reportagem do CORREIO, em entrevista exclusiva.

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Ela relembra que os alunos que em 2022 estavam no sexto e sétimo ano, chegaram até ali com uma enorme perda em sua vida educacional, impactados pelas medidas de distanciamento social decorrentes da pandemia. Alguns tiveram acesso aos cadernos oferecidos pela Secretaria Municipal de Educação; outros nem isso.

Laís relembra que já era esperado a defasagem dos alunos em relação à curva de aprendizagem, e ela já estava se preparando para isso. O que pegou a educadora de surpresa foi a quantidade de adolescentes inseridos nesse cenário de dificuldade e confessa que não estava preparada para lidar com um cenário nessas proporções. Ao colocar a mão na massa, Laís explica o que realizou com seus alunos.

“Estratégias de leitura, pontuação, linguagem conotativa e denotativa, organização do parágrafo, e aí a gente foi lendo e escrevendo, corrigindo. Tudo isso foi trabalhado no primeiro semestre, para que em agosto a gente fosse mesmo para a produção”.

Essa “produção” a qual ela se refere se trata das memórias literárias das crianças. Os pequenos realizaram pesquisas em suas circunvizinhanças, coletando histórias da comunidade, como foi seu surgimento, costumes antigos, até mesmo causos de terror.

No momento seguinte, os alunos produziram textos literários baseados nas entrevistas que realizaram e a partir daí a criatividade correu solta, resultando em textos riquíssimos, de prosa e poesia. “A gente tem memória do assentamento, do surgimento dos conflitos agrários dentro dos assentamentos. Há uma parte muito interessante, porque dois alunos são do mesmo assentamento e eles contam a história do surgimento, só que um descreve que não teve conflito e o outro diz que houve”, conta a professora de Português, ressaltando que a mesma história foi compreendida de maneiras diferentes, por alunos diferentes.

Findada a escrita literária, os alunos partiram para o registro das memórias cartográficas. Foi aí que a jovem professora Kamilla entrou em cena. Com ela, os estudantes fizeram a transposição de seus textos para os mapas. Utilizando a ferramenta Google Maps, ela ajudou as crianças a encontrarem o local onde moram: “A gente mostra para eles onde fica e aí eles conseguem localizar: ‘ah tá, minha casa é aqui’”, detalha. Para a educadora, através do projeto, os alunos deixaram os mapas mais humanizados e se colocaram como protagonistas destes, refletindo ali suas histórias.

Mapa afetivo da própria EFA criado pelo estudante Felipe Almeida de Souza

As duas professoras apresentaram para a Reportagem do CORREIO DE CARAJÁS as redações, poesias e mapas produzidos pelos estudantes durante o segundo semestre do ano passado. Com o material compilado, neste momento elas estão produzindo um livro em formato de PDF e não descartam a possibilidade de impressão do material.

O diretor da EFA, Rafael Marques Soares, ressalta que o projeto de interdisciplinaridade das duas professoras foi estimulado pela Diretoria de Educação do Campo da SEMED, que desde o fim da pandemia da covid-19 vem orientando as escolas para desenvolverem estratégias que visem à recomposição da aprendizagem pós-pandemia.

Textos dos alunos – em prosa e poesia – estão sendo organizados e devem virar livro em breve

SAIBA MAIS

Na EFA, os alunos distribuídos em turmas do 6º ao 9º ano, do ensino fundamental, aprendem as disciplinas convencionais da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), de acordo com os anos correspondentes, mas as temáticas trabalhadas são diferenciadas pela contextualização com a realidade do campo. Na teoria e na prática, os estudantes aprendem, ainda, a lidar com atividades rurais, tanto no trabalho com a terra, no plantio, quanto na criação de animais como parte do componente da Agricultura Familiar e Práticas Agroecológicas. O objetivo é levar esse conhecimento para benefício da comunidade da qual fazem parte.

A EFA fica localizada no km 23 da Rodovia Transamazônica, em direção a Itupiranga, recebendo alunos de vários municípios do sul e sudeste do Pará. (Ulisses Pompeu e Luciana Araújo)