Correio de Carajás

Pressionada, Vale promete eliminar processamento de minério com água em 2 anos

Atualmente, cerca de 90% do Sistema Norte não usa água no beneficiamento do produto, diz a empresa. Processo de represamento gerou tragédias nos últimos anos.

Mina de Serra Sul (S11D) não utiliza água no seu processo de beneficiamento mineral/Foto: RicardoTeles
Por: Da Redação
✏️ Atualizado em 31/07/2025 17h09

A Vale informou que pretende eliminar completamente o uso de água no processamento de minério de ferro em suas operações de Carajás, no Pará, até 2027. O anúncio foi feito durante visita de jornalistas às instalações da empresa em Parauapebas, onde executivos apresentaram o cronograma para a transição dos últimos 10% das operações que ainda dependem de água no beneficiamento. A mudança de foco claramente foi potencializada nos últimos anos, após tragédias como a de Brumadinho, em Minas Gerais.

Atualmente, cerca de 90% do Sistema Norte já opera sem água no processamento do minério, garante a empresa. Das 17 linhas de peneiramento da usina 1 na Serra Norte, seis ainda utilizam água, enquanto as operações nas serras Sul e Leste já funcionam integralmente com processos secos.

“Ao final de 2027 já estarão 100% a seco, aí todo o Sistema Norte será 100% umidade natural”, declarou Gildiney Sales, diretor do Corredor Norte da Vale. O Sistema Norte foi responsável por 177,5 milhões de toneladas da produção de minério de ferro da empresa em 2024, representando mais da metade do total de 327,7 milhões de toneladas no período.

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Viabilidade Técnica

A transição para processos secos em Carajás foi viabilizada pelas características específicas das reservas locais e por investimentos realizados pela empresa ao longo dos últimos 15 anos. Segundo Tiago Leite, gerente de mina da Vale, o teor de ferro das reservas de Carajás, que oscila entre 62% e 68%, permite uma rota tecnológica diferenciada.

“Carajás tem um teor metálico de reserva que permite uma rota tecnológica que poucos lugares permitem”, afirmou Leite. A empresa não divulgou o valor exato dos investimentos realizados, limitando-se a informar que foram aplicadas “dezenas de bilhões de reais” no desenvolvimento das tecnologias necessárias.

Segundo a Vale, a eliminação do uso de água no beneficiamento traz benefícios ambientais ao eliminar a geração de rejeitos no processo produtivo, dispensando a necessidade de novas barragens para armazenamento. A empresa também aponta redução de custos pela simplificação de processos, o que tornaria a operação mais competitiva.

No entanto, Sales preferiu não comentar especificamente sobre a redução de custos do processo de beneficiamento a seco, mantendo essas informações em sigilo. A ausência de dados concretos sobre economia gerada dificulta a avaliação independente dos benefícios econômicos da iniciativa.

A eliminação de barragens de rejeitos ganha relevância no contexto dos acidentes ocorridos em Mariana (2015) e Brumadinho (2019), ambos envolvendo estruturas da Vale. Esses eventos intensificaram a pressão regulatória e social sobre as práticas de segurança na mineração, levando empresas do setor a buscar alternativas que reduzam riscos operacionais.

Projeto Gelado

Paralelamente à transição para processos secos, a Vale está implementando o Projeto Gelado, que visa reaproveitar rejeitos acumulados desde 1985 na barragem de mesmo nome, localizada na Serra Norte. O projeto utiliza dragas elétricas para extrair aproximadamente 120 milhões de toneladas de material depositado, com teores de ferro estimados entre 62% e 64,5%.

A produção de “pellet feed” a partir desses rejeitos atingiu 2,5 milhões de toneladas em 2024, com projeção de crescimento para 5 milhões de toneladas em 2026 e 6 milhões em 2027. Sales descreveu o “ramp-up” de Gelado como positivo, mas reconheceu que a operação passou por “algumas adequações” após o início, “até porque nesta escala é um processo inédito no Brasil”.

Contexto e pressões externas

A iniciativa da Vale ocorre em um ambiente regulatório cada vez mais rigoroso para a mineração no Brasil. Após os acidentes de Mariana e Brumadinho, órgãos ambientais e o Ministério Público intensificaram a fiscalização sobre barragens de rejeitos, estabelecendo prazos para descaracterização de estruturas consideradas de risco.

A Política Nacional de Segurança de Barragens, atualizada em 2020, impôs novas exigências técnicas e de monitoramento que elevaram os custos de manutenção dessas estruturas. Neste contexto, a eliminação de barragens através de processos secos pode representar tanto uma resposta às pressões regulatórias quanto uma estratégia de redução de riscos operacionais.

No entanto, a transição para processos secos não resolve completamente os passivos ambientais da empresa. A Vale ainda mantém dezenas de barragens em operação em outras unidades, algumas classificadas como de alto risco pelos órgãos fiscalizadores.

Questionamentos

O cronograma estabelecido pela Vale para 2027 será testado pela capacidade da empresa de superar eventuais desafios técnicos na conversão das últimas linhas de processamento. A experiência com o Projeto Gelado, que passou por ajustes após o início das operações, sugere que a implementação de tecnologias em escala industrial pode enfrentar obstáculos não previstos em fases de teste.

A viabilidade econômica de longo prazo do reaproveitamento de rejeitos também permanece em avaliação. Embora a Vale afirme que o produto de Gelado já está sendo comercializado, a empresa não divulgou informações sobre margens de lucro ou competitividade em relação ao minério extraído convencionalmente.