Nesta época do ano, as queimadas se intensificam e alteram o cenário das cidades, ocasionando diversos prejuízos e transtornos. As condições climáticas de estiagem, altas temperaturas, ventos fortes e baixa umidade são fatores que agravam a situação. Mas é a ação humana uma das principais responsáveis pelo fogo que destrói e contribui para um período caótico, tanto para a saúde do planeta quanto da população.
Recentemente, a Agência Espacial Americana (Nasa) divulgou estudo sobre os focos incêndios na região amazônica e constatou que a maioria das queimadas tem origem no desmatamento. Segundo as análises, foram observadas grandes concentrações de queimadas em áreas próximas a importantes rodovias, sendo o Pará um dos estados mais atingidos pelo fogo.
Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) apontam que, em julho, os incêndios na Amazônia aumentaram 28% em comparação ao ano passado. Já nos primeiros 17 dias de agosto, foram registrados mais de 16 mil focos de incêndios na Amazônia. As cidades paraenses de Altamira, São Félix do Xingu e Novo Progresso aparecem entre as cinco com maior número de queimadas no país.
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Segundo o professor Dr. Wallace Beiroz, do Instituto de Estudos do Xingu (IEX/Unifesspa), de forma geral, as queimadas se concentram onde há expansão de atividades ligadas, principalmente, à monocultura, pecuária, madeireiras, garimpo, além de atividades ilegais.
“Se observarmos os dados, grande parte dessas queimadas ocorreram no arco do desmatamento. Essa área é conhecida pela grande taxa de desmatamento, principalmente pela expansão da fronteira agrícola”, explica.
O pesquisador relaciona a incidência do fogo com áreas que possuem uma fiscalização ambiental precária, sendo raros os eventos de queimada natural. No bioma Amazônia, essa prática criminosa, prevista no art. 41 da Lei de Crimes Ambientais, tem um impacto ainda maior.
“A floresta Amazônica não evoluiu sob a pressão do fogo, como ocorreu em outros ambientes como o Cerrado. A vegetação, a fauna e os micro-organismos não desenvolveram características que os tornem mais resistentes às queimadas, sendo as suas consequências devastadoras. Além disso, uma área queimada torna-se mais suscetível a pegar fogo novamente, mesmo que cresça uma vegetação ali”, ressalta Wallace Beiroz.
Outra consequência perceptível em áreas incendiadas é a destruição da vegetação. Esta tem um papel importante na redução do gás carbônico na atmosfera, o que ajuda a reduzir as consequências danosas do efeito estufa.
De acordo com o pesquisador, “esse efeito junto com outros leva às alterações climáticas, assim toda a dinâmica de estações, chuva, variação térmica é alterada, e a gente acaba vendo recordes de calor, épocas de estiagem mais longas e severas, tempestades mais fortes, entre tantas outras alterações climáticas”.
Além dessas questões climáticas, há também a destruição de diversos habitat de organismos que ali vivem. “As queimadas ocasionam a perda de biodiversidade, o que muitas vezes pode ser espécies de interesse farmacêutico, de povos que ali habitam e utilizam a diversidade para seus costumes e subsistências”, explica o professor, que estuda os impactos da mudança de cobertura do solo sobre a biodiversidade e o funcionamento dos ecossistemas na Amazônia.
Perigo à saúde humana
Além de ser um grande problema ambiental, as queimadas acarretam em uma série de prejuízos à saúde humana. É o que explica o professor da Unifesspa, Carlos Podalirio, doutor em Pneumologia. “Por conter vários elementos tóxicos ao nosso organismo, a fumaça liberada durante as queimadas agrava algumas doenças respiratórias, como a asma, bronquite, sinusite, rinite e a Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC)”.
De acordo com o professor, crianças, pessoas com doenças crônicas e idosos são os mais vulneráveis aos impactos da fumaça no organismo. “Esses grupos podem ter a imunidade mais prejudicada e estar mais suscetíveis a complicações. Porém, a fumaça das queimadas pode também afetar pessoas sadias, desencadeando doenças respiratórias ou processos alérgicos”.
As queixas por problemas respiratórios se multiplicam nessa época de estiagem. Natalia Hilgert, professora da Unifesspa em São Félix do Xingu, relata que, nas últimas semanas, sua saúde tem sido prejudicada por conta da constante fumaça na cidade. “Tenho me sentido asfixiada, com maior cansaço ao longo do dia e com a garganta constantemente inflamada. A pandemia, por si só, já nos obriga a ficar em casa. Mas, o fogo nos faz refém, pois, temos que ficar com portas e janelas fechadas o dia inteiro. Isso também afeta nossa saúde mental”, diz.
Os transtornos não param
Fora os inúmeros danos ao meio ambiente e à saúde humana, as queimadas também trazem prejuízos financeiros e transtornos à população. Na semana passada, um incêndio de grandes proporções, às margens da PA-279, que liga Xinguara a São Félix do Xingu, destruiu a rede de fibra óptica de internet, deixando diversas cidades da região sem acesso à comunicação.
Uma realidade que a professora Natalia Hilgert tem vivenciado com frequência. Ela conta que a falta de internet tem impactado na sua rotina de trabalho, principalmente neste momento em que desempenha suas atividades de forma remota, por conta da pandemia do novo coronavírus.
“Quase todos os dias ficamos sem internet por algumas horas ou o dia todo. Às vezes, nem com os serviços de telefonia móvel podemos contar. Isso nos faz adiar reuniões ou orientações de alunos, e provoca prejuízos para as pesquisas científicas, pois precisamos ter acesso a dados que estão em base e plataformas virtuais”, afirma.
O fogo às margens das rodovias também revela um perigo para segurança de quem trafega por essas áreas. A visibilidade dos condutores fica comprometida por conta da fumaça, aumentando os riscos de acidentes. Também não é raro ver animais mortos ao longo das estradas, vítimas de atropelamento ao tentar fugir das chamas.
O cenário futuro e possíveis soluções
O professor Wallace Beiroz alerta que, com o avanço das mudanças climáticas e o descaso global com as questões ambientais, a tendência é a piora dessa situação. “Estamos passando por uma crise sanitária e ela está diretamente relacionada ao desrespeito que nós temos com o meio ambiente. Diversas zoonoses e doenças poderiam ser evitadas se tivéssemos a consciência de que somos parte do meio ambiente”.
Para Beiroz, a solução para evitar esse cenário caótico passa por um trabalho de educação ambiental, a partir de uma política que estimule o fim das queimadas, com a conscientização sobre os perigos e as consequências dessa prática, tanto para a saúde quanto para o meio ambiente, em curto e longo prazo.
“É preciso não só penalizar quem queima, mas também incentivar para que essas práticas não sejam mais utilizadas. Isso requer o incentivo à valorização das culturas e das tradições que manejam o ambiente sem queima. Precisamos de legislações ambientais mais severas em relação à conservação ambiental e práticas constantes de educação ambiental”, diz.
Enquanto esperam mais rigor nas fiscalizações e ações mais enfáticas de prevenção às queimadas, os professores articulam iniciativas envolvendo órgãos públicos, setor privado e sociedade civil, para denunciar os casos nas mídias locais e nacionais.
“É triste ver nossas florestas queimando. De nossas casas, vemos a Área de Proteção Ambiental Triunfo do Xingu em chamas por dias a fio. Nas rodovias, encontramos animais mortos ou feridos por causa do fogo. É impossível ignorar. Todos precisam saber e se conscientizar dos males provocados pelas queimadas ilegais, que têm nos assolado diariamente”, lamenta a professora Natália Hilgert. (Ascom/Unifesspa)