‘A mulher da minha vida’
Rodrigo e Rejane se conheceram no turno inverso da escola quando tinham 14 anos e moravam em Viamão, na Região Metropolitana de Porto Alegre. Ele se recorda do momento em que a viu, de boné, e pensou: “Essa vai ser a mulher da minha vida, a gente vai casar e ter filho”.
Aos 18 anos, foram morar juntos e tiveram Luana — que hoje é casada, estuda Biologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e mora com o marido na Capital. Aos 30 anos, porém, Rodrigo e Rejane se separaram, e como haviam casado muito cedo, conversaram bastante sobre a decisão.
“Eu digo até hoje que ela é o grande amor da minha vida e vai ser a vida toda. Podem aparecer outras pessoas, mas ela foi o amor da minha vida, tanto é que a gente ficou até o fim juntos”, assegura.
Leia mais:
O “até o fim” ganhou outros significados a partir de 2010. Ele já morava havia três anos em São Paulo quando Rejane revelou o sonho de ter outro filho, mas um menino, e queria que ele fosse o pai. No momento, não pensavam que isso se concretizaria e a ideia foi abandonada.
Rejane, então, engravidou em um breve relacionamento com outro homem, mas este não quis assumir a paternidade. A partir dali, Rodrigo passou a estar presente nas vidas dela e dos filhos.
O momento da virada de chave, segundo ele, foi quando Bruno teve uma dermatite atópica e precisou ir ao hospital. “Ele ficou muito doente, ficou em carne viva. Ali bateu que eu ia cuidar e proteger esse menino. E não imaginava perder a mãe dele”, diz Rodrigo.
Câncer ‘camuflado’
Bruno nasceu em dezembro de 2010 e, em agosto de 2011, Rejane descobriu um câncer. Ela se sentiu mal, teve um sangramento e começou a investigar. O tumor no útero se desenvolveu junto à gravidez, por isso foi “camuflado”.
A mãe fez todo o tratamento de quimioterapia e radioterapia, mas a doença avançou rápido. Aos 35 anos, antes de o filho completar três, ela enfraqueceu e precisou ser colocada aos cuidados paliativos.
“No leito paliativo, ela disse que me amava muito, que nunca deixou de me amar, e que só iria em paz se o Bruno ficasse comigo. Chamou a mãe, as irmãs, e disse que se acontecesse alguma coisa com ela, que ele ficasse comigo, pra não separar irmão e irmã. ‘Conheço o cara que casei, sei o quanto ele cuidaria do Bruno'”, emociona-se Rodrigo ao lembrar das palavras de Rejane.
Exatos dois anos depois do diagnóstico, ela morreu.
A notícia
Em quase uma década de batalha judicial, Rodrigo passou por todos os processos de adoção: entrevistas com assistentes sociais e psicólogos, encontros com pais, sempre precisou de autorização para viajar com o menino.
Há duas semanas, ingressou com um pedido para levar o menino ao Rio de Janeiro, que o acompanharia em uma viagem de trabalho. Quando saía de uma reunião com um cliente, recebeu um telefonema, enquanto dirigia, de uma funcionária do cartório avisando que não seria necessária licença especial alguma.
A adoção, enfim, saiu.
“Eu liguei o pisca-alerta, botei a testa na direção e chorei. Nove anos se passaram na minha cabeça. Pensei na mãe dele”, disse ao g1, apontando para o céu. “Cara, a gente conseguiu”, celebra.
Na entrevista ao g1, Rodrigo estava no Rio de Janeiro, onde passearia no Museu do Amanhã com o filho. A luta, embora cansativa, o faz pensar em adotar novamente outra criança nos próximos cinco anos.
“É o Bruno que me inspira. O Bruno é tranquilo, me ajuda. Às vezes ele pergunta se quero um café, diz ‘pai, descansa, come’. Convive toda a minha realidade. O presente é meu. Se alguém ganhou alguma coisa fui eu. Ele é muito especial”, enternece-se.
Presença materna
Rodrigo faz questão de ressaltar a importância que a mãe dele e da ex-esposa tiveram na criação do menino e na afirmação da paternidade dele. Rejane havia solicitado um teste de DNA ao pai biológico, que ficou pendente, e interferiu no processo de adoção.
“A juíza não entendia. ‘Se queria ficar com o Rodrigo, por que pediu o teste de DNA?’ Ficou esse conflito, mas a família comprovou em fotos”, afirma.
Até hoje, ele leva o menino para ficar com a avó e outros familiares, para que conviva com a família materna e saiba histórias da mãe. “Eu faço muito essa indução para o ensino cognitivo do Bruno, da parte lúdica, para entender que é normal, que ela partiu mas deixou uma base toda”, diz.
O pai conta que o próprio vídeo em que revela a oficialização da paternidade foi para atender a um anseio antigo do filho. Bruno sempre pedia para ver imagens da mãe e saber como era a voz dela.
“Ele não sente falta da mãe porque não lembra, mas queria ouvir a voz dela e a gente não tem nesse sentido”, lamenta.
Há uma década, com as redes sociais de publicação de vídeos ainda incipiente, os registros se restringiam aos arquivos pessoais e arquivos salvos no computador. No ano passado, ao ser diagnosticado com um câncer no intestino, Rodrigo decidiu registrar todos os momentos para que o filho também se lembrasse dele.
“Fiquei com muito medo de deixar o Bruno. Faço acompanhamento, fiz cirurgia. Aquele registro é para ele ter aquilo pela eternidade, do que a gente passou juntos. Só que o vídeo viralizou de uma maneira! Era uma coisa pra mim, pra ele, pra amigos e para as pessoas saberem que eu tinha conseguido”, comemora.
Exceção a uma regra 32 vezes maior
Para cada pai que busca ser presente como Rodrigo, outros 32, em média, não registraram o filho na certidão de nascimento. De acordo com a Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil), entre janeiro de 2016 e junho de 2022, foram identificados 36.601 pais ausentes no Rio Grande do Sul.
Por outro lado, 1.153 reconheceram os filhos biológicos tardiamente ou ainda adotaram uma criança no estado. O caso de Rodrigo e Bruno — exceção que só acontece, em média, a cada dois dias — está entre eles.
“As pessoas ficam chocadas porque eu adotei o filho da ex, não porque adotei uma criança. Falam muito: ‘isso é homem de verdade’. Não, não é. É a história do meu desejo de cuidar do Bruno”, afirma.
O choque, para ele, não é por ler e ouvir elogios. Ele conta que, após a repercussão do vídeo, recebeu mais de 700 mensagens de mães falando sobre ex-companheiros que não reconhecem a paternidade.
Ver essa foto no Instagram
“Gente dizendo que sou uma esperança masculina na vida de uma criança. Não tem nada de anormal. Sou cheio de defeitos, trabalho, estudo, tento namorar, pois muitas vezes não tenho tempo. Quero conhecer outras pessoas, amo viajar. Quero construir uma base bacana para o Bruno. Estou chocado com a repercussão de como sou diferente, e acho que não. Talvez a história seja diferente de outras famílias”, conclui.
(Fonte: G1)