Correio de Carajás

Professora diz não à aposentadoria e ensina sobre a superação do câncer

Cleici da Silva superou o impacto do diagnóstico, o medo, uma cirurgia, a quimio e radioterapia e até mesmo a volta da doença alguns anos depois

Cleici não aceita abandonar a sala de aula por causa do câncer: “Está aqui na veia a paixão por lecionar”

Cleici da Silva Souza é uma remanescente do câncer de útero que possui uma trajetória de vitória e superação frente a uma batalha cheia de tabus desta doença. Aos 54 anos, a pedagoga marabaense enxerga o processo que viveu com a enfermidade como uma escola, onde precisou inverter os papéis e ocupar o espaço de aluna para aprender muitas coisas, dentre elas o apego à fé e à positividade. Com uma história recheada de perseverança e luta, a professora é um exemplo de otimismo a ser seguido.

O INÍCIO

A guerra oncológica de Cleici começou em 2015, quando foi diagnosticada em Araguaína, no estado do Tocantins, com um tumor expansivo que ocupava útero e intestino. Ela relata um sentimento em comum com todos os que passam pela descoberta da doença: medo. Mas, para além do susto, a pedagoga confessa que mesmo após diversas consultas e até mesmo uma cirurgia, ela ainda desconhecia a força e o verdadeiro conceito da enfermidade: “Naquele momento eu já tinha ouvido falar bastante sobre, mas ainda não tinha entendido, de fato, o que estaria por vir”.

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Em entrevista ao Correio de Carajás, ela conta que compreendia possuir uma massa em seu organismo que, com a cirurgia, seria retirada. Em sua cabeça, o tumor era similar a uma espécie de espinha interna, um corpo estranho que não lhe pertencia. Após o procedimento cirúrgico, o uso da bolsa de colostomia e o retorno após dois meses, foi que o segundo baque aconteceu. O médico que a acompanhava falou pela primeira vez sobre a radioterapia.

A REVELAÇÃO

“Lembro de questionar o médico da necessidade do método terapêutico e perguntar que, se era uma massa e havia sido retirada, porque eu teria que me submeter à rádio”, narra. Aquele foi o momento exato em que a ficha de Cleici caiu e ela descobriu, de fato, que tinha câncer e que a tal massa, era um tumor maligno e a cirurgia não seria o fim daquela luta, apenas o início de um novo capítulo da doença.

Com o laudo, enfim, claro em sua cabeça, o desespero tomou conta da pedagoga, que conta ter chorado bastante. Ela, que estava hospedada em uma casa de apoio em Araguaína, pediu para que sua acompanhante a deixasse só para refletir por alguns momentos consigo mesma sobre tudo o que estava acontecendo, instante esse que trouxe o estalo que Cleici precisava. A marabaense decidiu que entregaria tudo nas mãos de Deus para que Ele a sustentasse naquela circunstância, pois se o Senhor a havia cuidado até então, não seria ali que a abandonaria.

 

DA SALA DE AULA À SALA DE CIRURGIA

Ela, que sempre foi apaixonada pela pedagogia, e desde criança sonhava em ser docente, relata que após o diagnóstico, uma das primeiras coisas na qual pensou foi em seus alunos. Segundo Cleici, ela contou a eles sobre o tumor e, aos prantos, da necessidade árdua de se afastar: “Vem outra pessoa que continuará de onde parei e quero que vocês sejam bons assim como são comigo”, conta, revelando que houve um chororô e que todos a abraçaram, desejando determinação e força.

E foi na pegada dessa fé que a professora deu início ao tratamento, não somente com a rádio, mas com a quimioterapia também. Ela conta que ia para Tocantins e voltava para o Pará a cada três meses, seguindo cada passo do tratamento. Com o tempo, esse período passou a se estender para seis meses e, posteriormente, para um ano. O que significava que ela estava em remissão.

O IMPENSÁVEL

Após cinco anos estáveis, levando uma vida normal, voltando a lecionar usualmente, a vida resolveu mostrar a Cleici a imprevisibilidade com que precisamos, mas nunca estaremos prontos para lidar. O câncer tinha voltado. Desta vez, no endométrio. Ela relata ter voltado a sentir os mesmos sintomas e dores no exato local da vez anterior, onde se situava a bolsa de colostomia, o que a levou a procurar o médico de imediato.

“Eu recebi, mais uma vez, a notícia que eu tanto temia e lembro de ter me preocupado ironicamente de ter ido até a consulta sozinha de moto. Foi quando o oncologista me deu o meu primeiro chacoalhão, me lembrando firmemente que eu já havia vencido essa luta uma vez e por isso eu deveria voltar para casa, sem medo, e contar o que estava acontecendo, pois eu era uma mulher muito guerreira”, conta, dizendo que assim foi feito.

Cleici retornou com as terapias novamente, dessa vez no município de Tucuruí. No entanto, com o tamanho do tumor, ela precisou ser encaminhada para Belém, onde foi aterrorizada com um prognóstico de que se fosse operada, usaria uma bolsa de colostomia pro resto da vida, ficaria na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) por, no mínimo, um mês, e devido às proporções da extensão do câncer, que havia tomado todo o endométrio, poderia inclusive morrer.

Inconformada com a previsão e de mãos dadas com a obstinação, ela se apoiou no Instituto Esperança e Vida, onde foi ajudada não apenas psicológica, mas financeiramente também. Além disso, um grupo de ex-alunos se reuniu, fez uma vaquinha, arrecadando uma quantia enorme e foi até a casa da docente para entregar o valor, junto a uma assinatura com todos que haviam ajudado, atitude descrita pela entrevistada com grande comoção. E, assim, ela deslocou sua luta para Goiânia em 2021.

Na terra do pequi, a marabaense superou todas as expectativas, passando pela cirurgia sem complicações e, sem a necessidade de usar posteriormente, a tão temida bolsa de colostomia. Hoje, faz acompanhamentos periódicos trimestrais e está em remissão novamente: “Para honra e glória do Senhor, eu estou muito bem”, diz, sorridente e grata, completando que atualmente, mesmo aposentada devido ao câncer, continua lecionando ativamente.

DOUTRINAS

Todo o processo vivido por Cleici a instruiu que, mais do que as disciplinas que devem ser lecionadas, fazem parte do seu currículo agora também ensinar sobre a necessidade de se prevenir contra a doença. Ela utiliza de seu testemunho para aconselhar seus discentes a como encarar a vida caso sejam diagnosticados e/ou a como lidar se alguém que conhecem passar pelo mesmo. Em sua visão, isso fez com que a relação entre ela e eles se estreitasse, sendo recheada de muito amor.

Quanto a abandonar a sala de aula considerando a aposentadoria, a marabaense garante que isso nem passa pela sua cabeça: “Está aqui na veia a paixão por lecionar”. Sobre o que câncer a ensinou, ela diz que o versículo de Filipenses 4:13 resume bem todo o aprendizado, pois é seu lema, que ilumina seus passos e sempre lhe dá um rumo, neste caso, o do trunfo sobre o câncer: “Tudo posso naquele que me fortalece”. (Thays Araujo)