Correio de Carajás

Polêmica entre quadrilhas estilizadas e roceiras volta à tona na abertura do festejo

Mesmo se respeitando mutuamente, coordenadores das duas juninas expõem a divergência de estilo; nove dias de festa inicia na noite desta sexta-feira, 23

Anderson Alves e Ademar Dias falam ao CORREIO sobre suas formas de fazer juninas/Fotos: Leon Ramirez e Jordão Nunes

Difícil precisar ao certo quando exatamente o Festejo Junino de Marabá deixou de ser ‘roceiro’ para se tornar ‘estilizado’. Os trajes matutos, com saias rodadas, estampas de flores de cores fortes, calças com retalhos, mangas bufantes e chapéu de palha foram deixando de aparecer para dar lugar ao vestuário de caráter mais estilizado, com adereços maiores na cabeça, saias mais curtas e menos rodadas, pedrarias, sapatilhas e pequenos saltos, além de uma temática totalmente diferente da ‘roça’.

Com isso, a trilha sonora e as coreografias também foram alteradas para poder acompanhar esse processo de modificação. Os brincantes entram em quadra, quase sempre, inserindo uma teatralização e apresentando uma novidade ao público que antes estava acostumado em assistir a grande roda e o casamento na roça.

As apresentações no Festejo Junino – principalmente das quadrilhas do Grupo A – contam com cenários bem produzidos, elementos surpresa, adereços, jogo de luz e até fogos de artifício, dando assim mais emoção à encenação.

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A cada ano as juninas surgem transformando e ressignificando a maior festa da cultura popular de Marabá. É notório que o Festejo tem passado por um grande processo de transformação, se tornando um verdadeiro espetáculo para quem assiste.

Mas, até que ponto a criatividade, a inovação e as grandes produções são verdadeiramente importantes no Festejo Junino? A real característica da festa junina está se perdendo ou ela está apenas se transformando e ganhando um novo sentido?

O CORREIO conversou com dois representantes de quadrilhas juninas distintas, os quais têm opiniões diferentes sobre a modernização.

Ademar Dias, popularmente conhecido como Ademar da Santa Rosa, coordenador da junina Fogo no Rabo, e Anderson Alves, presidente da junina Fuá da Conceição, abordaram alguns pontos importantes sobre o Festejo Junino de Marabá.

Transição do estilo

Com mais de 40 anos participando de quadrilhas juninas, Ademar vive o Festejo Junino desde o início. Ele relembra que a Fogo, como gosta de chamar a junina Fogo no Rabo, nasceu um ano depois de o festejo ser oficializado na cidade. “Crescemos juntos”, começa dizendo.

Para ele, a festa é uma das grandes conquistas dos produtores culturais de Marabá e região, tornando-se um evento extraordinário.

Questionado pela reportagem sobre o período em que as juninas começaram a passar pela notada transformação, deixando o estilo tradicional para adentrar ao estilizado, Ademar não lembra exatamente o período, mas acredita que foi no final da década de 90.

“Nessa época trouxemos para Marabá as quadrilhas alegóricas e elas entraram com muita força. Porém, mesmo assim o tradicional ainda resistiu e foi muito superior. Mas, quando a Explode Coração entrou com o Cláudio Yaguara, ele contribuiu muito com essa questão, porque ele trouxe marcador, temática. Não lembro exatamente quando começaram os temas”.

Se por um lado, a Fogo no Rabo precisou passar por esse processo de transição, a Fuá da Conceição, que surgiu há nove anos, já nasceu numa nova era, trazendo uma pegada mais moderna.

A história da Fuá começou como uma brincadeira na Paróquia Nossa Senhora da Conceição, através do movimento “Segue-me”, dos jovens da Igreja Católica. A princípio, o nome da quadrilha era “Espoca Bucho”, porém no ano seguinte vendo a repercussão, a coordenação recebeu conselhos para continuar e tornar a junina mais organizada e mais bonita. “A brincadeira tinha ficado de uma forma diferente”, relembra, contando que o nome passou a ser Fuá da Conceição, em homenagem à padroeira.

Anderson fala que no ano seguinte a quadrilha foi convidada pelo professor Elias (que era quem coordenava o Festejo Junino na época) para participar do evento.

“Ele viu fotos e vídeos de uma apresentação nossa e nos convidou, já que uma outra junina havia desistido. Então nesse mesmo ano, na nossa estreia, participamos do festejo no Grupo B e já subimos para o Grupo A”.

No primeiro ano de existência da Junina, o presidente conta que o estilo era mais tradicional, contudo, com uma nuance de levar uma mensagem de fé para o público, já que se tratava de uma quadrilha ligada à igreja. “Mas, aí descobrimos um novo olhar para continuar mandando essa mensagem, abrimos um leque de possibilidades”.

Características tradicionais?

Ao CORREIO, Ademar afirma que sempre foi a favor do estilo tradicional, porém sempre é voto vencido. “Me preocupo com o futuro”, admite Ademar, exemplificando a situação do município vizinho, Parauapebas, que atualmente possui 17 grupos que aderem ao estilo tradicional e somente 4 com o mesmo estilo de dança de Marabá.

Ele conta que os grupos tradicionais de lá possuem 30 até 50 pares. Inclusive, Parauapebas tem um título nacional. “Eles resistiram, foram resistentes ao sistema, e hoje as grandes quadrilhas, a nível nacional, estão voltando para o estilo tradicional. Estão tirando as pedrarias das roupas, voltando pra pisada, tirando um pouco do teatro, que fica enjoativo. O gasto também é muito alto, a roupa fica muito mais cara, e a consequência disso são as pessoas que dançavam e não têm condições financeiras de arcar com o custo do seu figuro estão se afastando das juninas”.

Ademar reforça que acha o estilo apresentado em Marabá muito bonito. Porém, é apaixonado pelo tradicional. Inclusive, ressalta que foi o único, das quadrilhas que tem hoje, que quis manter o estilo tradicional. “As quadrilhas antigas se acabaram com o sistema. Não resistiram ao estilo. Há uma pressão muito grande. Toda a nossa diretoria, da Fogo no Rabo, defende o tradicional, perdendo ou ganhando. Muita gente fala que somos a única que entra com uma pegada diferente, que somos corajosos. E eu respondo que isso é resistência e resiliência e vamos continuar fazendo isso. A Fogo no Rabo é estilizada, mas tem uma pegada muito mais forte, o tradicional prevalece”, enfatiza.

Essa fusão do tradicional e estilizado se mistura com as diversas influências culturais que Marabá transmite. Por ser uma região fronteiriça, com uma miscigenação de paraense, goianos, maranhenses, piauienses, entre outros, Marabá acaba produzindo uma cultura que transmite tudo isso.

Para Anderson, o Festejo Junino só aprimorou o espetáculo e a junina Explode Coração teve uma grande contribuição para isso, inspirando até hoje muitas quadrilhas, como a Fuá.

“Em meados de 2014, mais ou menos, as quadrilhas começaram a conhecer novas formas de fazer e foram aprimorando e evoluindo sem perder a tradição. É importante manter o roceiro. Marabá, inclusive, deveria ter duas classes como Parauapebas tem, que é a competição para quadrilha roceira e competição para quadrilha estilizada. A quadrilha Rabo de Palha, de Parauapebas, é totalmente roceira e todo mundo se encanta. É um verdadeiro espetáculo”, admite.

Polêmica do Show da Xuxa

Em 2022, a jurada Teka Sallé fez um comentário que gerou muita polêmica. “Vejo que precisa ter certo cuidado, porque passa a ser um espetáculo televisivo, um ‘Show da Xuxa’”.

Dias depois do episódio que respingou em José Scherer, que era o secretário municipal de Cultura, ele ‘jogou a toalha’ do Festejo e, um tempo depois, deixou a Secretaria.

Para Ademar Dias, é preciso que os coordenadores das juninas façam uma interpretação do regulamento do evento. “Infelizmente, essa evolução acabou prejudicando, em partes, o Festejo Junino. Ficou uma coisa muito linda, um espetáculo. O maior problema hoje é que boa parte dos colegas não lê o regulamento, criam algo da cabeça deles e querem que o jurado entenda. O jurado não vai entender nunca. Apresentam um verdadeiro espetáculo, só que não está dentro do regulamento”.

Por outro lado, Anderson Alves afirma que o embate com os jurados – e com algumas juninas sobre o ‘show da Xuxa’ foi porque os jurados preservaram o estilo roceiro e ‘deram notas que acabavam com os espetáculos’.

“Não é bem assim. Precisava entender como é a criatividade local e como é a forma de fazer junina. Eles condenaram os espetáculos (aquilo que estava mais fora da caixinha) e preservaram aqueles que estavam muito mais dentro do roceiro. A gente precisa segregar esses dois modos, e isso já foi pauta da Liga e é uma coisa que tem sido trabalhada”, consigna Anderson.

 

Festejo Junino nos próximos anos

“Meu sonho é voltar a ver 40, 50 pares dentro da arena apresentando uma quadrilha tradicional, com chinelo de couro, roupa de chita quadriculada”, diz Ademar Dias, da Fogo no Rabo.

“O futuro do Festejo Junino depende muito da comunicação e da união dos próprios grupos. A gente precisa olhar mais para o coletivo e fortalecer o festejo”, afirma Anderson Alves, da Fuá da Conceição.

Muito embora as quadrilhas estilizadas sofram – até hoje – algum tipo de resistência perene, e até velada, ‘as interferências’ não fazem com que elas desistam. Por outro lado, as quadrilhas tradicionais parecem que estão voltando com uma nova repaginada.

Com a chegada de mais uma edição do Festejo Junino de Marabá, as quadrilhas voltam aos holofotes e a grande questão é: teremos mais apresentações tradicionais ou estilizadas na arena da Colônia Z-30?

(Ana Mangas)