Correio de Carajás

Pai de Santo de Marabá comemora recomendação para que umbanda seja integrada ao SUS

A proposta reconhece espaços religiosos de matriz africana como pontos cruciais de acolhimento à saúde e cura complementar pelo SUS

Pai Júnior acredita que utilizar a umbanda como tratamento complementar de saúde será maravilho/ Fotos: Jeferson Lima

Recentemente, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) chamou a atenção ao recomendar que o Ministério da Saúde reconheça as manifestações da cultura popular dos povos tradicionais de matriz africana – terreiros, barracões e casas de religião – como equipamentos promotores de saúde e cura complementares do Sistema Único de Saúde.

Segundo o trecho da resolução, esses locais têm sido portas de entrada para os mais necessitados. Ainda que o documento não explicite de forma clara, a ideia poderá – se for aprovada – seguir os mesmos moldes dos programas de práticas integrativas que hoje fazem parte dos métodos e terapias considerados alternativos. Atualmente, o SUS reconhece 29 procedimentos nessa categoria, entre eles: acupuntura, reiki, meditação, yoga e homeopatia.

Diante de algumas polêmicas criadas em torno desse assunto, o CORREIO foi até o Templo de São Jorge Guerreiro, no Bairro Liberdade, e conversou com José Ribamar da Luz Júnior, o Pai Júnior.

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Nascido em uma família de umbandistas e há 32 anos formado como pai de santo, ele afirma que essa decisão, mesmo ainda não aprovada, representa um passo significativo no reconhecimento e inclusão das práticas de cura desenvolvidas silenciosa e respeitosamente dentro dos terreiros.

“Fico emocionado de estar vivenciando esse momento. A umbanda já passou por grandes dificuldades e muita discriminação de credo, assim como o candomblé e o espiritismo. Agora, isso significa dizer: ‘acorda, eles trabalham com a espiritualidade. Isso é cura’. Então, isso pra mim é maravilhoso, saber que o Conselho Nacional de Saúde está trazendo essa prática para o SUS. Tomara que conclua. Existem tantos tipos de trabalhos fitoterápicos, banhos de ervas e banhos de vapor que são feitos, e as pessoas nem têm ideia dos tratamentos realizados. Vai ser maravilhoso poder usar todas essas formas, abertamente, em um trabalho paralelo com o SUS. Se der certo, vai ser maravilhoso”, comemora Pai Júnior.

Para ele, esse momento é de grande revolução para a umbanda, pois só assim o preconceito pode diminuir.

 

“Se o Ministério da Saúde aceitar essa recomendação vai ser muito bom. A umbanda será reconhecida nacionalmente e isso é um grande passo, ter a religião como cuidadora da saúde da população. Gostei de saber e estou gostando de vivenciar todo esse momento”, celebra.

No documento, o CNS vê o reconhecimento como uma forma de respeitar a cultura e os povos afro-brasileiros e, também, um instrumento para o combate ao racismo e à intolerância religiosa.

“(Re)conhecer as manifestações da cultura popular dos povos tradicionais de matriz africana e as Unidades Territoriais Tradicionais de Matriz Africana (terreiros, terreiras, barracões, casas de religião, etc.) como equipamentos promotores de saúde e cura complementares do SUS, no processo de promoção da saúde e 1ª porta de entrada para os que mais precisavam e de espaço de cura para o desequilíbrio mental, psíquico, social, alimentar e com isso respeitar as complexidades inerentes às culturas e povos tradicionais de matriz africana, na busca da preservação, instrumentos esses previstos na política de saúde pública, combate ao racismo, à violação de direitos, à discriminação religiosa, dentre outras”, diz o item 46 da resolução nº 715, de 20 de julho de 2023 do Conselho Nacional de Saúde.

“A umbanda trabalha para transformar o ser humano em um ser melhor, para estar de acordo com as leis de Deus”, diz pai Júnior

 

“Na umbanda não existe satanás”

Surgida em 1908, através de Zélio Fernandino de Moraes, a umbanda possui três conceitos fundamentais: luz, caridade e amor.

Suas crenças misturam elementos do candomblé, do espiritismo e do catolicismo. Aliás, a figura de Jesus Cristo tem um lugar de destaque no altar das casas e terreiros de umbanda.

“Estão levando a umbanda para outras vertentes, como rituais. Na umbanda não existe Satanás. A magia que utilizamos aqui é com raízes, ervas e banhos para uso fitoterapêutico e medicinal. Utilizamos a natureza para cuidar do nosso interior. Mexemos com essas energias, nós somos energias e tudo o que é gerado por Deus tem energia, umas boas outras ruins. Umas densas, outras cheias de luz. Então, nós captamos as energias do universo. A umbanda trabalha para transformar o ser humano em um ser melhor, para estar de acordo com as leis de Deus”, explica.

Pai Júnior relembra que um dos filhos chegou ao terreiro com problemas psicológicos sérios, tomando remédio tarja preta e foi curado através das ervas, chás, banhos e orações. Júnior ressalta que mesmo o rapaz sendo farmacêutico de formação ele procurou outros meios para a cura. “Ele me disse que enquanto estiver vivo vai trazer pessoas necessitadas aqui, seja com problemas espirituais, sociais ou psicológicos”.

“Umbanda é paz e amor”

Ao CORREIO, o pai de santo explica que os integrantes precisam estudar – e muito – a essência da religião. Várias obras de Zélio de Moraes e Rubens Saraceni entram em pauta para que sejam entendidas e haja a uniformização das práticas dentro dos terreiros.

Júnior ressalta que a umbanda utiliza as divindades – os orixás – e seus campos de atuação. Por isso o estudo é fundamental para esclarecer e desenvolver o aprendizado, sempre cultuando a fé, o amor, o respeito e a reverência aos guias.

“Estudamos e trabalhamos para o bem-estar das pessoas. Nós aceitamos os 10 mandamentos da Bíblia. Mas, nós temos um único mandamento. ‘A umbanda é paz e amor’, que reflete os Dez Mandamentos. O preconceito mata. A umbanda é cura”, finaliza. (Ana Mangas)