Correio de Carajás

Pizzaria manda massa sem recheio para criança autista e emociona família do Paraná: ‘Carinho enorme’

Pedido foi feito especialmente para criança de seis anos que possui seletividade alimentar. Especialista explica motivos do comportamento.

Foto: Reprodução

O que era para ser uma sexta-feira normal na vida de uma família de Fazenda Rio Grande, na Região Metropolitana de Curitiba, se tornou um dia recheado de carinho. Tudo porque eles fizeram um pedido fora do ofertado por uma pizzaria para atender a uma criança autista. Como resposta, receberam uma demostração de empatia.

Durante uma confraternização com a família, a enfermeira Kely Cristina Pereira decidiu pedir uma pizza. O pedido veio com uma pizza brotinho extra sem recheio, apenas a massa assada, e um recado de bom apetite com o símbolo do autismo desenhado.

O cuidado com o pedido foi inspirado por uma solicitação feita por Kely. Na reunião familiar estava presente João, de seis anos, sobrinho dela. Ele é autista e possui seletividade alimentar acentuada, ou seja, recusa alguns tipos de alimento. Leia mais sobre a condição a seguir.

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Por conta disso, o pedido foi feito com uma solicitação especial: ao invés de mandar o refrigerante, Kely sugeriu que a pizzaria mandasse apenas massa do lanche. Dessa forma, João não teria problemas para comer.

O pedido foi recebido por Eduarda Caroline Matoso, atendente do estabelecimento. Porém, Eduarda conta que se sentiu tocada pela solicitação e manteve tanto o refrigerante, quanto a pizza sem recheio, que foi enviada como cortesia.

Além disso, a atendente conta que decidiu fazer o desenho na caixa. Para a família de Kely, a ação simples fez a diferença.

“Foi um carinho enorme, a gente se sentiu super feliz. É difícil você viver em um mundo assim e perceber que outras pessoas têm carinho por uma situação dessa. Foi muito bacana, bem legal. Mudou a nossa sexta-feira grandemente”, afirmou Kely.

Família de Kely estava reunida quando decidiram pedir pizza — Foto: Kely Cristina Pereira/Arquivo Pessoal

Conforme a Secretaria de Saúde do Paraná, o transtorno do espectro autista (TEA) é um distúrbio do neurodesenvolvimento caracterizado por desenvolvimento atípico e que pode provocar manifestações comportamentais, déficits na comunicação e na interação social, padrões de comportamentos repetitivos e estereotipados, podendo apresentar um repertório restrito de interesses e atividades.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que há 70 milhões de pessoas com autismo em todo o mundo, sendo 2 milhões somente no Brasil. Estima-se que uma em cada 88 crianças apresenta sinais do transtorno.

Repercussão
Após a ação, Kely tirou uma foto do pedido e publicou em um grupo de recomendações no Facebook, que repercutiu.

Logo, a funcionária responsável pelo desenho começou a receber notificações do post e conta que ficou surpresa.

“Jamais na minha vida eu achei que ia ter essa repercussão, porque foi uma ação de imediato. Eu coloquei tanto amor, carinho e afeto naquele desenho, que ele transbordou de uma forma que não tive noção da dimensão”, conta Eduarda.

 

A atendente conta que tem um afilhado autista, o que serviu de inspiração para o desenho. “Acredito que me coloquei no lugar da Kely naquele momento”, afirma.

O gesto, que segundo Eduarda foi feito de maneira espontânea, fez a diferença para a família que o recebeu.

“Queria agradecer a moça que escreveu. Que ela continue fazendo isso, porque muda a vida das pessoas. A gente sente aquele calorzinho no coração por ver que as pessoas se importam e tiraram um tempinho para fazer aquele carinho para a gente”, diz Kely.

Preparo
Kely conta que também tem um filho de 17 anos, Gustavo, que faz parte do espectro autista.

Diferentemente do sobrinho, que tem um grau mais moderado de autismo, o transtorno se manifesta de forma leve em Gustavo. Porém, ainda assim, a família passou por situações desagradáveis em locais que não estavam preparados para lidar com diferenças.

Em uma ocasião, segundo a enfermeira, um estabelecimento recusou a preferência em uma fila de espera, direito garantido por lei à pessoas autistas desde 2012. Para Kely, atitudes como essa são frutos do desconhecimento.

“Eu vejo como a empatia e conhecimento da causa gera diferença na vida das pessoas”, conta.

Paraná tem mais de 3,4 mil moradores com a Carteira do Autista — Foto: Divulgação/Prefeitura do Guarujá

Entenda o que é seletividade alimentar
Segundo Kely, o sobrinho de seis anos, para quem a pizza sem recheio foi feita, possui uma seletividade alimentar acentuada: ele não consegue comer texturas misturadas e coisas cremosas.

De acordo com Aline Provensi, psicóloga especializada em autismo, o comportamento é comum em pessoas com o transtorno. Ela cita ainda que a seletividade pode ocorrer por duas bases: a hipersensibilidade sensorial e a rigidez cognitiva.

No caso da hipersensibilidade sensorial, segundo Provensi, a pessoa pode ter sensibilidade muito acima da média quando em contato com determinadas texturas, cheiros ou gostos.

Isso faz que, quando entra em contato com esses estímulos, a pessoa pode sentir náuseas, vertigem ou dores de cabeça.

“Dessa forma, procura por ingerir alimentos que não gerem esse desconforto e o resultado, geralmente, quando não há intervenção, é a limitação do repertório de alimentação desse indivíduo”, explicou a psicóloga.

Com relação à rigidez cognitiva, afirma a psicóloga, o autista pode vivenciar algum incômodo de origem sensorial e criar padrões de comportamento ao ingerir alimentos, como, por exemplo, procurar por se alimentar apenas com comidas amarelas ou comer somente formatos redondos.

“No espectro autista a seletividade alimentar é mais comum do que na maior parte da população por esse ser um transtorno do neurodesenvolvimento que tem uma das suas bases diagnósticas a resposta sensorial incomum, que se encontra no critério de padrões restritos e repetitivos de comportamento”, acrescentou a psicóloga.

Quando há sinais de desafios sensoriais, é indicado avaliação com profissional da Terapia Ocupacional para que se possa intervir e minimizar as dificuldades no cotidiano.

 

(Fonte: Mariah Colombo e Manuella Mariani/G1)