Correio de Carajás

Professora, cadeirante e ativista: o legado de Sônia Côrtes na região de Carajás

Figura importante na área da educação e que deverá dar nome para a avenida da Casa de Leis de Parauapebas construiu importante legado na cidade e em municípios vizinhos

Em Sessão Plenária da Câmara dos Vereadores de Parauapebas de 25 de maio de 2021, foi aprovado projeto de lei que altera o nome da Avenida F, onde está localizada a Casa de Leis, para Avenida Sônia Côrtes. O projeto, que deve ser sancionado em breve pelo prefeito Darci Lermen, foi proposto por Miquinha (PT) e homenageia uma professora que também foi agraciada com o nome da Biblioteca da Câmara. Mas você sabe quem foi Sônia?

A carioca nascida no Rio de Janeiro, quando a cidade ainda era a capital nacional, em 1946, certamente trilhou um caminho extenso e memorável até o dia em que deixou o mundo, em 2000 – curiosamente em Brasília, a atual capital do país. Mas não se deixe enganar: seu legado não foi construído nem na antiga e nem na nova capital do Brasil, mas na capital do minério.

Sônia nasceu no Rio de Janeiro em 1946 (Imagem: Acervo Pessoal / Luiz Vicensotti)

Sônia, filha de mãe enfermeira e pai maquinista, primeiramente se formou como normalista (Curso Normal ou Magistério, necessário para dar aulas nas séries iniciais do ensino fundamental). Seguiu carreira na educação, se formando em Pedagogia, também trabalhando com dança olímpica. Como pedagoga, professora de dança, coordenadora e diretora, passou por várias cidades de estados como São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Paraná e Mato Grosso.

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Divorciada e mãe de dois meninos, Luiz Francisco Vicensotti Junior e Luiz Guilherme Côrtes Vicensotti (também já falecido), Sônia chega à Imperatriz, no Maranhão, em 1978. Não demoraria muito para chegar ao Pará após tantas andanças: “Não era uma pedra que criava limo. Não ficava parada” afirmou Luiz Francisco, hoje com 52 anos, em entrevista ao Portal Correio de Carajás.

ENSINO NA ÉPOCA DE SERRA PELADA

Sônia Côrtes esteve envolvida na inauguração de pelo menos cinco escolas no interior do estado, em Tucumã, Eldorado do Carajás e na região da Serra Pelada, quando o garimpo estava a todo vapor, no início dos anos 80. No local, também foi diretora do Hospital da Serra Pelada, sempre preocupada com os garimpeiros e as famílias que com eles vieram para trabalhar na mina de ouro.

“Ela sempre participou de movimentos sociais, campanhas eleitorais, gestões públicas. Tinha paixão pela participação na política, se entregava a sua ideologia tanto quanto ao ensino”, diz Luiz, exaltando o engajamento de sua mãe com as causas sociais. Ele conta que ela e uma amiga idealizaram um movimento chamado “Solidariedade” na Serra Pelada, que visava a defesa e promoção da igualdade social para os garimpeiros, muitas vezes expostos a ataques das elites locais.

Sônia, ao centro, foi ativa nas causas sociais da Serra Pelada (Imagem: Acervo Pessoal / Luiz Vicensotti)

VÍTIMA DO MACHISMO

Em Tucumã, porém, se deu o episódio que mudaria a vida de Sônia: um companheiro da ativista, embriagado e enfraquecido diante do sucesso e independência do cônjuge, atirou quatro vezes contra ela. O atentado à vida de Sônia não lhe tirou a vida, mas a obrigou a passar o resto da vida em uma cadeira de rodas, o que não freou o ímpeto da professora.

A professora dava aulas desde matemática e alfabetização a atendimento público e etiqueta (Imagem: Acervo Pessoal / Luiz Vicensotti)

PARAUAPEBAS

“Cadeira de rodas nunca foi desculpa pra ela”, disse Miquinha, em entrevista ao portal Correio de Carajás. O vereador, autor do projeto de lei que homenageia Sônia com o nome da avenida onde está a sede do Legislativo do município, lembra com muito carinho da professora, que conheceu há mais de 25 anos, quando ela foi diretora do assentamento Palmares I, hoje Palmares Sul, na zona rural de Parauapebas.

“Naquela época, Palmares era uma ‘vilinha’, diretor nenhum queria ir para lá. Mas a Sônia era guerreira e desafio era com ela. Aquela comunidade tem muito a agradecer à Sônia, que foi a primeira diretora da Palmares e os feitos dela são vistos até hoje”, diz o vereador, relembrando da primeira escola, com estruturas de palha, mas que abrigava nela a dedicação e a bravura de Sônia.

Nos anos 90, em Parauapebas, Sônia era funcionária da Secretaria de Educação no recém-criado município, e por intermédio do então presidente da Câmara Ademir Paulo Dan, o “Juca”, se torna responsável pela Biblioteca da Casa de Leis parauapebense. A partir daí, Sônia desempenha um importante trabalho educacional entre os servidores públicos – trabalho que levou Juca a dedicar o nome da Biblioteca à figura, bem como a futura renomeada avenida na nova Câmara.

Na época, foram determinados concursos públicos para que os funcionários do Legislativo permanecessem nos cargos. Vista a baixa escolaridade dos servidores, Sônia obteve autorização da Câmara para realizar capacitação com todos eles, ministrando aulas de alfabetização, ortografia profissional, matemática simples e específica para diferentes níveis e até atendimento ao público e etiqueta.

“Minha mãe ensinou modos a muitas mulheres, mas nunca submissão. Sua capacidade de perceber a estética das relações era irreparável, e sua altivez e postura aguerrida sempre foram características marcantes de sua personalidade”, conta Luiz Francisco, ainda lembrando com muito orgulho a diferença que Sônia fez na vida de muitos nos primeiros anos de Parauapebas.

Sônia, ao centro da imagem, posa em frente à antiga Câmara dos Vereadores de Parauapebas (Imagem: Acervo Pessoal / Luiz Vicensotti)

Sônia tinha uma fama mais do que nobre: ela não conseguia aceitar que um adulto não sabia ler e parava tudo que estava fazendo para ensinar um quando o identificava. “Na área da educação ela foi extraordinária, e sempre buscou passar para os mais simples a sabedoria que ela tinha, contribuindo com as outras pessoas”, relembrou Miquinha. “É por isso que homenageamos Sônia”, disse o vereador, “por ter sido tão importante e também um grande ser humano”.

O legado de Sônia foi evidenciado também por Samara Guimarães, jornalista e escritora, membra fundadora da Academia Canaãnense de Letras (ACL), de Canaã dos Carajás, que indicou Sônia Côrtes como uma das patronesses da academia: “uma professora dedicada que com a sua criatividade e pouco recurso conseguiu mudar a vida de centenas de jovens e adultos da nossa região”, disse Samara, em entrevista ao portal Correio de Carajás.

As homenagens à Sônia se empilham paralelamente à sensação de que nunca serão demais para exaltar sua figura, seu legado e sua importância na região do Carajás. Nas palavras de Samara Guimarães “uma mulher incrível, que contribuiu com a educação e desenvolvimento da região através de vários projetos. A voz de Sônia Côrtes foi além da sala de aula e sua história merece muito ser eternizada”. (Juliano Corrêa)