Correio de Carajás

Pesquisa aponta lacunas entre ensino superior e mercado de trabalho

No recorte analisado, apenas um em cada 10 graduados consegue ingressar em cargos compatíveis com a formação e 12% dos egressos das universidades conseguem cargos de nível superior

Dificuldades financeiras e falta de oportunidades motivam a busca desses profissionais por cargos de nível médio - (crédito: Reprodução/Cortex)

Cursar uma faculdade é um sonho para muitos brasileiros. De acordo com o IBGE, em 2023 a proporção de trabalhadores com ensino superior alcançou os 23,1%, um aumento significativo em comparação aos 14,1% registrados há 11 anos. Além disso, a taxa de desemprego para profissionais com ensino superior completo é 56,2% menor em comparação com aqueles que têm apenas o ensino médio. Outra estatística colhida pelo órgão é que a média dos salários para os formados no nível superior era de R$ 7.622, enquanto os de nível médio era de R$ 2.827, em 2022.

Informações como essas fazem muitas pessoas almejarem a conclusão de suas formações, abrindo mão de outros planos para conquistar seus diplomas. Porém, o estudo O ensino e o mercado de trabalho — análise de cenário, encomendado pela Geofusion, da empresa Cortex, líder em inteligência de dados na América Latina, mostra que a graduação em uma universidade não é garantia de emprego na área.

Análise
Ao observar a demanda do mercado por uma análise real do cenário de egressos das universidades no mercado de trabalho, a empresa iniciou um levantamento com fontes oficiais do governo. “Por meio da Lei de Acesso à Informação, a Geofusion conseguiu acesso às bases que permitiram a combinação inédita de dados do Ministério da Educação (MEC) e do Ministério do Trabalho (MTE). Ao todo, foram mais de 400 mil registros que foram estruturados e combinados pelo nosso time de cientistas de dados, o que permitiu entender o cenário”, explica Isabela Cavalcanti de Albuquerque, gerente de Produtos de Dados da Geofusion e uma das responsáveis pelo estudo.

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A pesquisa revelou que, apesar do aumento nas matrículas no ensino superior nos últimos anos, a maioria dos formados acaba ocupando vagas de nível médio quando se trata de contratações por empresas no modelo CLT. Considerando ainda os 15 cursos com o maior número de matriculados no país, apenas um em cada 10 graduados consegue ingressar no mercado em cargos compatíveis com a sua formação. Já em relação aos 10 maiores cursos do Brasil em número de matrículas, menos de 9 mil dos quase 67 mil formados ingressaram em cargos de nível superior, representando apenas 12% dos egressos das universidades no recorte analisado.

Entre os recém-formados em enfermagem, apenas 7% atuam em cargos de nível superior. Para os graduados em direito, esse número é de 9%. De modo geral, a maioria dos graduados ocupa posições como assistente administrativo (37%), auxiliar de escritório (18%) e auxiliar de serviços jurídicos (15%). No caso dos formados em administração, apenas 3% atuam como administradores, enquanto 52% trabalham como assistentes administrativos e 36% como auxiliares de escritório. “Muitas vezes, os estudantes investem alto na formação superior e se dedicam por anos para aprimorar a formação, mas o cargo ocupado nem sempre está à altura do investimento realizado”, afirma Isabela.

Novos caminhos
Lyssa Brandão, 30 anos, foi uma das pessoas a passar por essa experiência. Atualmente, ela trabalha como maquiadora, mesmo sendo formada em direito. “Meu sonho era cursar psicologia, mas minha família não me apoiava, diziam que eu iria ‘morrer de fome’. Então, decidi cursar direito para garantir uma melhor inserção no mercado de trabalho”, compartilha.

Porém, as expectativas não foram cumpridas. “Eu me formei em 2016 e em 2018 passei na OAB e fiquei animada para advogar, mas encontrei dificuldades porque eram muitos requisitos necessários como pós-graduação e experiência de anos na área. A maioria dos escritórios de advocacia não querem dar a primeira oportunidade e eu não consegui fazer estágio na época da faculdade, pois precisava de um emprego CLT.”

Assim, Lyssa optou por seguir novos caminhos. “Sempre gostei de maquiagem e me maquiava bem, então minhas amigas me incentivavam a gravar vídeos e atender clientes. Quando chegou a pandemia, eu, que trabalho como terceirizada, passei muito tempo livre, então decidi me arriscar como maquiadora. Me sinto mais feliz e agora estou seguindo o sonho de cursar psicologia”, conta.

Contatos
Patrick Leal, 29, também passou por uma situação parecida. “Me formei em biomedicina na Universidade Federal Fluminense (UFF) em 2018. Eu escolhi o curso porque me interessava pela área e pretendia reutilizar algumas matérias posteriormente para cursar medicina. Depois que me formei, acabei não conseguindo emprego na área nem tempo para outro curso. Na minha opinião, conseguir se empregar em biomedicina é quase impossível. Aqui em Brasília, você só consegue se tiver contatos”, explica. “Após um tempo, eu desanimei, percebi que se não corresse atrás de outra coisa não ia conseguir me sustentar, então fiz entrevista para ser auxiliar administrativo em uma empresa do ParkShopping e fui contratado. Estou aqui há dez meses”, completa.

Recolocação
Ricardo Aparecido, 44, que atualmente trabalha como motorista de aplicativo, também enfrenta dificuldades e já está fora do mercado de sua área de formação há quase sete anos. “Me formei primeiro em desenho industrial, em 2005, mas não consegui trabalhar na área, então comecei a cursar publicidade e propaganda e me formei em 2008. Nessa área, também enfrentei dificuldades e consegui trabalhar apenas como estagiário, freelancer e PJ por alguns meses. Para tentar me recolocar no mercado, resolvi fazer uma terceira graduação em gestão comercial, mas também não consegui atuar. Acredito que a maior dificuldade para entrar no mercado de trabalho é a falta de experiência na área”, comenta.

Diagnóstico
Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) indicam que a maior parte dos trabalhadores do Brasil possui ensino médio completo e a maioria das vagas ofertadas também é direcionada para esse perfil. De acordo com Maria Andreia Lameiras, técnica de planejamento e pesquisa da Diretoria de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Ipea, nos últimos anos, o crescimento brasileiro tem sido muito focado nos serviços. “Esse é o setor que mais cresce e, consequentemente, o que mais emprega. Os empregos gerados nesse setor são, em sua maioria, de baixa qualificação, exigindo menos escolaridade. Então, esses são os empregos mais comuns”, explica.

“Dessa forma, muitos recém-formados, quando saem da faculdade, têm duas opções: se capacitar mais para esperar uma vaga na sua área ou aceitar um emprego que não requer sua qualificação imediata, mas que pode manter até encontrar algo melhor. Infelizmente, para a maioria da população brasileira, esperar por um bom emprego não é uma opção viável, pois há contas a pagar e, às vezes, uma família para sustentar”, completa a pesquisadora.

A segunda questão levantada por Maria Andreia é a qualidade do ensino superior no Brasil. “Muitas pessoas têm o diploma, mas não possuem o conhecimento necessário. Ao se candidatar a uma vaga, os empregadores frequentemente identificam que, apesar do diploma, o candidato não possui os requisitos necessários para a vaga.”

O head da empresa Networkme, Luciano Cacace, afirma que existe uma distância entre a formação universitária e as demandas do mercado de trabalho. “As universidades seguem um currículo imposto pelo MEC, que possui elementos valiosos, mas não acompanha as mudanças rápidas do mercado. As empresas valorizam muito mais as habilidades comportamentais e individuais do que a formação formal das instituições”, esclarece.

Prejuízos
Solange de Castro, especialista em carreira e professora de liderança no Ibmec, afirma que um dos principais problemas é a desmotivação. “É muito complicado para o funcionário quando ele tem condições de contribuir mais, mas não tem espaço para isso. As tarefas não exigem e não requerem a graduação feita. Isso desmotiva”, elucida. Essa problemática atinge não só o empregado como também o empregador, como explica a especialista. “Se existe uma vaga na qual os candidatos de nível médio e superior aceitam receber a mesma remuneração, é mais provável que o empresário opte pela pessoa mais qualificada. Nem sempre essa é a melhor decisão porque a desmotivação leva à improdutividade e ao baixo desempenho”, completa.

Outros prejuízos são a perda de competitividade do país no cenário global, o achatamento salarial em cadeia, a redução da arrecadação de impostos e a insustentabilidade do sistema previdenciário do país. “O modelo de crescimento econômico do Brasil continua baseado em serviços de baixa qualificação, enquanto em economias desenvolvidas, o crescimento é sustentado por serviços que exigem maior qualificação”, explica Solange.

Maria Andreia complementa ressaltando que, quanto mais um trabalhador de nível superior fica fora da sua área de atuação, mais difícil é para ele ingressar nela. “Estudos mostram que é mais fácil para recém-formados conseguirem empregos dentro da sua área do que para aqueles que estão fora dela há alguns anos. Isso ocorre porque o mercado pode interpretar o tempo sem emprego na área como falta de qualificação recente, o que pode ser um obstáculo na busca por oportunidades melhores”, conta.

Dicas
De acordo com Solange, a capacitação e a qualificação consistente são essenciais. “As pessoas que têm uma boa graduação, que aproveitaram bem esse período para fazer estágio, buscar experiência e enriquecer o currículo, tendem a ter mais facilidade de conseguir uma posição de nível superior. Não basta apenas o diploma; a graduação deve ser sólida, a ponto de proporcionar verdadeiras condições para a pessoa adquirir habilidades e especialidades. Capacite-se ao ponto de o seu currículo ser desejado para cargos compatíveis com sua qualificação”.

Outra indicação é encontrar maneiras de aplicar os conhecimentos adquiridos na faculdade quando se é necessário aceitar empregos de menor qualificação para garantir renda. “Isso trará mais qualificação e tornará o profissional apto para quando surgir uma vaga adequada à sua formação”, explica Maria Andreia.

(Fonte: Correio Braziliense)