Correio de Carajás

Os impactos da solidão (indesejada) na terceira idade

Neste domingo, 1º de outubro, comemora-se o Dia do Idoso. Reportagem do CORREIO levanta questionamento sobre a quantidade de maiores de 60 anos que vive sozinha e sem interação social

“A solidão machuca”, diz Raimundo Nonato, aos 70 anos de idade e morando sozinho na Folha 15, Nova Marabá/Fotos: Evangelista Rocha

O artigo 229, do capítulo 7º, da Constituição Federal diz que “os pais têm dever de assistir, criar e educar seus filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”.

Apesar de o cuidado com o idoso estar previsto da CF, atualmente os velhos estão sendo vistos – por uma grande parcela das pessoas – com um olhar de pena ou desprezo, ou simplesmente como pessoas incapazes de viver intensamente a vida que lhes resta.

O envelhecimento não é um processo homogêneo. Cada um vivencia essa fase da vida de um jeito, levando em conta todas as suas particularidades. O que torna a velhice um sinônimo de sofrimento é muito mais o abandono do que qualquer doença ou comorbidade que o idoso possa ter.

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A solidão, inclusive, é um dos principais medos de quem chega à terceira idade. Esse sentimento, além de causar danos emocionais graves, acaba gerando também danos físicos aos idosos, pois aumenta o nível de hormônios que causam o estresse e inflamações, resultando em doenças cardíacas, demência, diabetes e principalmente a depressão.

Há alguns anos, era comum ver uma família composta por muitas gerações dentro de uma mesma casa. Avós, pais, filhos e netos todos morando juntos. Com o passar dos tempos, essa configuração familiar foi mudando e, cada vez mais, pessoas da terceira idade estão morando sozinhas ou apenas com um familiar, que geralmente fica o dia inteiro fora de casa trabalhando ou estudando.

A hora dos filhos adultos serem “pais” de seus pais

O Correio de Carajás foi até a Folha 15, na Nova Marabá, para conversar com Raimundo Nonato Brito Lima.

Aos 70 anos, o idoso, natural de Aveiro, mora sozinho em uma pequena casa de madeira. Sem muro e portão, a porta da casa fica aberta e, na companhia de dois cachorros – que ele mesmo afirma serem uma espécie de terapia – Raimundo passa a maior parte do tempo sozinho, em uma rede na sala, bem próximo à porta. Com um ventilador ligado em sua direção, como forma de amenizar o calor, ele recebeu a equipe de reportagem para uma conversa sobre velhice e solidão.

Separado há aproximadamente dez anos, Raimundo conta que desde então vive sozinho. “Meus filhos estão por aí. Tenho três filhos, e uma filha que vem todo dia aqui. Eles até me convidam pra morar com eles, mas não dá. Eles têm a família deles e a gente depois de velho já fica cheio de (…) não quero dar trabalho. Minha preocupação é incomodar as pessoas”, disse, com um olhar vago e distante.

Sem conseguir se levantar da rede sozinho, Raimundo precisou de ajuda para ficar em pé e se locomover pelos cômodos da casa antes da entrevista começar. Questionado sobre o dia a dia, como ele faz para poder ir ao banheiro ou se movimentar, ele foi suscinto. “Só levanto se tiver ajuda de alguém”.

Mesmo com o apoio da equipe de reportagem, o idoso se locomoveu com muita dificuldade. Evangelista Rocha, repórter fotográfico, auxiliou para que Raimundo pudesse vestir uma camiseta e sentar em uma cadeira para a entrevista iniciar.

Ele conta que uma das filhas leva o almoço e o jantar pra ele todos os dias, e que no dia da entrevista, uma moça foi até lá fazer a comida. Ao ser perguntando sobre como é viver sozinho, o idoso ficou um tempo calado e respondeu “é duro. Não queira, minha filha, ficar só. Jogado para as cobras, parado aí. É muito, muito triste. Meus filhos vêm aqui mas, mesmo assim, a gente fica só. A solidão machuca”, fala, com o olhar cada vez mais longe.

Ao ser questionado sobre o que mais sentia falta, ele afirma que é presença de uma pessoa ao lado, para lhe ajudar. Com diabetes, ele conta que precisa tomar insulina todo dia.

Muito triste, como ele mesmo diz se sentir, Raimundo Nonato finaliza a conversa dizendo que sente falta da família mais perto.

É fato que a fase idosa chega e traz consigo diversos desafios. Muitos idosos deixam de trabalhar e, ainda que cheios de energia, acabam ficando em casa e com poucos momentos de socialização com o núcleo externo. Outros, por alguma comorbidade ou por se sentirem ‘um fardo’, decidindo não morar com familiares e se sentem solitários.

A verdade é que a socialização é extremamente importante para os seres humanos desde o início da vida. Na infância, adolescência e vida adulta os laços de amizade, familiares e profissionais se expandem, sendo que na velhice, muitas vezes, isso acaba diminuindo drasticamente.

A busca pelo envelhecimento atrelado a qualidade de vida é essencial e para isso os idosos precisam de estímulos, físicos e mentais, como forma de estratégias para evitar a solidão.

DISK DENÚNCIA 100

Conselho do Idoso 94 98803-1519 (WhatsApp)

 

Marabá tem mais de 17 mil idosos, segundo a Saúde

Em 2006, a Lei nº 11.433 definiu o dia 1º de outubro (data da promulgação do Estatuto da Pessoa Idosa) como o Dia Nacional do Idoso.

“Os órgãos públicos responsáveis pela coordenação e implementação da Política Nacional do Idoso ficam incumbidos de promover a realização e divulgação de eventos que valorizem a pessoa do idoso na sociedade”, diz um trecho da Lei.

Já no âmbito da saúde, a finalidade primordial é recuperar, manter e promover a autonomia e independência dos idosos, direcionando medidas coletivas e individuais de saúde para esse fim.

O Correio de Carajás foi até a sede do Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa, localizado em anexo à Secretaria Municipal de Assistência Social de Marabá, e conversou com a atual presidente, Helane Moreira.

Ela explica que o município possui, atualmente, duas instituições de longa permanência, o Centro Integrado da Pessoa Idosa Antônio Rodrigues (Cipiar) e Lar São Vicente de Paulo. “Para essas instituições são direcionadas pessoas que tiveram seus direitos violados ou negados, principalmente a questão do abandono e maus tratos”.

Para ela, o CMDDPI vai além do viés fiscalizador, pois tem recebido denúncias e está fortalecendo, cada vez mais, a criação da rede de proteção da pessoa idosa em Marabá.

“O município não possui ainda uma delegacia especialidade para o atendimento do idoso, mas é necessário. As denúncias estão aumentando significativamente e não é por conta das violações de direito, é porque as pessoas passaram a ver que existe uma rede de proteção e que é possível denunciar”.

Ela ressalta que a rede de proteção vai além do conselho e da Polícia Civil. A instituição conta com o apoio incondicional do Ministério Público do Estado do Pará e dos Centros de Referência Especializado de Assistência Social.

Pelos números da Atenção Básica, ligado à Secretaria Municipal de Saúde, Helane conta que Marabá possui pouco mais de 17 mil idosos.

Helane Moreira, presidente do CMDDPI, afirma que somente 25 denúncias já foram realizadas em 2023

Somente nos primeiros nove meses de 2023, o número de denúncias registradas pelo Conselho Municipal chega a 25 (quase uma média de três denúncias por mês). Já o número de atendimentos voltados para orientações foram de 23 ao longo de 2023.

Desse total, os maiores casos estão relacionados à violência financeira (que às vezes a família não consegue identificar dessa forma), seguida do abandono e negligência dos cuidados.

“Quando a gente identifica uma violação de direito, esse idoso é direcionado, se ele não tem nenhum vínculo familiar, ele é convidado a estar em alguma das nossas instituições de longa permanência”, explica, ressaltando que a grande maioria dos idosos entra em crise de ansiedade, atrofia de andar e falar e acaba desencadeando a depressão.

Ao CORREIO, Helane explica que existem casos de idosos que preferem morar sozinhos do que com um familiar. Para ela, quando chega a esse ponto é porque o idoso já escutou “enes” situações e conversas.

“Quando se está em um ambiente que você é amado e cuidado, você jamais vai querer se afastar. A questão do abandono é muito pertinente na região, por isso é importante um acompanhamento psicológico, para saber qual a condição mental do idoso. Muitos idosos passaram a apresentar Alzheimer, com quadro clínico evolutivo, tudo por causa do abandono. Então, enquanto conselho, nós queremos direcionar esse cuidado da pessoa idosa para que ela realmente consiga ter uma eficácia no seu melhor atendimento em relação à saúde e ao ser como um todo. Não adianta a gente inserir ele em uma família que não o quer, porque ele vai sofrer todo tipo de violação de direito, inclusive agressão verbal. Tudo isso precisa ser analisado”, diz.

Segundo ela, é comum ver idosos em um ambiente sujo, sem alimentação e medicação, ou então completamente dopado de tanto remédio.

 

“Muitos percebem que foram abandonados”, dia Adriana

Sendo referência na região como ILP para idosos, o Cipiar atualmente possui 23 residentes, sendo 19 homens e 4 mulheres. Com todas as vagas preenchidas, a instituição é dirigida por Adriana Ferreira. Ao todo, 59 servidores, todos concursados, atuam no local. Lá, há cuidadores, técnicos de enfermagem, enfermeiro, médico, cozinheiras, auxiliares de limpeza, motorista, porteiro, pedagogo, educador físico, psicólogo, assistente social e assistentes administrativos.

A diretora do Cipiar conta que a região Norte do país tem essa predisposição a ter o gênero masculino com um maior número de abandono na velhice, já que outras regiões do Brasil as instituições possuem mais mulheres residentes.

Questionada sobre o sentimento de solidão que pode atingir os idosos do Cipiar, Adriana conta que todos, no fundo, sentem o abandono, mesmo tendo consciência que em algum momento da vida eles que abandonaram a família.

Diretora do Cipiar conta que instituição está com a lotação máxima

“Temos idosos que são tímidos, outros são bem reservados e que não gostam de relembrar histórias. E temos idosos que gostam de conversar bastante. Percebemos, durante diálogo informal, o sentimento de solidão acaba aflorando. Muitos, que conseguem ter uma percepção maior, reconhecem que foram abandonados. E isso traz essa solidão, que por sua vez reflete muito na saúde deles, como a depressão, ansiedade e sistema imunológico fragilizado”.

Adriana conta que no Cipiar existe um residente em específico que é muito sensível e emotivo e, embora não verbalize, o sentimento que ele demonstra é de profundo abandono.

“O pai dele era a pessoa que resolvia tudo na família. Os mais novos o procuravam para pedir conselhos e, quando o pai faleceu, na mente dele achava que ia ocupar o lugar do pai e cuidar de toda a família. Não foi o que aconteceu. Ele esperava que os sobrinhos fossem acolhê-lo. Só que ele não criou laços. E isso reflete. Ele chora muito, é muito emotivo. Mas é muito consciente e entende”, diz Adriana.

 

 

(Ana Mangas)