Correio de Carajás

Os EUA vão taxar os lucros bilionários das empresas em 15%. E se fosse no Brasil?

No dia 7 de agosto (domingo), o senado estadunidense aprovou o maior pacote econômico, até agora, da administração Biden. O Projeto de Redução da Inflação (ou Inflation Reduction Act – IRA – em inglês) prevê duas grandes linhas de ação: um programa dedicado a enfrentar as mudanças climáticas, mediante incentivos ao uso de energia limpa e redução de emissão de carbono; e medidas de enfrentamento a alta dos preços, sobretudo via subsídio de fármacos. Tudo foi orçado 369 bilhões de dólares (1,9 trilhões de reais).

Sem dúvida é uma posição muito forte favorável a uma mudança de matriz energética, substituindo os produtos derivados do petróleo por outros de energia limpa. No entanto, o que mais me chamou atenção foi o outro lado da moeda, no caso, como esse pacote será financiado. No mesmo IRA consta também a fonte orçamentária, a saber, a taxação de 15% dos superlucros ou lucros bilionários das empresas. Procedimento simples: fechou o ano, as empresas demonstraram seu faturamento e evidenciou um lucro maior que 1 bilhão de dólares, será taxado em 15% e usado como fonte de financiamento do IRA. Nos EUA, estima-se que ao menos 150 grandes corporações serão taxadas através desta política. Veja bem, a escolha deste piso (1 bilhão de dólares) tem a ver com superlucros, ou seja, lucros que estão muito acima dos praticáveis. E isto poderia colaborar na suavização de uma distorção significativa de renda.

Porém, e se uma proposta de taxação dessas fosse aplicada no Brasil? Segundo dados coletados pelo Laboratório de Contas Regionais da Amazônia da Unifesspa (Lacam), em 2021, 21 corporações brasileiras tiveram um lucro superior a 1 bilhão de dólares (5,6 bilhões de reais, assumindo uma cotação média do dólar em 2021 de 5,6 reais), como mostra o quadro abaixo:

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Quadro 1: Empresas com lucro superior a 5,6 bilhões de reais

Setor econômico Nome Lucro em bilhões R$ % as 21 maiores
Administração de empresas e empreendimentos Bradespar 8,1 1,7%
Itausa 12,2 2,6%
Comércio atacadista Cosan 6,1 1,3%
Empresa de eletricidade, gás e água Eletrobras 6,3 1,4%
Indústria manufatureira Ambev S/A 12,7 2,7%
Braskem 14,0 3,0%
Gerdau 15,5 3,3%
JBS 20,5 4,4%
Sid Nacional 12,3 2,6%
Suzano S.A. 8,6 1,9%
Usiminas 9,1 1,9%
Informação Telef Brasil 6,2 1,3%
Mineração, exploração de pedreiras e extração de petróleo e gás Csn Mineração 6,4 1,4%
Petrobras 106,7 22,9%
Vale 121,2 26,0%
Serviços financeiros e seguros BNDES Participações S/A – Bndespar 12,2 2,6%
Bradesco 21,9 4,7%
Brasil 19,7 4,2%
Btgp Banco 6,3 1,4%
ItauUnibanco 25,0 5,4%
Santander BR 15,0 3,2%

Fonte: Economática. Elaboração própria.

 

Como se vê, em 2021, quase 50% do lucro das corporações com retornos bilionários se concentra em 2 empresas, a saber, Vale e Petrobrás. A Petrobrás, muito beneficiada por sua política interna de preços, o Preço de Paridade de Importação (PPI), aumentou significativamente os preços dos derivados de petróleo, como é o caso do diesel, principal custo que incide no frete, mesmo que isto não derive do aumento dos custos. A receita da empresa aumentou significativamente mais que seus custos, entre 2020 e 2021. Além disso, em 2021, a Petrobrás distribuiu 72,7 bilhões de reais em dividendos aos acionistas, maior montante de sua história.

O caso da Vale é ainda mais emblemático. Teve, em 2021, 63% de taxa de retorno (lucro sobre patrimônio líquido), a maior de sua história. Distribuiu mais de 73 bilhões de reais em dividendos aos acionistas (maior distribuição da história brasileira) e teve um crescimento de sua receita em mais de 40% em relação a 2020, enquanto que seus custos aumentaram menos de 20% no mesmo período. Segundo dados da Agência Nacional de Mineração (ANM), coletados pelo Lacam, as operações da Vale na extração de minério de ferro e cobre renderam 172 bilhões de reais. Destas operações, Parauapebas/PA contribuiu com 69,6 bilhões, Canaã dos Carajás/PA com 54,4 bilhões e Marabá/PA com 8 bilhões. Ou seja, esses 3 municípios, sozinhos, são responsáveis por 73,3% das receitas operacionais da Vale no Brasil.

Se a Vale foi a empresa com o maior superlucro de 2021 e maior distribuição de dividendos da história do Brasil, pode-se afirmar que grande parte disto foi feito em função da extração de minério na Região de Carajás. E esta região, que possui diversos problemas de infraestrutura urbana, saneamento básico e pobreza, não se apropria proporcionalmente ao quanto que colabora para a geração de riqueza. Carajás possui péssimos índices de acesso a água, esgotamento e pobreza, além de péssimos indicadores de desflorestamento. Uma taxação dos superlucros, nos termos propostos pelos EUA, promoveria uma fonte considerável de receita para estimular atividades econômicas que convivam com o bioma Amazônia, assim como poderia melhorar os indicadores referentes a qualidade de vida (infraestrutura urbana e saneamento, educação, saúde, pobreza, etc.). Atividades econômicas inscritas na bioeconomia bioecológica, guiadas por princípios agroecológicos e agroflorestais, poderiam ser alvo de estímulos, dado que são aderentes ao bioma Amazônia e às necessidades de equidade social e redução da pobreza.

Se de fato houver um interesse em estimular o desenvolvimento sustentável, aderente ao bioma Amazônia, é preciso privilegiar atividades orientadas pelos valores agroecológicos e agroflorestais. Ademais, é importante, também, taxar os superlucros das grandes corporações brasileiras, sobretudo aquelas que possuem caráter extrativo e altamente concentrador de renda, para financiar tal política de estímulo. Se fosse aplicada a proposta estadunidense de taxar em 15% os superlucros, aos valores de 2021, seria quase 70 bilhões de reais disponíveis para estimular um desenvolvimento econômico menos conflituoso com a Amazônia e, quem sabe, em um médio prazo, melhorar a qualidade de vida dos cidadãos.