Em 29 de janeiro é celebrado o Dia da Visibilidade Trans, data importante na luta pelos direitos dessas pessoas. Neste cenário, o Núcleo de Estudos em Neurociências e Comportamento, da Faculdade de Psicologia da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), divulgou nesta quarta-feira (29) os resultados de uma pesquisa importante para a comunidade LGBTQIAPN+ e apresentou o relatório “Estresse de minoria em pessoas trans e não-binárias”.
A pesquisa, de abrangência nacional, obteve 249 respostas. Dessa amostra, 38% foram de pessoas cisgênero (quem se identifica com o gênero que lhe foi atribuído ao nascer); 33% foram pessoas não-binárias (são aquelas que não se identificam como homem ou mulher); 20% transgêneros (aquelas que não se identificam com o gênero que lhes foi atribuído ao nascer) e 9% referente a quem se identifica com outros gêneros.
Os dados do estudo apontam que pessoas transgênero, em comparação às cisgênero, apresentam chance 23,1 vezes maior de terem evitado locais ou situações por medo de sofrerem retaliação por identidade de gênero. Pessoas não-binárias apresentam chance 5,7 vezes maior e entre outras identidades de gênero esse número é 4,5 vezes maior. Esses fatores de proteção são entendidos como transfobia internalizada (fenômeno pelo qual pessoas transgênero se isolam ou se autoexcluem da vida social ou profissional por vergonha de sua identidade e/ou medo de sofrer violência).
Leia mais:Nesse sentido, a pesquisa reitera uma pauta importante para a luta LGBTQIAPN+: o cuidado com a saúde mental de pessoas da comunidade. Um levantamento do Observatório de Mortes e Violências Contra LGBTI+ culminou no Dossiê de LGBTIfobia Letal, que reúne dados do ano de 2023. O relatório revela que pelo menos 18 mortes foram por suicídio.
As informações levantadas pelos pesquisadores da Unifesspa revelam que 73,5% das pessoas transgênero, 85,4% não-binárias e 86,9% das pessoas com outras identidades de gênero que responderam à pesquisa apresentavam sintomas suficientes para uma investigação clínica mais aprofundada. Entre participantes cisgênero, 50% apresentaram sinais clinicamente importantes.
Ou seja, é mais provável que uma pessoa da comunidade LGBTQIAPN+ desenvolva transtornos mentais comuns.
IMPACTO
A pesquisa foi realizada por Cyber, Gabi Dutra, Larissa Otsuka Mesquita, Caio Maximino, Dom AC Condeixa de Araújo e estudantes do curso de Psicologia da Unifesspa. A equipe é composta por pessoas cisgênero e transgênero. A compilação dos dados aconteceu entre novembro de 2024 e janeiro de 2025. Os participantes responderam a questionários online sobre suas vivências de preconceito e violência relacionadas a sua identidade de gênero, seus sintomas e fontes de apoio. A pesquisa foi aprovada pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa.
“Existe na literatura um modelo chamado de ‘estresse de minoria’, que propõe que pessoas pertencentes a minorias sexuais – em especial pessoas LGBTQIA+ – são expostas durante toda a sua vida a uma carga extra de estresse devido à desvalorização de suas identidades pela nossa cultura”, explica o professor Caio Maximino, coordenador da pesquisa.
O elevado nível de estresse é avaliado a partir dos dados coletados pela pesquisa, que indicam que, em comparação com pessoas cisgênero, transgêneros têm 3,8 mais chances de sofrerem violência por sua identidade de gênero. Na sequência, pessoas não-binárias tem 2,2 vezes mais chances e para outras identidades a chance é 1,6 maior.
Uma das hipóteses da equipe ganhou apoio com os resultados obtidos. Foi verificado que políticas e leis discriminatórias, dificuldades de acesso a serviços e direitos básicos, eventos de vida estressantes direta ou indiretamente relacionados à identidade e/ou orientação sexual, estressores crônicos relacionados à vida precária como LGBTQIA+, e experiências cotidianas de discriminação e micro agressões levam à internalização do estigma. “Assim, essas pessoas acabam escondendo suas identidades para se proteger da subordinação, exclusão, e opressão, aprendendo a rejeitar sua sexualidade e identidade associadas, e/ou desenvolvendo expectativas de rejeição devido à consciência do estigma social a qual estão sujeitadas. Usando os termos do Conselho Federal de Psicologia, é um verdadeiro aniquilamento da subjetividade”, diz Maximino. As declarações ocorreram via release enviado à imprensa.
Pessoas transgênero têm sua existência invisibilizada e negada, uma violência que é muitas vezes internalizada por elas. “Mesmo quando rejeitamos essas violências, passamos nossas vidas tentando descobrir onde estamos em segurança, e onde podemos ser quem somos. A nossa pesquisa mostrou que isso está fortemente relacionado com o sofrimento psíquico”, afirma Cyber.
Com a pesquisa, também foi possível concluir que pessoas transgênero, pessoas não-binárias, e pessoas com outras identidades de gênero apresentaram mais sintomas internalizantes como disforia, exaustão, suicidalidade, pânico, etc.
SAIBA MAIS
No universo da diversidade de gênero, a Comissão de Direitos Humanos de Nova Iorque identifica 31 identidades, entre elas: agênero, andrógino, gênero de fronteira, gênero fluido, gênero neutro, “gender-queer”, gênero em dúvida, gênero variante, “hijra”, gênero não conformista, “Butch”, bigênero, não-binário, “male to female” (MTF), “female to male” (FTM), terceiro sexo, nenhum, homem, mulher.
Para a pesquisa, o instrumento criado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), usado para a triagem de transtornos mentais comuns, foi substituído para uma técnica estatística a fim de criar pontos de corte especificamente para a amostra.
Queixas somáticas inespecíficas, irritabilidade, insônia, nervosismo, dores de cabeça, fadiga, esquecimento, falta de concentração, manifestações que podem se caracterizar como sintomas depressivos, ansiosos e somatoformes.
SOBRE A DATA
No dia 29 de janeiro de 2004, foi organizado, em Brasília, um ato nacional para o lançamento da campanha “Travesti e Respeito”. O ato foi um marco na história do movimento contra a transfobia e na luta por direitos e a data foi escolhida como o Dia Nacional da Visibilidade Trans.
Para celebrar e reafirmar a importância da luta pela garantia dos direitos das pessoas trans foi definido que o mês de janeiro seria inteiro dedicado à visibilidade dos transexuais. Intitulada como Janeiro Lilás, a iniciativa busca a sensibilização da sociedade por mais conhecimento e reconhecimento das identidades de gênero, com o intuito de combater os estigmas e a violência sofridos pela população transexual e travesti. (Luciana Araújo)