Correio de Carajás

Posts fazem comparações enganosas sobre transposição do São Francisco

Enganoso
São enganosas postagens nas redes sociais que, para exaltar o governo Bolsonaro, comparam as obras do Projeto de Integração do Rio São Francisco realizadas por ele com as de gestões anteriores. Os conteúdos omitem que o atual presidente assumiu o mandato com mais de 90% das obras concluídas por administrações que o precederam. Além disso, o empreendimento não está finalizado.
  • Conteúdo verificado: Postagens em grupos de apoio ao governo federal no Facebook utilizam montagens com fotos do presidente Bolsonaro e do ex-presidente Lula para defender que o Projeto de Integração do Rio São Francisco só avançou na atual administração. Uma delas afirma que Bolsonaro assumiu a obra em 2019 e a concluiu em 2020. Outra mostra uma foto de Lula com a descrição “13 anos: só areia” e uma de Bolsonaro, legendada como “2 anos: tome água”.

Postagens nas redes sociais fazem comparações enganosas acerca das obras do Projeto de Integração do Rio São Francisco para exaltar o governo de Jair Bolsonaro (sem partido). Os conteúdos omitem que o atual presidente assumiu o país com mais de 90% das obras concluídas por administrações anteriores.

Uma imagem analisada pelo Comprova mostra uma lista com “resultados” da obra no período entre 2005 e 2020. O material não especifica o empreendimento e se refere apenas à “Água para o Nordeste”. A coincidência de datas do início e de inaugurações de trechos do projeto, entretanto, sugerem que o post trata da transposição do Rio São Francisco.

O conteúdo diz que, até 2018, outros governos não tinham concluído a obra e insinua que, após um ano de gestão Bolsonaro, o projeto foi finalizado. Mas não é verdade. Notícias e documentos oficiais indicam que ao menos 92,5% da execução física dos dois eixos estruturantes do projeto estavam prontos quando o atual presidente assumiu o comando do país. Um deles, inclusive, foi inaugurado no governo de Michel Temer.

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Vale ressaltar ainda que o empreendimento não está completo. Também faltam conclusões de obras hídricas complementares, que devem viabilizar a integração das águas do Velho Chico com rios e barragens receptoras. Por outro lado, o atual governo investiu recursos e deu continuidade a projetos associados à transposição do Rio São Francisco.

Como verificamos?

O primeiro passo da reportagem foi procurar por informações oficiais sobre o andamento das obras do Rio São Francisco no site do Ministério do Desenvolvimento Regional. A página da pasta serviu para reunir dados acerca da estrutura do projeto e de seus dois eixos estruturantes.

Em seguida, a reportagem consultou notícias publicadas na imprensa sobre o tema, incluindo verificações antigas do Comprova e de agências de checagem de fatos sobre conteúdos semelhantes. A partir da busca, foi possível identificar notícias sobre adiamentosinaugurações e investimentos nas obras.

Também identificamos documentos oficiais, como relatórios da Controladoria Geral da União e do antigo Ministério da Integração Nacional, a respeito das execuções da transposição do Rio São Francisco. Com isso, apuramos a porcentagem de conclusão dos eixos estruturantes do empreendimento nos governos antecessores da gestão Bolsonaro.

O Comprova, então, questionou o Ministério do Desenvolvimento Regional para obter mais detalhes do avanço da transposição do Rio São Francisco durante o mandato do atual presidente. Também solicitamos informações acerca de valores investidos e uma previsão para o término das obras pendentes.

A reportagem ainda buscou dados mais detalhados sobre investimentos e identificou um pedido de resposta da Lei de Acesso à Informação. Por fim, o Comprova comparou os dados com os apresentados no portal do orçamento do Senado Federal, chamado Siga Brasil.

Verificação

Os eixos

A transposição do Rio São Francisco consiste na construção de equipamentos hídricos, como canais, reservatórios e estações de bombeamento, com a finalidade de integrar suas águas com outras bacias hidrográficas dos estados de Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte.

O objetivo é abastecer rios perenes que perdem muito volume durante temporadas de estiagem e, assim, garantir a segurança hídrica a municípios dessas regiões. Para isso, a obra foi dividida em dois eixos que se integram com rios receptores e outros empreendimentos que estendem o fluxo das águas do Velho Chico.

O eixo leste percorre uma distância de aproximadamente 220 km, do município de Floresta, em Pernambuco, até o leito do rio Paraíba, em Monteiro, na Paraíba. Já o eixo norte é constituído por 260 km de canais que transportam as águas do reservatório de Milagres, em Pernambuco, até o reservatório de Jati, no Ceará.

Neste ponto, a obra se integra ao Cinturão das Águas, um projeto hídrico ainda inacabado executado pelo governo do estado em parceria com o Governo Federal. Futuramente, a obra vai transportar as águas do Velho Chico até o Açude de Castanhão e abastecer a região metropolitana de Fortaleza. O eixo norte também se integrará a rios receptores e barragens que abastecem municípios do Rio Grande do Norte.

De 2007 a 2021

Em junho de 2020, Bolsonaro inaugurou um dos trechos finais do eixo norte, em Penaforte, no Ceará. O evento marcou a chegada das águas da transposição ao estado.

Um relatório da Controladoria Geral da União (CGU), publicado em novembro de 2017, indica que, mais de um ano antes de Bolsonaro chegar à presidência, todos os segmentos do eixo norte já tinham ao menos 92,5% de execução física concluída. O eixo leste do empreendimento foi inaugurado pelo ex-presidente Michel Temer no mesmo ano.

Outro documento, do Ministério da Integração Nacional, que à época, novembro de 2016, chama-se Ministério do Desenvolvimento Regional, aponta que, naquele ano, os eixos norte e leste apresentavam 87,7% e 84,4% de suas estruturas físicas concluídas, respectivamente. A primeira estação de bombeamento da parte norte, por exemplo, foi entregue no ano anterior, ainda no governo Dilma.

Mesmo com as inaugurações, a estrutura dos eixos do empreendimento não está totalmente concluída. Segundo o site do Ministério do Desenvolvimento Regional ainda restam serviços complementares, como melhorias de estradas de acesso e instalação de equipamentos auxiliares de monitoramento.

Ao Comprova, a pasta afirmou que a “previsão é concluir o projeto entre o fim deste ano e início de 2022”. O ministério ressaltou que todas as estruturas necessárias para a funcionalidade do eixo leste estão concluídas e o trecho está em pré-operação, restando apenas serviços que não interferem no seu funcionamento.

“Já no eixo norte, o caminho das águas até o Reservatório Caiçara, na Paraíba, totalizando cerca de 260 km, está concluído. Após o Reservatório Caiçara, encontra-se em execução um trecho de 8 km até o Reservatório Engenheiro Ávidos”, destacou a pasta.

O ministério ainda acrescenta que o eixo norte se encontra em testes e comissionamento, “fase em que pode ser identificada a necessidade da realização de serviços de manutenção e reparos nos canais e estruturas”.

O que foi feito na gestão Bolsonaro?

De acordo com a pasta, desde 2019, foram investidos cerca de R$ 2,5 bilhões em obras, ações, operação e manutenção dos eixos norte e leste da transposição do Rio São Francisco, e no Ramal do Agreste, uma obra complementar que levará as águas do Velho Chico ao interior de Pernambuco.

“Além de avanços estruturantes fundamentais para garantir a conclusão da obra, foi necessário concentrar esforços na recuperação de etapas que já apresentavam 100% de execução física, mas que exigiram intervenções e reparos no sistema, a exemplo do Dique Negreiros e do Reservatório de Jati, no Eixo Norte; da Barragem Cacimba Nova, no Eixo Leste.”, diz o comunicado.

A pasta destacou ainda a abertura de licitação para a construção do Ramal do Apodi.

Cifras

Por meio da ferramenta de busca de pedidos e respostas via Lei de Acesso à Informação, o Comprova localizou em junho de 2020 o retorno do Ministério do Desenvolvimento Regional a um pedido de dados detalhados sobre o orçamento da Transposição do Rio São Francisco.

Segundo o relatório, até junho de 2020, o investimento somente na execução dos eixos estruturantes da obra somava, aproximadamente, R$ 10,88 bilhões. A reportagem confirmou que as cifras batem com os valores detalhados no portal Siga Brasil, do Senado Federal.

Além das despesas com os eixos estruturantes da obra, o documento ainda cita uma série de ações associadas ao projeto de Integração do Rio São Francisco, algumas delas complementares, como a manutenção da integração com as bacias do Nordeste Setentrional; recuperação de reservatórios estratégicos; e a construção dos sistemas adutores dos ramais do Agreste Pernambucano, de Entremontes e do Piancó.

Um levantamento do Comprova com dados do Siga Brasil mostra que os maiores investimentos em recuperação de reservatórios estratégicos aconteceram em 2018 e 2019.

Assim como a ação “manutenção da integração com as bacias do Nordeste Setentrional recuperação de reservatórios estratégicos”, que foi iniciada em 2015.

Obra marcada por atrasos

Com um orçamento estimado inicialmente em R$ 4,2 bilhões, a ordem para o início do empreendimento foi assinada em 2007 por Geddel Vieira Lima, então ministro da Integração Nacional do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), informa uma matéria da Folha de S. Paulo. O escopo e estudos técnicos do empreendimento, no entanto, foram realizados já no primeiro mandato do petista, quando a pasta era chefiada por Ciro Gomes.

Os governos dos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Itamar Franco também discutiram propostas de transposição do Rio São Francisco, mas as iniciativas não saíram do papel. Uma reportagem da Agência Senado indica que a ideia é ainda mais antiga. No século XIX, o imperador Dom Pedro II e políticos da época chegaram a debater projetos similares para combater a estiagem no nordeste brasileiro.

Em 2010, o ex-presidente Lula chegou a prometer a entrega dos dois eixos do empreendimento até 2012, indica uma notícia do G1. Já no governo Dilma, a conclusão das obras foi adiada para dezembro de 2015. Como mostra uma verificação antiga do Comprova, o projeto teve problemas de planejamento e execução.

Em 2012, o governo federal informou que a obra foi iniciada ainda com um projeto básico. Somente durante a execução da obra, foi consolidado um projeto executivo. Um dos problemas destacados pelo Ministério da Integração Regional, na época, foi a desistência por parte de construtoras que atuavam nas obras do empreendimento.

Já a Confederação Nacional da Indústria (CNI) listou, em relatório publicado em 2018, uma série de outros entraves, como atrasos em licenciamentos ambientais, morosidade em processo de desapropriação e judicialização de licitações.

Imagem compara fotos em contextos e localidades diferentes

Outro conteúdo viral nas redes sociais compara imagens de Lula e de Bolsonaro em obras de transposição do Rio São Francisco. Sem detalhar o contexto das fotos, o boato adiciona à imagem do petista o texto “13 anos: só areia”, enquanto atribui a Bolsonaro a chegada de água em regiões atendidas pela obra.

Uma matéria do Estadão Verifica mostra que a imagem de Lula foi capturada em 2009, nas obras do eixo leste do empreendimento, em Cabrobó, no Pernambuco. Já a imagem de Bolsonaro foi registrada em 2020 durante o evento que marcou o acionamento da comporta que liberou as águas da barragem de Jati para o Cinturão das Águas, no Ceará. As duas cidades estão distantes 116 quilômetros.

Por que investigamos?

Em sua 4ª fase, o Comprova checa conteúdos possivelmente falsos ou enganosos sobre a pandemia ou políticas públicas do governo federal que tenham alcançado alto grau de viralização, como o caso de postagens envolvendo o Projeto de Integração do Rio São Francisco (PISF), maior obra de infraestrutura hídrica do país.

Foram analisadas ao menos três postagens com teores semelhantes, comparando a execução da obra durante o governo Bolsonaro e os anteriores, com ampla repercussão no Facebook. Juntas, somam mais de 120 mil interações entre reações, comentários e compartilhamentos.

O Comprova já fez outras verificações relacionadas ao projeto. Em outubro de 2020, o Estadão Verifica checou a origem das mesmas fotos utilizadas nas postagens aqui verificadas. O Aos Fatos também já precisou desmentir informações falsas veiculadas sobre a obra.

Enganoso, para o Comprova, é conteúdo que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Desde 2020 o Correio de Carajás integra o Projeto Comprova, que reúne jornalistas de 28 diferentes veículos de comunicação brasileiros para descobrir e investigar informações enganosas, inventadas e deliberadamente falsas sobre políticas públicas e a pandemia de covid-19 compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.