Estudo coordenado pelo Hospital Moinhos de Vento (HMV) e financiado pelo Ministério da Saúde, por meio do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi-SUS), vai procurar avaliar a genética dos pacientes que tiveram um acidente vascular cerebral isquêmico (AVC isquêmico). Esta é uma doença que ocorre quando há obstrução de uma artéria, impedindo a passagem de oxigênio para células cerebrais, que acabam morrendo. Essa obstrução pode acontecer devido a um trombo (trombose) ou a um êmbolo (embolia). O AVC isquêmico é o mais comum e representa 85% de todos os casos, de acordo com o Ministério da Saúde.

“Hoje, a gente tem um entendimento melhor do quanto esse risco genético pode influenciar a chance de eu ter um AVC. Mas não somente isso, mas outras doenças que podem provocar um AVC, como pressão alta, problemas com o colesterol, diabetes”. A informação foi dada nesta quinta-feira (18) à Agência Brasil pela neurologista do Hospital Moinhos de Vento e investigadora principal do projeto Ártemis-Brasil, Ana Cláudia de Souza.
“Uma vez a gente podendo mapear melhor, analisando o que se chama hoje de genoma humano, que é esse grande livro de receitas que coordena e comanda como o nosso organismo funciona, a gente acha que vai ser muito bom para que, no futuro, possamos desenvolver novos medicamentos, ser mais precisos quando estamos indicando algum tratamento para alguém. Porque além de conseguir ver o risco de a pessoa ter um AVC, a gente também consegue ver como um organismo responde a um tratamento com base no seu perfil genético”, completou.
Leia mais:Segundo Ana Cláudia de Souza, o projeto Ártemis-Brasil vai abrir a porta da medicina de precisão, principalmente no Sistema Único de Saúde (SUS). A partir desses dados, os pesquisadores pretendem contribuir para modelos de cuidado mais personalizados dentro do SUS.
Participantes
Onze centros de referência no atendimento ao AVC, distribuídos por todas as regiões brasileiras, participam do estudo.
“São todos centros de alta complexidade que atendem pacientes com AVC no SUS. Vai ser uma boa contribuição para o nosso SUS”. O estudo já foi iniciado e incluiu o primeiro participante em novembro passado. O objetivo, disse a doutora Ana Cláudia, é chegar a mil participantes até o final de 2026. Serão incluídos 500 pacientes que tiveram AVC isquêmico e 500 pessoas saudáveis que nunca tiveram histórico de AVC. “Para que a gente possa fazer uma comparação entre as alterações que realmente levam à doença, é preciso comparar pessoas que tiveram AVC com outras que nunca apresentaram a doença”.
O tratamento do AVC, principalmente na fase aguda, evoluiu muito no Brasil, nos últimos 20 anos, muito em razão do trabalho da Rede Brasil AVC e da Sociedade Brasileira de AVC, que conseguiram trazer para o SUS tratamento que ajuda as pessoas na fase aguda, para desentupir um vaso cerebral quando um coágulo está entupindo, e leva aos sintomas do AVC e, mais recentemente, outro tratamento feito em alguns centros do SUS que fazem o que se denomina de cateterismo cerebral, que é a trombectomia mecânica, que remove o coágulo. “É muito parecido com o cateterismo que a gente faz no coração, só que nos vasos do cérebro”, explicou Ana Cláudia. Admitindo que o tratamento precisa muito ainda expandir para áreas de vazio assistencial do país, em especial das regiões Norte e Nordeste. “Mas a gente evoluiu bastante nos últimos anos”.
Impacto
O impacto do AVC no Brasil é muito alto. Dados da Rede Brasil AVC mostram que 85.427 pessoas morreram em decorrência da doença, em 2024. Nos anos anteriores, os registros também foram altos: 81.822 óbitos em 2021, 87.749 em 2022 e 84.931 em 2023. De acordo com o Ministério da Saúde, o AVC segue como a principal causa de morte e incapacidade no país, com 11 óbitos por hora.
“Os últimos dados mostram que ele voltou a ser a primeira causa de morte no nosso país e é a causa de maior incapacidade de todas as doenças”, indicou Ana Cláudia. Após um AVC, a pessoa pode ficar sem falar, sem se movimentar, e isso traz um impacto elevado para as famílias, para o próprio doente e para a nação, refletindo em custo alto também no SUS, acrescentou a neurologista.
Daí a importância da prevenção, não só dos principais fatores de risco, que aumentam a chance de a pessoa ter um AVC, como pressão alta, diabetes, fumo, maus hábitos de vida, má alimentação, mas também estratégias para depois que a pessoa teve um AVC, de modo a prevenir para que não tenha um segundo acidente desse tipo.
“Aí acaba entrando também o projeto Ártemis-Brasil, porque cada indivíduo é único na sua genética. E a gente, entendendo melhor como são essas características, consegue fazer uma prevenção muito mais precisa para essa pessoa. Pode indicar um tratamento específico, um regime de exercícios, alimentação, com base nesse perfil,” explicou.
Na avaliação de Ana Cláudia de Souza, vai ser um estudo único porque grande parte das pesquisas de genômica é feita nos países desenvolvidos, envolvendo populações europeias, norte-americana e até parte asiática. Não existem muitos estudos mostrando a diversidade da população latino-americana e brasileira. Com o Ártemis-Brasil, o país passa a integrar um grupo limitado de nações que investigam, em larga escala, a relação entre fatores genéticos e doenças cerebrovasculares. Uma vez concluído com sucesso no Brasil, a médica acredita que o estudo poderá ser estendido para a América Latina, por exemplo. “Ele tem potencial grande de, no futuro, a depender dos resultados, ser expandido para outras regiões que possam se juntar na iniciativa”.
O projeto também integra o Programa Genomas Brasil, que busca ampliar a diversidade genômica nacional, hoje pouco representada em estudos globais. Essa lacuna dificulta a construção de políticas e práticas clínicas que dialoguem diretamente com a realidade tão diversa da genética da população brasileira. Além da produção científica, a iniciativa prevê a capacitação de equipes do SUS em genética, aconselhamento genético e conceitos de medicina de precisão.
(Agência Brasil)

