(*) José Stênio Souza
A Petrobras, instituída em 1953 e instalada no Rio de Janeiro no ano de 1954, historicamente, com forte relação de correspondência ao processo de industrialização do Brasil.
Leia mais:O mote “O petróleo é nosso” teve papel relevante na mobilização da sociedade civil, ainda que hoje, 40,6% do capital da empresa seja propriedade de investidores estrangeiros (Petrobras, 2020), portanto, se distanciando do desafio do Estado da agenda de políticas nacionalistas e desenvolvimentista de Vargas (1882-1954).
Mas, como diz o ditado popular “na terra de sapo de cócoras com ele”, a Petrobrás se mantém solidária com os acionistas, natural aos olhos do capital, pondo para debaixo do tapete o discurso do Presidente da República – Revista Veja, 28/10/2021 – de que a Petrobras deva ter um “viés social”: “não tem que ser uma empresa que dá um lucro muito alto”.
A empresa vem a público e “orgulhosamente” informa que reverteu o prejuízo da companhia no segundo semestre do ano de 2020, e divulga o magistral lucro de R$42,9 bilhões, que permitiu antecipar dividendos aos acionistas no montante de R$31,6 bilhões.
Recorde na história da distribuição de dividendos pela companhia, ainda que os reajustes de preços dos combustíveis, em especial o do Diesel, seja forte vetor inflacionário, dado que o transporte rodoviário é a escolha do país na distribuição e escoamento da produção bens de consumo final.
O impacto é direto na formação dos preços no mercado de consumo, de forma mais contundente nos municípios em que a base produtiva local tem pouca relevância no abastecimento local.
Impressionante o registro de que do montante total transferido para os acionistas, R$11,6 bilhões foram destinados ao Governo Federal e ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.
Isto é, a Petrobras, para além dos acionistas, enche os cofres do país, ainda que os reajustes dos combustíveis contribuam para uma inflação oficial, já de dois dígitos. Do montante de dividendos distribuídos, R$31,6 bilhões, segundo a companhia, os acionistas brasileiros levam R$7,7 bilhões, enquanto os estrangeiros abocanham R$12,3 bilhões.
De um lado, impossível não compreender o papel da companhia enquanto iniciativa privada, em relação ao compromisso de honrar o compromisso de distribuir dividendos com os acionistas. Por outro lado, o Estado, se se considera a fala do Presidente da República, não poderia exercitar o seu “viés social”, diante de depoimentos como o de Maria de Lourdes da Silva, residente na Comunidade do Trilho, Fortaleza, de que “…quando o caminhão passa cedo, dá para conseguir coisas boas, mortadela, pão, salsicha e danone…”(BBC News Brasil, 30.10.2021).
Ou então o de Maria Goretti Dutra, da mesma comunidade, que se orgulha de dizer que o seu foco são as filhas, e diz que quer “…ver cada uma delas comendo, enche a minha barriga. Tu acreditas?…” e “…as vezes, para aguentar o tranco, eu como farinha com água…”. E continua, “…imagine você encontrar alimentos no lixo e não conseguir ferver para desinfetar, então quando não é possível, não tem o que fazer. Cheirou? Tá bom? Só resta comer…”(BBC News Brasil, 30.10.2021).
Aos olhos da Petrobras, o desafio da eficiência foi alcançado, dado que o lucro divulgado significou um aumento de 3.572,2% ante os números do primeiro trimestre deste ano.
Enfim, para a companhia, que importa os registros de que já existam comerciantes ofertando “osso”, “pé de galinha” e/ou “carcaça de peixe”, ou ainda que brasileiros saiam em disparada em direção ao caminhão do lixo, na esperança de encontrar o que comer.
Definitivamente, o Estado – Poder Público – não pode perder de vista que o diferencial da construção da agenda de políticas públicas, para além do interesse coletivo, está na atenção especial aos que se encontram abaixo da linha da vida, e/ou que integram a parcela da população em situação de extrema pobreza.
* O autor é professor efetivo da FACE/UNIFESSPA, além de coordenador do Laboratório de Inflação e Custo de Vida – LAINC/Marabá, e colaborador no Laboratório de Contas Regionais da Amazônia-LACAM