Correio de Carajás

Polícia comunitária em debate

A construção de uma relação de confiança e parceria – baseada no respeito aos direitos humanos – entre comunidade e forças de segurança pode aparentar ser um ponto de difícil alcance no horizonte, principalmente quando analisadas as nuances que desenharam esse cenário ao longo da história. Difícil, no entanto, não é impossível se o assunto for tratado de maneira ampla e de forma que inclua a participação popular e institucional.

Justamente para iniciar um debate neste sentido, Osmar Vieira da Costa Junior, coronel da Polícia Militar do Estado do Pará, esteve em Marabá nesta semana, convidado pelo projeto eco-cultural e socioeducativo, Rios de Encontro, que atua há quase 10 anos no Bairro Francisco Coelho, o Cabelo Seco, e participando do mini fórum “Segurança Bem Viver”, ao lado do coordenador do projeto, o arte-educador Dan Baron.

Durante o evento, encerrado nesta quarta-feira (8), tratou-se de segurança climática, alimentar, judicial, educacional, pública, comunitária, de saúde e de direitos humanos – o oficial participou de rodas de conversas com diferentes segmentos. Após passar 32 anos na ativa, chegando a chefe do Estado Maior da Polícia Militar do Pará, atualmente é secretário municipal de Segurança Pública e Mobilidade Urbana de Marituba e um dos principais nomes do estado no que se refere à policiamento comunitário.

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“Minha atividade policial se voltou muito para a prevenção e ela está contida na política que chamamos de polícia comunitária, que é uma polícia de proximidade”, comentou em entrevista ao CORREIO, explicando que vivenciou a eficácia do sistema durante um curso realizado junto à polícia do Japão e em viagem a outros países. “Esse conhecimento me fez convencer que este não era um dos caminhos, mas sim o único caminho possível”, diz.

Conforme as observações feitas ao longo dos anos na carreira militar, o coronel diz que os países que atualmente discutem modelo ideal de segurança pública estão se convencendo que a filosofia de uma polícia comunitária é a melhor opção para que haja um trabalho legitimado pela sociedade. “É a polícia que o cidadão quer, que promove direitos humanos e faz com que o cidadão seja ouvido e seja partícipe do processo”.

DIFERENÇAS

Sobre as diferenças entre o atual modelo, influenciado pelo americano e que é baseado no socorro por meio de chamadas para o 190, Costa Junior afirma que o atual não é errado, porém traduz a restauração da ordem, ou seja, a ordem pública é quebrada e a polícia busca reprimir a violência para restaurar a ordem, o que não impede a ocorrência dela.

“Eu sempre brinco dizendo que por mais que a gente chegue em 10 minutos, sete minutos, três minutos o cidadão vai dizer ‘parabéns, o senhor chegou atrasado’. A alternativa é montar um modelo que, além dessa resposta, possa também ser eminentemente preventivo”. Para isso é necessário ampliar outra frente já desenvolvida pelas forças de segurança: definir a área a ser policiada a partir de levantamento dos setores de inteligência, por meio de dados estatísticos e de ocorrências.

“Neste contexto a gente pode atuar voltado para esse tipo de ocorrência, sabendo quais os problemas em determinado setor. Agora, quando temos um policial mais próximo, que conheça a dinâmica da comunidade, que conheça e identifique os problemas, que conheça as pessoas pelo nome e seja conhecido, nós passamos a ter maior controle e até da corrupção. Como um policial que é conhecido da comunidade vai estar em uma ‘boca de fumo’, por exemplo?”.

Segundo o oficial, para que seja construída essa realidade é necessário um processo de transparência e de quebra de paradigmas e uma das principais dificuldades parte das próprias instituições e da falta de confiança que a população tem junto a elas.

“Essa resistência hoje ocorre na comunidade, mas é muito mais interna e mais pelo desconhecimento. Para mudar isso é necessário um processo educativo”. Aqui surge o trabalho do coronel e do projeto Rios de Encontro. O objetivo é a construção de um fórum permanente que trate de segurança – aliada às outras demandas – nesta região.

PRÁTICA

“Como conseguimos quebrar essa resistência? Temos ferramentas que podem fazer isso acontecer. Por exemplo, podemos desenvolver um fórum onde possamos discutir o que vai ser encaminhado. Normalmente as instituições de Segurança Pública propõem a realização de curso de promotor de polícia comunitária e as lideranças comunitárias vão ser orientadas de que forma irá ocorrer esse processo. Se a gente não orientar, sem educação, ele não vai adiante, só dizer por decreto e estalar de dedos não vai acontecer. Temos que esclarecer e tem que haver um debate sobre isso”, diz.

Após ser encaminhada uma capacitação, poderia ser constituído um conselho comunitário de segurança e cidadania ou um fórum de discussão permanente em que as políticas públicas também sejam discutidas como determinantes no processo de segurança pública.

“Até mesmo para poder dizer aos policiais que são mais resistentes a este processo que está muito no nosso ombro a culpa por todo problema na comunidade e que são fatores de risco que geram episódios de ocorrências de delitos. Aconteceu um crime por falta de policiamento? Não! Aconteceu crime por uma série de desajustes que começam na família, passam por educação inadequada, pelo transporte público que obriga o cidadão a demorar muito em um ponto, por ausência de iluminação pública e até pela falta de um médico no posto de saúde”, exemplifica.

Baron acrescentou que está se idealizando o fórum permanecente já para o próximo ano. “Como isso vai ser construído ainda vamos descobrir, mas essa visita (do coronel) garantiu relações de confiança e isso é importante”, disse.

Mudanças passam pela interação entre as instituições

Durante os dois dias que passou em Marabá, o coronel Costa Júnior participou de rodas de conversas com estudantes do Ensino Médio, do Ensino Superior, com policiais militares em fase de formação, com advogados da Ordem dos Advogados do Brasil e com a comunidade do Cabelo Seco. Na escola pública, ele diz ter ficado impressionado com o interesse dos alunos no assunto, mas também percebeu que eles desconhecem as políticas públicas existentes.

Junto ao Ensino Superior, com alunos do curso Direito da Terra da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará, foi onde encontrou maior resistência, principalmente, diz, pelo histórico de confrontos entre a PM do Pará e os movimentos sócias, de onde a maior parte dos estudantes saiu. Junto às turmas três turmas de formação de cabos e soldados – no 4º Batalhão de Polícia Militar – que somam 135 policiais em formação, ele ressaltou também o interesse deles no assunto, uma vez que atualmente o curso conta com pelo menos 80 horas/aula voltadas para policiamento comunitário.

Na comunidade do Cabelo Seco, onde conversou com lideranças comunitárias, diz ter percebido uma profunda mudança na consciência comunitária. “Melhora no entendimento de que há progresso e há atenção, ainda que tímida. Percebemos nas pessoas uma esperança”. Na OAB o assunto girou em torno da importância de melhorar as relações institucionais. “Ainda vemos muitas instituições nos seus quadrados, cada uma fazendo seu papel, no limite das atuações legais, mas sem buscar parcerias. A ausência de debate favorece a criminalidade porque não trocamos informações e não temos uma inteligência que parta da união dos esforços das instituições”, observa.

Mini fórum surgiu da preocupação com a militarização

A articulação pela rede municipal de educação de Marabá para implantação de escolas militares na cidade foi o que motivou o arte-educador Dan Baron a aprofundar o debate em torno do assunto. Ele e o coronel se conheceram em 2009.

“Eu tenho consciência de proposta de segurança comunitária a partir da amizade com ele. Fui alertado sobre a criação de uma escola militar piloto em marabá. Eu fiquei preocupado com a militarização da escola, conversei com o Costa Junior em Belém e ele me disse acreditar que este caminho não iria resolver a violência na escola e na sociedade. O que precisa é de cidadania, de disciplina, mas a partir de direitos humanos e compromisso social. A escola não precisa de militares, mas de segurança comunitária e a polícia tem um papel fundamental nisso”.

A partir dessa conversa, Baron idealizou o mini fórum, que ganhou a simpatia do militar. “A experiência do Cabelo Seco queremos levar para Marituba e já estamos costurando as datas para levarmos os jovens para mostrar lá que é possível essa volta por cima de um bairro com índices alarmantes na área de Segurança Pública”, diz o coronel.

(Luciana Marschall)