Uma pesquisa do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) divulgada neste mês mostra que a porcentagem de crianças brasileiras com celular cresceu. Em 2015, 3% dos pequenos de 0 a 2 anos, 6% dos de 3 a 5 anos e 18% dos de 6 a 8 anos possuíam um aparelho próprio. Em 2024, esses indicadores alcançaram 5%, 20% e 36%, respectivamente.
O celular, porém, é a pior tela para as crianças, segundo especialistas. Diferentemente do computador ou da televisão, ele concentra a atenção dos pequenos por mais horas e exige maior esforço dos músculos oculares. Além disso, o uso dos smartphones costuma ter menor controle dos pais, facilitando a exposição a conteúdos impróprios.
“Esse tempo demasiado conectado traz consequências. A mais grave é a alteração na socialização e no desenvolvimento infantil. Muitas crianças passam a perder a oportunidade de uma série de experiências de vida que são importantes para o seu desenvolvimento por ficarem excessivamente no celular”, ressalta Eduardo Jorge Custódio, neurologista pediátrico do grupo de trabalho sobre saúde digital da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
Leia mais:De acordo com a SBP, o uso do celular está associado a atrasos no desenvolvimento da fala e da linguagem em bebês que ficam passivamente expostos à tela por períodos prolongados. Também pode atrasar o desenvolvimento dos cinco sentidos – visão, audição, olfato, paladar e tato – na infância.
Conheça a seguir outros problemas relacionados ao uso do aparelho e as orientações dos especialistas sobre exposição a telas.
Problemas nos olhos
Susana Knupp, integrante da Sociedade Brasileira de Oftalmologia (SBO), explica que as crianças tendem a segurar o celular muito próximo dos olhos. Isso ocorre tanto porque seus braços são mais curtos quanto para focar a tela.
“Quanto mais perto está o objeto observado, mais esforço muscular é feito. Esse trabalho muscular intenso e prolongado gera sintomas de cansaço ocular, dor de cabeça, dor ocular, visão embaçada e dificuldade de foco”, diz.
Segundo Susana, as principais consequências para a visão das crianças a partir do uso frequente e prolongado do celular são:
- Fadiga ocular – Existem dois tipos de musculatura nos olhos: a intrínseca, que promove o foco, e a extrínseca, que rege os movimentos oculares. Quando focamos um objeto de perto, automaticamente fazemos o movimento ocular de convergência, em direção ao nariz. Esse esforço muscular sustentado gera fadiga, resultando em dor de cabeça, desconforto e coceira nos olhos, olhos secos ou vermelhos e dificuldade para se concentrar em tarefas de leitura ou cópia de tarefas da lousa.
- Miopia – O uso de telas, em especial de perto, pode afetar o desenvolvimento normal da estrutura ocular, promovendo alterações que levam à miopia, condição em que o olho não consegue focar objetos distantes corretamente.
- Olhos secos – Quando se olha fixamente para o celular, a frequência de piscadas diminui, o que gera ressecamento nos olhos, sensação de areia e facilita inflamações. Isso acontece porque a concentração na tela é tamanha que não se quer perder nenhum detalhe. “Se a criança piscar, pode perder uma vida no jogo”, exemplifica Susana. A qualidade da piscada também é pior, sendo muitas vezes incompleta e não cobrindo totalmente a superfície ocular, rompendo o escudo lacrimal que protege os olhos.
- Estrabismo – A musculatura extrínseca, que promove a convergência, também entra em fadiga ou espasmo. Isso pode afetar o alinhamento dos olhos.
Impacto na saúde mental
O uso excessivo do celular também pode desencadear problemas de saúde mental nas crianças. Entre os mais comuns estão ansiedade, depressão, dificuldade de concentração e isolamento social.
“O cérebro das crianças ainda está em desenvolvimento. Com isso, a exposição excessiva a estímulos digitais pode interferir nos processos de maturação cerebral”, aponta Antônio Geraldo, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).
Devido às diferenças no desenvolvimento cerebral, as crianças reagem aos celulares de maneira distinta, diz o psiquiatra. O contato com estímulos rápidos e que geram uma sensação de prazer, como os oferecidos por jogos, vídeos de entretenimento e redes sociais, ativa os circuitos de recompensa do cérebro.
“Isso pode gerar uma sensação de prazer imediato, mas também aumenta o risco de dependência e afeta negativamente o desenvolvimento de habilidades cognitivas e emocionais. Nos adultos, o cérebro já está mais amadurecido e a resposta a esses estímulos pode ser mais controlada, embora o uso excessivo também possa gerar impactos negativos”, afirma Geraldo.
Alguns sinais de dependência incluem irritabilidade quando a criança é impedida de usar o celular, dificuldade para se concentrar em atividades offline, redução do interesse por interações sociais e atividades físicas, e prejuízos no desempenho escolar.
“O excesso de telas pode, inclusive, causar sintomas que se assemelham ao autismo, como dificuldades de interação social, isolamento, dificuldades de comunicação e prejudicar a aprendizagem”, ressalta o psiquiatra.
Alterações na rotina de sono
A neuropediatra Leticia Azevedo Soster, médica do sono da Academia Brasileira do Sono (ABS), aponta que a tela do celular também tende a ser mais prejudicial porque é utilizada muito próxima do rosto, exigindo um nível maior de atenção e ativando mecanismos de alerta no cérebro. Esse estado dificulta o relaxamento necessário para dormir.
“Nosso corpo se prepara para dormir liberando um hormônio chamado melatonina, que é essencial para induzir o sono. No entanto, a luz azul emitida pelo celular é interpretada pelo cérebro como luz solar, inibindo a produção de melatonina. Como resultado, o corpo não percebe que a noite chegou, atrasando o início do sono”, diz a médica.
O uso excessivo do aparelho também reduz o tempo de atividade física das crianças, diminuindo a fadiga natural necessária para um sono reparador. Sem esse cansaço físico adequado, o sono pode ser mais leve e fragmentado.
(Fonte: Estadão)