Correio de Carajás

Pai usa bateria para manter filha respirando após apagão em SP

Famílias tiveram que comprar geradores a gasolina e improvisar com cabos ligados ao carro. Mais de 65 horas após temporal, Grande SP ainda tem 430 mil imóveis sem energia no 3° dia do apagão, diz Enel.

Heloísa tem 18 anos e precisa de energia elétrica para manter aparelhos ligados — Foto: TV Globo

A falta de energia elétrica afeta de maneira dramática e representa risco de vida para pessoas que dependem de equipamentos para respirar ou comer. São Paulo sofre com a falta de luz desde sexta-feira (11).

É o caso da Heloísa, moradora de São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo. Ela tem amiotrofia muscular e espinhal e precisa de uma série de equipamentos para continuar viva. Os pais da garota tiveram que tomar uma medida desesperada para manter o respirador da filha funcionando: conectaram o aparelho na bateria do carro.

“Para ela, energia não é uma comodidade, mas necessidade. O respirador tem uma bateria com uma autonomia pequena, de cinco ou seis horas. Ela depende também da bomba de infusão, do aquecedor. Devido a tanto tempo da falta de energia, tivemos que puxar energia do carro da mãe da Heloísa utilizando extensões até chegar aqui”, desabafou Mario Neto, pai da jovem de 18 anos.

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“Um vizinho emprestou a energia, contratamos um eletricista particular, compramos cabos e puxamos lá da esquina até aqui para retomar a energia. Existe o tal do cadastro de clientes vitais, mas mera ilusão”, disse.

Mario contou, também, que a filha toma medicamentos de alto custo que precisam de armazenamento adequado: “Já havíamos perdido toda a alimentação estocada na casa. Além da energia, medicamentos de alto custo, como esse aqui, por exemplo, três frascos, R$ 165 mil reais”, mostrou.

A energia elétrica da família foi retomada dezenas de horas depois.

‘Desesperador, falta de humanidade’

Na Vila Romana, Zona Oeste da capital, o drama é parecido: um gerador a gasolina foi o improviso encontrado para manter o senhor Antônio respirando.

“Mais de 60 horas nesse desespero. É desesperador. E a gente tem uma pessoa que precisa da energia para viver. Simplesmente assim. Sem energia, ela não respira. Como que a gente faz?”, questionou a filha Renata Saffioti.
“Compramos um gerador para ele conseguir respirar, mas perdemos medicamento, um monte de coisa. São dezenas de protocolos que a família inteira tem, mas o que acontece? Eles falaram que, daqui duas horas, a luz volta. E a gente está assim desde sexta. Tudo mentiroso. Porque não aconteceu. Não voltou até agora”, lamentou.

“Uma falta de respeito com as pessoas. E uma falta de humanidade com os pacientes igual ao meu pai”, completou a nutricionista.

Caos também no hospital

A assistente executiva Juliana Mesanelli conta que o pai sofreu um AVC isquêmico na sexta-feira, horas antes da forte chuva que atingiu a Grande São Paulo.

“Ele foi levado ao Hospital Saboya, na região do Jabaquara. Lá também, como aqui, está sofrendo com a falta de energia elétrica. Eles estavam funcionando, até então, com uso de geradores. Para o acompanhamento do AVC isquêmico, ele precisaria fazer uma segunda tomografia, que não pode ser realizada, porque, se eles ligarem esse tipo de equipamento, a energia toda do hospital acaba”, explicou.
“É um absurdo a gente ter que passar por esse tipo de situação. Ficar tanto tempo sem energia elétrica”, disse a mulher.

Medicamentos estragando

Depois de muito esperar a luz voltar, a cuidadora Roseli Vieira estava aflita e decidiu sair sem destino pela rua em busca de alguém que pudesse ajudá-la a contatar o filho dos idosos para quem ela trabalha.

Sem geladeira, os remédios dos pacientes de quem Rose cuida vão para o lixo. E ela também que descartar sua insulina.

“Já tem quatro dias que nós estamos sem a energia. As coisas já estão estragadas. Estou com duas pessoas idosas, uma de 82 e outra de 83 anos. Eles necessitam de medicamento. E eu também preciso de insulina. Vou jogar fora porque já tem quatro dias, não pode ficar fora. Não tem mais condições. Quatro dias sem geladeira não dá mais. É triste…”, contou a mulher, chorando.

“Se você não toma, sua glicemia vai subir. Se a sua glicemia está subindo, você não tem nem condições nem de se alimentar. É complicado pra gente. Eu dependo de me cuidar para cuidar deles também. É complicado, né…”.

O que dizem os responsáveis

A Secretaria Municipal de Saúde disse que a energia do Hospital Saboya foi restabelecida no domingo (13), que o tomógrafo necessário para realizar o exame do pai da Juliana está funcionando normalmente e que ele fez todos os exames solicitados. Mas a família voltou a dizer que o exame atrasou.

A Secretaria disse, ainda, que 27 das 475 Unidades Básicas de Saúde continuam sem energia, mas estão funcionando com geradores.

Enel

A concessionária Enel Distribuição SP informou que 430 mil imóveis de cidades da Grande São Paulo continuavam sem energia elétrica até as 11h desta segunda-feira (14), terceiro dia de apagão.

Segundo a empresa, cerca de 280 mil desses endereços sem luz estão na capital paulista, enquanto os demais estão em cidades como Taboão da Serra, Cotia, São Bernardo do Campo, na Grande SP.

Na cidade de São Paulo, os bairros mais afetados neste momento são Jabaquara, Campo Limpo, Pedreira e Jardim São Luís, afirmou a concessionária.

A falta de energia ocorre após um temporal ter atingido o estado de São Paulo na última sexta-feira (11). Segundo a Defesa Civil, sete pessoas morreram na Região Metropolitana e no interior do estado (veja mais abaixo).

Ainda conforme a Enel, até as 11h desta segunda (14), cerca de 1,6 milhão de clientes tiveram o serviço normalizado e que está trabalhando para normalizar o serviço em toda a Grande SP o quanto antes.

“Até as 11h, mais de 1,6 milhão de clientes já estavam com a energia restabelecida na área de concessão. Neste momento, os técnicos estão concentrados em retomar a distribuição de energia para 460 mil clientes na Grande São Paulo. Na capital, são 280 mil clientes restantes. A empresa reforça seu compromisso em seguir incansavelmente com os reparos na rede, alguns deles complexos, devido à dimensão do impacto causado pela tempestade de ventos acima de 100km/h, até que o serviço esteja 100% normalizado”, afirmou a empresa.

(G1)