Correio de Carajás

Professora de Marabá transforma IA em ferramenta de aprendizado e reflexão

Autoditada no universo da tecnologia, Bianca mescla a IA e o ensino tradicional em suas aulas (Fotos: Evangelista Rocha)
Por: Ulisses Pompeu e Luciana Araújo

Em tempos em que se discute o poder nocivo das inteligências artificiais (IA), a educação marabaense percorre um caminho paralelo ao se transformar com o avanço das ferramentas digitais. Nesse sentido, Bianca Coelho de Souza, professora, descobriu que a tecnologia pode ser fonte de criatividade.

Formada em Pedagogia pela Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), ela atua há quase três anos na rede municipal de Marabá, dando aula para turmas do 4º e 5º ano do Ensino Fundamental na Escola São Francisco, Núcleo Cidade Nova.

Antes de chegar à escola pública, Bianca já se dedicava ao ensino em outros contextos. Trabalhou na Estação Conhecimento, espaço de formação não escolar, e foi ali que começou a compreender que a educação pode acontecer em qualquer lugar, desde que haja curiosidade e motivação. O uso da IA dentro da sala de aula se alinha a esse contexto.

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O mundo passa por transformações constantes e a tecnológica é uma delas, por isso Bianca acredita que a inteligência artificial pode ser uma auxiliar para os professores. Aulas de informática integram a grade curricular há algum tempo e é possível expandir esse cenário para as demais disciplinas.

“Eu não posso ser escrava da inteligência artificial, mas eu posso trazer ela para o meu âmbito de trabalho”, reflete com convicção. Mesmo com alunos pequenos, como os de 4º e 5º ano, é possível, e necessário, usar a IA. Afinal, os pequenos já usam a tecnologia para navegar nas redes sociais, por que não a usar para ensinar e aprender?

Bianca reconhece suas habilidades com a tecnologia, mas é consciente que existe outros até melhores do que ela

Um tutor chamado “Chico”

Entre os projetos mais queridos da professora está o Chico, um tutor inteligente criado em homenagem ao santo que dá nome à escola. Desenvolvido com a inteligência artificial Gemini, do Google, o personagem foi pensado para provocar reflexão, pensamento crítico e uma interação “cara a cara”, mas é importante que ele não entregue respostas prontas.

O projeto passa por um processo de robótica sustentável, onde as crianças interagem com o tutor digital com naturalidade. “Elas perguntavam: ‘o que é robótica sustentável?’ e o Chico respondia com outra pergunta: ‘O que você acha que seria robótica?’”, conta Bianca. Nessa troca entre homem e máquina, o diálogo se aprofunda e o aprendizado floresce.

No fim da aula, as respostas das crianças mostram o resultado: falas espontâneas, compreensão genuína e um encantamento visível.

Para aprofundar o conhecimento dos ‘mini humanos’ – e usar a IA de outra maneira – nas aulas sobre gênero textual ela pedia para a ferramenta transformar reportagens escritas em linguagem adulta, em versões adaptadas para o público infantil. Dessa forma, Bianca não só conseguia ensinar sobre o gênero textual, mas também sobre como usar a IA para simplificar situações corriqueiras. Nesse caso, a leitura de um jornal.

“Então, ela (IA) me traz um texto, eu levo para o Word ou para o Canva e monto um jornalzinho para eles”, compartilha. Ela frisa que o assistente virtual obedece aos comandos, por isso também é preciso que ela saiba a maneira certa de pedir para alcançar o resultado desejado. É a chamada ‘arte do prompt’.

Consciente, Bianca alerta sobre a importância de fazer a gestão do trabalho da IA pois, assim como os seres humanos, a inteligência artificial também erra. Como boa professora, sempre é preciso revisar e corrigir.

Criatividade a serviço da aprendizagem

A curiosidade e o desejo de inovar também levaram Bianca a incluir a inteligência artificial em um projeto sobre sustentabilidade. Em parceria com a sala de leitura, ela trabalhou o livro Planeta Dançarino, de Roseana Murray, com alunos do 4º ano. O resultado foi um livro digital de poemas e, para musicalizá-lo, a turma usou a IA para encontrar uma canção que desse ‘match’ com o que eles produziram.

Foi assim que nasceu uma paródia musical sobre sustentabilidade e queimadas, embalada ao som de ‘Baile de Favela’. O sucesso do empreendimento revela a criatividade das crianças e a descoberta de que é possível mesclar diversão e aprendizagem de um jeito leve e divertido.

O experimento da professora também mostra aos colegas que a IA é uma parceira, e pode ajudar a economizar tempo e encontrar novos caminhos. Pedir sugestões, fazer revisão e adaptação, usos que fazem sentido para o profissional e a turma. Um processo que pode ser descrito como colaborativo.

“Eu coloco tudo o que eu quero, as atividades, a forma de planejamento, a metodologia, as evidências de aprendizagem. Tudo que preciso ter numa sequência didática, o modo como eu quero que ela faça e ela vai só montar para mim. Então eu vou gastar menos tempo fazendo esse processo de escrita no computador. Ela me ajuda nesse processo também”, detalha.

A ferramenta também é aliada no estudo e na formação contínua. Quando precisa revisar temas que não domina totalmente, ela pede explicações à IA e, a partir disso, aprofunda o conteúdo. A professora usa a tecnologia como um instrumento de estudo, para aprender e ensinar melhor.

Quebrando resistências

Mesmo com os avanços, Bianca reconhece que ainda há resistência entre professores. Muitos têm receio de usar a IA, por medo de perder espaço ou pela falta de familiaridade com a tecnologia.

“A gente percebe que ainda existe muitos professores que tem o pé atrás com a utilização dessa ferramenta, querem proibir os alunos de usar. Mas esse é um momento de transição e a tecnologia precisa ser nossa aliada”, declara.

É importante ressaltar que a IA não substitui o professor, apenas traduz o que ele tem a oferecer para a turma. Ou seja, se a máquina receber comandos genéricos, os resultados superficiais. Se forem específicos, ela devolve profundidade.

Para Bianca, o segredo está em ensinar os alunos a usar com propósito, não em limitar. A criação do Chico ajudou a mostrar que a IA pode ajudar a pensar, não apenas dar respostas. ma vez que a função da escola é formar estudantes que reflitam, pesquisem e exercitem o cérebro.

“Não sou do EVA, sou do Canva”

Curiosa desde menina, Bianca aprendeu tudo sozinha. Quando morava em Parauapebas, frequentava o cyber público da Praça da Cidadania e passava horas explorando. Hoje, os colegas brincam chamando-a de ‘professora da tecnologia’.

“Costumo dizer: não sou a professora do EVA, sou do Canva”, ri. Entre painéis coloridos e slides caprichados, ela demonstra que o cuidado estético também é forma de educar. E mesmo sem cursos pagos, a professora domina o universo virtual com naturalidade e paciência. Desenvolveu suas habilidades testando, errando e ajustando. No começo era estranho, mas ao entender o funcionamento e o diálogo com a IA, tudo ficou fácil.

Com sua serenidade e curiosidade, Bianca reconhece sua habilidade com a tecnologia, mas é consciente que existe outros até melhores do que ela.

“No começo eu achava estranho, mas aí fui entendendo. Hoje é fácil, mas tem muita gente por aí que domina muito mais do que eu”, finaliza.

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