Correio de Carajás

Problemas mentais são a “quarta onda” da covid-19

“O ser humano é um ser social e tem dificuldade de ficar isolado”. Quem destaca isso é o médico psiquiatra marabaense Hermes Mariano, ao fazer uma análise comportamental do brasileiro durante a pandemia do coronavírus. Professor efetivo do curso de Medicina da UEPA em Marabá e atuando também no CAPS III, o profissional revela que o período de isolamento já está gerando problemas psicológicos, principalmente nos profissionais que atuam na chamada linha de frente. Mas não só neles.

Embora reconheça a necessidade de interação que o ser humano tem, Hermes Mariano adverte que é necessário seguir as recomendações de distanciamento social. Para ele, a desistência do isolamento tem sido um movimento de exaustão, mas que precisa ser contornada.

Sobre os profissionais da linha de frente (médicos, enfermeiros e demais profissionais da saúde) Hermes Mariano observa que estes têm adoecido muito e têm maior chance de desenvolver transtornos como a síndrome de Burnout, que ocorre em razão da exposição por tempo prolongado a uma situação de estresse.

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“Quarta onda”

Na avaliação do psiquiatra, o aumento dos problemas neurológicos é o resultado do que ele chama de “quarta onda” do coronavírus. Ele explica que a primeira onda é a morbidade e a mortalidade em si; a segunda são as mortes e agravamento de problemas causados pela superlotação do sistema de saúde; e a terceira é a situação dos pacientes com doenças crônicas que não conseguem mais manter atendimento durante o período do isolamento.

Hermes Mariano observa que o momento atual é único, pois a última pandemia registrada no mundo foi a gripe espanhola, que atingiu o Brasil entre 1918 e 1920. Por ser algo inédito para esta geração, a sociedade foi pega despreparada.

De acordo com o profissional, no começo da pandemia, quando surgiram as primeiras recomendações, havia muita dúvida sobre o que estava acontecendo. As pessoas não demonstravam sinais de sofrimento psíquico ainda. Mas com o passar dos meses, Mariano começou a ver mudanças no comportamento de forma geral, devido à perda de emprego e de renda, o que gerou sensação de medo e sofrimento.

Transtornos aumentam

Segundo o psiquiatra, um estudo da Fiocruz mostra que metade da população brasileira está apresentando algum tipo de mudança psicológica, como angustia, depressão, ansiedade, apreensão.

E não é só isso: segundo ele, pacientes que enfrentam problemas psíquicos, que estavam estabilizados, em manutenção, ou mesmo de alta médica, tiveram uma recaída. Outro fato preocupante é que, junto com isso, o número de casos novos também tem aumentado nos consultórios de psiquiatria.

Perguntado sobre quais a principais mudanças prejudiciais no comportamento do brasileiro nesse período de isolamento social, Hermes revela que o abuso do consumo de álcool é um deles e isso é algo que pode acarretar em violência doméstica e perturbação da ordem pública, com problemas relacionados a poluição sonora e aglomerações.

Mas ele também alerta que o uso de calmantes por conta própria é prejudicial, da mesma forma que o consumo de informação, dependendo de como esse consumo acontece, também pode causar sofrimento.

O psiquiatra observa que, como as pessoas estão muito tempo em casa e como o tema nos meios de comunicação tem sido principalmente os números e as implicações da covid-19, há muita informação repetida, de modo que a recomendação que ele faz é que a pessoa deve escolher uma fonte que confie e, mesmo assim, não ficar o tempo todo acessando essas informações.

Sair da zona de conforto e usar a rede social de forma solidária

De acordo como Hermes Mariano, o momento atual exige mudanças de comportamento, o que remete a “sair da zona de conforto e pensar fora da caixa”. Mas essa mudança requer um tempo e existe um período inicial de sofrimento e de dor, mas é preciso ter em mente de que isso é algo momentâneo.

Além disso, esse período de isolamento pode ser visto também como um momento de oportunidade de crescimento pessoal. Desse modo, preparar a própria alimentação, consumir menos alimentos industrializados, ler um livro, ficar mais perto dos filhos e do cônjuge são iniciativas que podem dar um novo sentido ao panorama atual.

Ele cita ainda que “manter tranquilidade, elencar prioridades e pedir ajuda” são movimentos essenciais neste período para se prevenir de abalos mentais e relata que grupos de ajuda pelas redes sociais se tornaram muito frequentes. Isso é algo que precisa ser aproveitado, pois é um processo que ajuda a compreender e viver melhor nesse período.

Ainda de acordo com o psiquiatra, o momento é de isolamento, mas é importante usar a tecnologia, as redes sociais, para se unir virtualmente. “Isso tudo a gente recomenda”, resume.

Para grupos específicos, respostas específicas

Em relação aos empreendedores, principalmente os pequenos, que têm sofrido muitos prejuízos financeiros, Hermes Mariano observa que eles precisam se reinventar, mudar estratégias, conversar com a equipe, tranquilizar os funcionários e tentar se acalmar também.

“Essa pandemia está obrigando a agente a não reagir a tudo; parar, aceitar, entender o que está acontecendo e mudar”, explica o profissional.

Por outro lado, ele se mostrou mais preocupado com a classe mais baixa (falando em termos financeiros), sobretudo os idosos. Em geral este é um grupo que mora em residências pequenas e com bastante gente, de modo que ficar em casa é extremamente angustiante, tanto pelo espaço físico quando pela insalubridade.

Tudo isso causa angústia e produz também ansiedade, até porque muitas pessoas ficaram quase sem renda e temem pelo seu futuro, temem até mesmo pelas condições que viver no período pós pandemia. Tudo isso faz crer que a demanda pelos serviços de psicologia e psiquiatria deve aumentar.

No tocante ao suicídio, Hermes Mariano observa que o aumento da angústia pode levar consequentemente ao aumento dos casos nesse período. O primeiro passo para antever essa possibilidade é ter em mente de que esse momento complexo vai passar. Mas ele explica que há casos em que é necessário utilizar alguma medicação. (Texto: Chagas Filho / Entrevista: Josseli Carvalho)