Correio de Carajás

Por que o Brasil registrou alta nos focos de queimadas de janeiro a abril

17.182 focos de queimadas foram contabilizados nos primeiros quatro meses de 2024, o maior número para o período janeiro-abril desde 2003. Índice é calculado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Imagem de 30 de agosto de 2022 de sobrevoo na região da Amacro (Amazonas, Acre e Rondônia), em uma área com cerca de 8.000 hectares de desmatamento em chamas. — Foto: Nilmar Lage/Greenpeace/Divulgação

O Brasil registrou 17.182 focos de queimadas nos primeiros quatro meses deste ano, o maior número para o período janeiro-abril desde 2003, quando 16.988 focos foram registrados. Os dados oficiais foram divulgados na última quarta-feira (1º) pelo Programa Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Este é o segundo ano consecutivo da gestão do presidente Lula (PT) que vem registrando um aumento do índice quando ele é comparado com o mesmo período do ano anterior – 81% em relação a 2023 .

Segundo especialistas e o próprio Ministério do Meio Ambiente, todo esse aumento é uma consequência direta da piora climática do mundo e do poderoso El Niño deste ano, que trouxe secas longas principalmente à Amazônia.

Leia mais:

Quando comparamos os biomas do país, os números também mostram um cenário de alta. Na Amazônia, por exemplo, com 8.977 focos, o primeiro quadrimestre de 2024 registrou a taxa mais alta de queimadas desde 2016. Naquele ano, o bioma teve um recorde de 9.315 focos entre janeiro e abril.

O índice inspira preocupação pois a temporada de incêndios geralmente ocorre na Amazônia entre junho e outubro, mas fazendeiros, garimpeiros e grileiros derrubam a floresta e se preparam para queimá-la durante todo o ano.

Já no Cerrado, que vem tendo altas taxas de desmatamento desde o ano passado, o primeiro quadrimestre de 2024 registrou a taxa mais alta do bioma de toda série histórica do Inpe, que começou em 1998. Somente de janeiro a abril deste ano o bioma teve 4.575 focos .

Para o climatologista Carlos Nobre, um dos principais especialistas em mudanças climáticas do mundo, o resultado de todos esses índices é crítico: “Em algumas regiões, especialmente no sul da Amazônia, no Cerrado e no Pantanal, os primeiros quatro meses do ano ainda correspondem à estação chuvosa, com destaque para janeiro e fevereiro”.

“Porém, mesmo durante esse período, houve um recorde de queimadas, especialmente no Cerrado e até mesmo no Pantanal, que já havia enfrentado incêndios no final do ano passado, mesmo estando dentro de sua estação chuvosa”, alerta Nobre.

 

No Pantanal, ainda de acordo com os dados do Inpe, 653 focos foram registrados nesse começo de ano. Desde 2020, quandos as queimadas devastaram o bioma e mataram milhões de animais não se via uma taxa tão alta para esse período.

El Niño, mudanças climáticas e desmatamento

 

Em nota enviada ao g1, o Ministério do Meio Ambiente, explicou que os incêndios florestais que vêm sendo registrados no Brasil e em países vizinhos, como Chile e Colômbia, estão sendo agravados por dois fatores já conhedidos: as mudanças climáticas em curso e por um dos El Niños mais severos já registrados no mundo.

“O grave aquecimento registrado nos últimos meses provocou mudanças de padrão, como o avanço do fogo para áreas de vegetação nativa”, destacou a pasta.

Área de buritizal queimada no Cantá, interior de Roraima, em março de 2024. — Foto: Ronny Alcântara/Rede Amazônica
Área de buritizal queimada no Cantá, interior de Roraima, em março de 2024. — Foto: Ronny Alcântara/Rede Amazônica

A análise é similar a de especialistas, que também destacam a degradação florestal e o aumento do desmatamento em alguns biomas como fatores em jogo.

Isso porque durante o processo de desmatamento, as árvores são primeiramente removidas utilizando métodos como o correntão – que possibilita a rápida retirada da vegetação nativa.

Em seguida, é comum que a área desmatada seja incendiada, o que resulta nos incêndios florestais.

Dessa forma, os dados anteriores de desmatamento funcionam como indicadores da extensão e impacto das queimadas, uma vez que estão diretamente ligados à frequência e gravidade dos incêndios.

Esses eventos climáticos extremos têm levado a um aumento sem precedentes nos incêndios florestais. E apesar da redução de 50% no desmatamento da Amazônia no ano passado, os incêndios ainda persistem devido a outras atividades humanas, como a abertura de pastagens e áreas agrícolas.
— Carlos Nobre, climatologista.

O índice que Nobre cita é o acumulado de alertas de desmatamento na Amazônia Legal, que caiu pela metade no primeiro ano do terceiro mandato do presidente Lula — o melhor índice desde 2018. Por outro lado, o Cerrado registrou um aumento de 43% em 2023, atingindo o maior índice da série histórica do Deter no bioma.

Esses números levam em conta o chamado ano civil, ou seja, o período total de janeiro a dezembro.

E para especialistas, essa redução do desmatamento na Amazônia foi principalmente atribuída ao reforço das ações realizadas pelo Ibama nos últimos meses.

Isso porque houve um aumento significativo tanto nas operações em campo quanto nas ações remotas, além do aumento das multas aplicadas e das apreensões de equipamentos e produtos relacionados a atividades ilegais.

O desafio futuro, porém, consiste em garantir a implementação integral do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) e no Cerrado (PPCerrado), e na replicação de estratégias semelhantes em outros biomas.

A partir do momento em que há a intensificação do desmatamento, seja em qualquer bioma, temos também uma intensificação do fogo. O Cerrado tem batido recordes de desmatamento, e este ocorre de maneira similar ao desmatamento na Amazônia, com o corte seguido pela queima posterior.” — Luiz Aragão, chefe da Divisão de Observação da Terra e Geoinformática do Inpe, em entrevista ao Jornal Nacional.

Cidades recordistas em Roraima

 

Aliado a tudo isso, um contribuinte adicional para os números elevados de incêndios no país até então foi também a concentração desses focos em Roraima. O estado é comumente impactado por uma estação seca no início do ano, e desta vez, as condições climáticas exacerbaram ainda mais a situação.

7 dos 10 municípios com o maior registro de focos de incêndio no Brasil no acumulado de 2024, até abril, ficam no estado: Caracaraí (Roraima), Mucajaí (Roraima), Rorainópolis (Roraima), Iracema (Roraima), Amajari (Roraima), Alto Alegre (Roraima), Cantá (Roraima), Nova Maringá (Mato Grosso), Corumbá (Mato Grosso do Sul) e Brasnorte, (Mato Grosso).

Resposta do MMA

 

Em nota enviada ao g1, o Ministério do Meio Ambiente disse que está implementando uma série de medidas em resposta aos incêndios florestais.

Isso inclui o reforço do combate aos incêndios, com envio de brigadistas para áreas críticas, autorização para contratação de mais brigadistas em 2024 e lançamento de Planos de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento em diversos biomas.

A pasta destacou ainda que está coordenando ações com os governos estaduais, disponibilizando recursos financeiros do Fundo Amazônia e buscando soluções legislativas, como o Projeto de Lei nº 1818/22, para reforçar a prevenção de mais incêndios florestais.

E salientou que a cooperação entre os órgãos ambientais também será fundamental para o sucesso das operações de prevenção e combate aos incêndios.

Sobrevoo de 2022 na região da Amacro (Amazonas, Acre e Rondônia), em uma área com cerca de 8.000 hectares de desmatamento. — Foto: © Nilmar Lage / Greenpeace / Divulgação
Sobrevoo de 2022 na região da Amacro (Amazonas, Acre e Rondônia), em uma área com cerca de 8.000 hectares de desmatamento. — Foto: © Nilmar Lage / Greenpeace / Divulgação

Veja a nota do MMA na íntegra:

Os incêndios florestais no Brasil e em outros países da região, como Chile e Colômbia, são intensificados pela mudança do clima e por um dos El Niños mais fortes da história, que causou estiagens prolongadas em diversas áreas da Amazônia em 2023. O grave aquecimento registrado nos últimos meses provocou mudanças de padrão, como o avanço do fogo para áreas de vegetação nativa.

De janeiro a abril, os incêndios concentraram-se no Estado de Roraima, onde a estação seca ocorre no início do ano e foi agravada por fatores climáticos. Ibama e ICMBio enviaram 380 combatentes para o Estado, e todos os focos na região foram controlados.

O governo federal autorizou a contratação por Ibama e ICMBio de pelo menos 3.200 brigadistas em 2024. Os brigadistas dos institutos atuam prioritariamente em áreas federais, como Unidades de Conservação e Terras Indígenas.

Em 2023, o governo federal lançou os Planos de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento (PPCD) na Amazônia e no Cerrado. Planos para os demais biomas — Caatinga, Mata Atlântica, Pampa e Pantanal — estão em construção e serão lançados neste ano.

Resultados até o momento incluem a queda de 50% da área sob alertas de desmatamento na Amazônia em 2023 na comparação com 2022, segundo dados do sistema Deter, do Inpe. De janeiro a abril deste ano houve redução de 42% em relação ao mesmo período de 2023. Dados preliminares ainda não fechados para o quadrimestre apontam que também haverá queda no Cerrado.

De janeiro a março de 2024, 34% dos focos de incêndio na Amazônia ocorreram em áreas de vegetação primária, e 9% em áreas com desmatamento recente. No primeiro trimestre de 2022, último ano da gestão anterior, 5% dos focos ocorreram em áreas de vegetação primária, e 21%, com desmatamento recente.

O MMA articula com os governos estaduais ações integradas para prevenção e controle de incêndios florestais. Foram disponibilizados pela atual gestão R$ 405 milhões do Fundo Amazônia para os Corpos de Bombeiros dos nove Estados da Amazônia Legal. O objetivo é ampliar as ações de prevenção e controle de incêndios florestais.

O governo federal também busca soluções conjuntas para o Projeto de Lei nº 1818/22, que institui a Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo. A iniciativa reforçará a prevenção de incêndios florestais no país.

A cooperação entre órgãos ambientais federais, estaduais e municipais é fundamental para permitir ações estratégicas e eficazes de prevenção e combate a incêndios florestais.

(Fonte:G1)