O município de Marabá está prestes a perder o repasse federal de R$ 403.927,92 (R$ 33.660,66/mês) pela ausência de justificativas às notificações realizadas pela Coordenação Geral de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas, do Ministério da Saúde, nos anos de 2021 e 2022 e por não apresentar em nenhum dos três anos analisados (2018, 2019 e 2020) taxa de ocupação igual ou superior a 80% nos leitos voltados à saúde mental. A Prefeitura, por seu turno, se defende questionando os critérios federais.
Para o Governo Federal, o Hospital Municipal de Marabá – mais precisamente a Ala Psicossocial do HMM, que atende pessoas com sofrimento ou transtorno mental (incluindo aquelas com necessidades decorrentes do uso de álcool e outras drogas) – não precisa dessa verba, pois não existe alta demanda de pacientes desde 2018, já que a meta de ocupação mínima de 80% não está sendo alcançada.
Essa informação foi divulgada no Diário Oficial da União no último dia 27 de dezembro de 2022. Segundo a Portaria GM/MS nº 4.596, no Estado do Pará apenas dois municípios constam na lista: Marabá e Bragança.
Leia mais:Na visão de quem trabalha na área, esse resultado da perda da verba federal não é por acaso e sim uma escolha consciente do Município ao centrar foco em outras áreas.
Jureuda Duarte Guerra, presidente do CRP10 do Conselho Regional de Psicologia do Pará e Amapá, afirma que o município de Marabá prioriza plantões e sobreavisos dos profissionais e esquece dos pacientes. “Iniciam o tratamento e não concluem e não realizam os serviços de acordo com as políticas de saúde. Além disso, não existe uma discussão epidemiológica das doenças em relação aos custos. Muitos gastos de recursos próprios sem resposta da saúde para a população marabaense. É muita negligência com o serviço público de saúde, em especial com a saúde mental”, critica Jureuda em fala exclusiva ao Correio de Carajás.
Outro ponto levantado pela presidente do Conselho é o fato dos hospitais da capital do Estado estarem completamente lotados por pacientes de outras cidades que estão sendo encaminhados para lá.
“As pessoas estão em surto, estão em sofrimento por tentativa de suicídio, por adoecimento psíquico ou por um suto psicótico. Essas pessoas recebem o acompanhamento do CAPS, mas precisam de uma internação hospitalar, e ela precisa desse leito. Esse leito, ou por descuido da gestão ou por outra razão esse leito foi descredenciado, e isso é uma perda de serviço para o município. E isso precisa ser questionado”, fala.
Para a psicóloga, esse problema vem desde 2018. Ou seja, antes mesmo da pandemia. Contudo, esses leitos a que ela se refere podem ter sido remanejados para os leitos covid, na época da pandemia. Porém, com a diminuição dos casos e flexibilização das regras, os leitos já deveriam ter sido “devolvidos” para a ala psicossocial.
De acordo com a portaria do Governo Federal, o repasse só será reestabelecido ao município se a Prefeitura de Marabá regularizar os registros atuais de produção conforme a normativa pertinente, estabelecendo os procedimentos principais e secundários nos Sistema de Informação Hospitalares (SIH) do Ministério da Saúde.
Se em até 90 dias Marabá não regularizar a documentação, o valor será cancelado e ela está fora dos repasses do Governo Federal voltados à saúde mental.
Vale ressaltar que há aproximadamente uma semana o CORREIO divulgou uma reportagem sobre o crescente número de atendimentos psicológicos em Marabá. “Houve um aumento após a pandemia. Nós tínhamos em média 218 atendimentos psicológicos, hoje temos em média 428 psicológicos durante o mês”, disse à época Morgana Lobo, gerente do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS).
Prefeitura rebate
João Augusto Miranda, enfermeiro psiquiátrico, responsável pela ala psicossocial do HMM e do ambulatório especializado em saúde mental (Ament), falou ao Correio sobre a medida tomada pelo Ministério. Ele destaca que não apenas Marabá está nessa lista, mas 633 leitos no Brasil, sendo seis aqui no Hospital Municipal. Também lembra que a Secretaria de Saúde está dentro do prazo de 90 dias para justificar o percentual abaixo de 80% de ocupação de área de leitos e que vai se manifestar oficialmente para não perder o recurso.
Segundo ele, a equipe está buscando as justificativas, avaliando se houve divergência entre internações e os atendimentos do setor.
“Nesses 22 anos de reforma psiquiátrica, a lei federal que trata sobre isso prega que só é para haver internação psicossocial, quando os recursos extra-hospitalares se tornarem insuficientes. Ou seja, quando a rede não funcionar através da atenção básica, dos ambulatórios de saúde mental, do CAP’s, é que se interna. Então a internação é o último recurso. A internação psicossocial jamais pode ser vista como uma meta a ser atingida”, argumenta.
E continua: “O certo é que as pessoas se mantenham estáveis, equilibradas, reinseridas na sociedade e convivendo num ambiente de saúde ambulatorial. É preciso internar em alguns momentos? Sim. Mas só quando toda a rede ambulatorial não der conta”.
Segundo ele, o valor mensal de R$ 33.660,66 para manutenção dos seis leitos só contempla algumas das despesas do mesmo e é acrescido de contrapartida do Município. “Manter uma clínica com seis leitos, com uma equipe interdisciplinar, composta por educador físico, enfermeiros, médicos, técnicos de enfermagem, agentes de limpeza, portaria. Além disso, estrutura predial e medicações, não é barato. Então esses 33 mil subsidiam o pagamento de algumas despesas, apenas”, avalia. (Da Redação)