- Contextualizando
- Relatório de apuração norte-americana aberta após anúncio do tarifaço contra o Brasil cita serviço de pagamento instantâneo desenvolvido pelo governo, mas não propõe tributação da ferramenta
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Contextualizando: Políticos do governo e da oposição publicaram diferentes versões nas redes sociais sobre uma investigação dos Estados Unidos a respeito de práticas comerciais brasileiras. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, estaria querendo “taxar o Pix”. Já o deputado federal Gustavo Gayer (PL-GO) disse que Trump não quer prejudicar o método de pagamentos brasileiro, mas sim permitir que empresas americanas também ofereçam o serviço. O engajamento em torno do tema aumenta com a iminência da entrada em vigor de tarifas sobre produtos exportados do Brasil para os Estados Unidos, previstas para 1º de agosto.
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A declaração de Haddad divulgada em um trecho publicado em posts nas redes sociais foi feita durante entrevista ao Estadão/Broadcast. Ele afirmou que o governo federal “esclarece” os pontos levantados pelo Escritório do Representante Comercial dos Estados Unidos (USTR) na investigação comercial, mas questionou alguns pontos. “Agora, é estranho. Um presidente de um país querer taxar o Pix de outro país. Além de taxar as exportações, vai taxar o Pix? Ele vai encarecer os custos de transações financeiras no país”, disse.
A investigação comercial foi anunciada em 15 de julho, seis dias após Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, enviar uma carta ao presidente Lula (PT) comunicando que as exportações brasileiras sofrerão uma taxação adicional de 50% a partir de 1º de agosto. A proximidade dos dois eventos e a circulação acelerada de informações nas redes sociais gerou interpretações confusas sobre o tema.
O Pix é uma forma de pagamentos regulada pelo Banco Central (leia mais abaixo). O advogado Guilherme Costa Val, mestre em Tributação Internacional e sócio do escritório Ayres Westin Advogados, afirma que os Estados Unidos não poderiam taxar diretamente o Pix, por se tratar de um mecanismo de pagamento interno do Brasil. “O que eles poderiam fazer seria criar um mecanismo de pressão indireta. Por exemplo: bancos que utilizarem Pix para realizar pagamentos no Brasil serão penalizados de alguma forma pelos Estados Unidos através de uma multa qualquer. Isso seria possível. Acho improvável, mas seria possível”, afirma.
O especialista também diz que, pelo mesmo motivo, os Estados Unidos também não poderiam impedir o uso do Pix no Brasil — outra suspeita infundada difundida nas redes nos últimos dias. Segundo o advogado, a preocupação dos Estados Unidos com o Pix parece estar associada a uma suposta ameaça a empresas americanas que atuam no setor de pagamentos, uma vez que o Pix é gratuito.
Ao Comprova, o Ministério da Fazenda informou via assessoria de imprensa que a fala de Haddad ocorreu dentro do contexto da entrevista e se referia à possível ameaça representada pelo Pix e por novidades como o Pix parcelado, também gratuito e que entra em vigor em setembro, a mecanismos pagos de pagamento e parcelamento de empresas norte-americanas. Segundo a assessoria, o ministro não se referia a um risco de taxação do Pix, algo que a pasta reconhece não ser possível, por se tratar de um serviço brasileiro.
Trump vs Pix
Não há declarações oficiais de Trump contra o Pix ou anunciando a taxação do serviço de pagamento brasileiro por parte do governo norte-americano. Porém, no release em que a investigação do USTR é divulgada, é descrito que ela foi aberta para atender uma “direção específica” de Trump. A intenção é investigar, entre outras coisas, “os atos, políticas e práticas do Brasil relacionados ao comércio digital e serviços de pagamento eletrônico”.
Nos documentos oficiais, o governo norte-americano não cita o Pix diretamente, mas assinala que o Brasil possui “práticas injustas em relação aos serviços de pagamentos eletrônicos”, enfatizando que aqueles desenvolvidos pelo governo brasileiro obtêm vantagem. Essa prática (Pix) estaria minando a competitividade comercial de empresas dos EUA, segundo o relatório norte-americano.
Uma hipótese para o interesse dos Estados Unidos sobre o uso do Pix seria o fato de que o surgimento do Pix em 2020 poderia ter reduzido a dependência de bandeiras de cartão de crédito e de big techs, interessadas em soluções de pagamento como o WhatsApp Pay — ferramenta que teve a função de transferência por meio de cartão de débito descontinuada no Brasil no fim de 2024 em favor de outras opções mais populares de pagamento, como o próprio Pix.
O escrutínio das autoridades estadunidenses sobre o Pix não é novidade, de acordo com o que foi noticiado pela Agência Brasil. Há três anos o USTR já deixava claro, em um documento oficial, que o país estava preocupado com os impactos da massificação do Pix.
A edição de 2022 do relatório foi a única até o momento a mencionar nominalmente o meio de pagamento brasileiro.
O Comprova procurou o Banco Central para questionar o caso, mas não obteve retorno até a publicação deste conteúdo.
O que é o Pix
Idealizado pelo Banco Central do Brasil (BC) desde 2016 e em operação desde novembro de 2020, o Pix é um meio de pagamento instantâneo que possibilita que transferências bancárias sejam realizadas em poucos segundos, a qualquer hora ou dia da semana.
O Pix é rápido e fácil porque, em vez de informar todos os dados bancários da pessoa que vai receber, o usuário só precisa da chave Pix, que pode ser o CPF, celular, e-mail, CNPJ ou uma chave aleatória. Com essa chave, o sistema já encontra a conta correta para enviar o dinheiro. Também é possível pagar usando um QR Code gerado pelo recebedor.
O Banco Central é o responsável pela regulação do Pix. A instituição possui independência do governo federal. O governo Lula não pode determinar mudanças no método de pagamentos.
Fontes consultadas: O Comprova buscou nos veículos de imprensa profissionais notícias de declarações de Donald Trump sobre o Pix. A reportagem procurou o site da USTR para acessar os documentos a respeito da investigação aberta. Para traduzir os documentos, foi usada a ferramenta NotebookLM do Google. Portais do governo e da imprensa oficial brasileira também foram acessados. Também foram feitos contatos com a assessoria do Banco Central do Brasil, do Ministério da Fazenda e entrevista com o advogado Guilherme Costa Val.
Por que o Comprova contextualizou este assunto: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições. Quando detecta nesse monitoramento um tema que está sendo descontextualizado, o Comprova coloca o assunto em contexto. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Para se aprofundar mais: O Estadão Verifica investigou postagens que afirmaram que Trump quer acabar com o Pix. O Comprova já explicou sobre a sanção imposta pelos Estados Unidos ao Brasil e que a tarifação em Pix para empresas é facultativa e existe desde 2020.
Desde 2020 o Correio de Carajás integra o Projeto Comprova, que reúne jornalistas de diferentes veículos de comunicação brasileiros para descobrir e investigar informações enganosas, inventadas e deliberadamente falsas sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições no âmbito federal compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.