Correio de Carajás

Parauapebas registra alto índice de gravidez na adolescência

O estupro de vulnerável soma dados alarmantes em Parauapebas, onde é grande o número de meninas que engravidam na faixa etária entre 10 e 14 anos. Segundo o Conselho Tutelar II, isso vem fazendo as famílias optarem, em certos casos, pela interrupção da gravidez, que é permitida por lei nesses casos.

Em 2017, foram quase 400 casos de gravidez nessa faixa etária e oito casos de intervenção da gestão de forma assistida. Este ano, já foram realizados dois procedimentos.

A conselheira tutelar, Gardênia Martins, explica que existe a gravidez provocada pelo estupro de vulnerável, que é relação muitas vezes consentida, mas a menina é menor de 14 anos, e o estupro, quando a vítima já tem mais de 14 anos. Os maiores casos de gravidez estão nessa primeira situação, quando a menina é abusada sem seu consentimento ou de forma consensual, quando acontece com o namorado ou a pessoa com quem ela vem se relacionando.

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Como ainda é uma criança, em fase de formação física e de caráter, é considerado estupro e o violador vai responder criminalmente por isso. Nesses casos, quando há a gravidez, a lei permite que seja interrompida. Mas existe um procedimento a ser seguido, explica à conselheira.

“É uma opção dada pela justiça, a intervenção médica para interromper a gravidez. Mas primeiramente a família precisa demonstrar o interesse por esse procedimento e procurar a delegacia para registrar a ocorrência do estupro de vulnerável e dizer que quer a intervenção. Essa família é encaminhada, no caso de Parauapebas, para o Hospital Municipal, que faz os trâmites legais e a vítima é encaminhada para Belém, para fazer o procedimento na Santa Casa de Misericórdia”, esclarece Gardênia.

Segundo a conselheira, a idade gestacional para interromper a gestação é de até três meses e meio ou de acordo com a avaliação médica. Ela observa que a vítima recebe todo o acompanhamento médico e psicológico, para tentar superar o trauma.

Gardênia destaca que boa parte dos casos de gravidez em decorrência de estupro de vulnerável não chega aos conselhos tutelares. Os dados de Parauapebas, diz ela, só se tornaram de conhecimento deles e do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e Adolescente (Comdcap) este ano, após o Ministério Público, na audiência pública que teve para debater os casos de violência e exploração sexual de crianças e adolescentes no município, solicitar este levantamento ao Hospital Municipal.

“Isso é um absurdo porque se trata de estupro de vulnerável, que é um crime. O conselho e os outros órgãos deveriam ter sido avisados, até para que a família recebesse a orientação, como a opção para a intervenção da gravidez”, ressalta a conselheira, pontuando que a opção da intervenção é muito pouco divulgada, porque ainda há muitas barreiras, como a religiosa.

“Mas a gente precisa deixar a família ciente, que há essa opção. Chegou um caso de estupro de vulnerável, a idade gestacional está dentro do que permite a intervenção, a família é orientada que há essa opção. Ela é quem decide se aceita ou não”, enfatiza.

Ela explica ainda que a família também, quando decide pela continuação da gravidez, recebe a orientação que se quiser colocar o bebê para adoção, vai ter assistência, da mesma forma que se decidir criar a criança. De acordo com Gardênia, boa parte sempre decide criar a criança. “A opção que a família decide, a gente dá o suporte”, frisa, dizendo que um dos casos de intervenção foi em uma menina de 10 anos, que estava sendo abusada pelo padrasto.

Todas as vítimas de abuso sexual que passam pelo conselho, diz Gardênoa, são encaminhadas para atendimento o Centro de Referência Especializada de Assistência Social (Creas). Ela observa que, apesar da ajuda profissional, o trauma geralmente é para o resto da vida.

Inclusive, afirma, em muitas meninas o trauma é tão grande que criam aversão a homens e, algumas, optam por outra orientação sexual. “Há pessoa que ainda culpam as vítimas pelo abuso e estupro, o que é um absurdo. Isso é crime e deixa sequelas para o resto da vida”, conclui.

Tratamento pode demorar anos

O tratamento de vítima de violência sexual pode demorar anos, diz a psicóloga Daniele Leite, coordenadora do Creas do Bairro Cidade Nova. Ela explica que no centro há duas psicólogas e duas assistentes sociais só para cuidar dos casos de crianças e adolescentes.

“A gente trabalhar com a vítima e também com a família, buscando o fortalecimento para a superação do trauma”, informa, ressaltando que o tratamento sempre começa após a vítima ser encaminhada ao centro pelas redes protetoras.

Ela explica que cada caso é um caso. Em alguns, o tratamento é mais rápido, mas em outros pode demorar anos. Segundo Daniele, no ano passado foram atendidos no centro 113 casos de abusos e suspeita de abusos sexuais. Desse total, 42 eram crianças e adolescentes. Este ano, já foram atendidos 12 casos.

A psicóloga frisa que o crime sexual é um dos mais difíceis de ser combatido porque em muitos casos o violador é membro da família ou pessoa próxima da vítima. “A orientação dada às crianças é sempre tomar cuidados com pessoas estranhas. E como dizer que ela também precisa tomar cuidado com quem a deveria proteger da violência? É uma situação difícil”, lamenta, ressaltando que nesses casos, o trauma é maior na vítima.

Ela aconselha sempre os pais, responsáveis ou quem cuida da criança ou adolescente a estarem atentos ao comportamento delas. “Qualquer mudança comportamental e emocional deve ser pesquisada, assim como marcas que aparecem no corpo. “Quando a criança fala alguma coisa, nunca diga que ela está mentindo. Criança inventa, sim, mas no caso de coisas relacionadas a sexo, não é comum. Se ela falou, é porque vivenciou ou viu”, aconselha a psicóloga. (Tina Santos)