Correio de Carajás

Onça de Marabá recebe cuidados especializados com caso raro no mundo

Rede de especialistas de três cidades diferentes acompanha saúde de Campeão na Fundação Zoobotânica de Marabá

Equipe técnica chefiada pela profª Dra. Ana Paula Gering passou a quarta-feira fazendo check up em Campeão, que foi sedado/ Fotos: Breno Pompeu (Duo Produtora)
Por: Ulisses Pompeu e Luciana Araújo
✏️ Atualizado em 17/10/2025 11h21

Há seis anos, uma onça-macho, batizada como Campeão, recebe uma atenção especial à sua saúde. Diagnosticado com fecaloma com megacólon por veterinários da Universidade Federal do Norte do Tocantins (UFNT), o felino mora na Fundação Zoobotânica de Marabá (FZM) e, a cada três anos, recebe a visita de seus médicos para garantir uma vida digna e saudável. Na manhã desta quarta-feira (15), a reportagem do Correio de Carajás acompanhou de perto e com exclusividade, os procedimentos realizados no bichano.

“Ele é um caso bem importante porque nós não temos um relato no mundo sobre um animal que está há tanto tempo no pós-operatório de um procedimento que é, de certa forma, complicado”, explica Ana Paula Gering, médica-veterinária anestesiologista e professora de graduação e pós-graduação na UFNT e na Universidade Federal do Pará (UFPA).

Em 2019, o animal foi enviado pela FZM para o campus da UFNT em Araguaína e, após receber seu diagnóstico, passou por uma cirurgia que removeu cerca de 20 centímetros do intestino. O procedimento foi necessário porque a onça tinha acúmulo de fezes endurecidas em seu aparelho digestivo e não evacuava. Campeão ficou hospedado em território tocantinense por aproximadamente 60 dias e depois voltou para Marabá.

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Campeão é uma onça-parda, espécie considerada vulnerável pela lista nacional do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Sob a tutela da FZM desde filhote, ele recebe cuidados especiais, incluindo a visita trianual de uma equipe multidisciplinar. A manhã desta quarta-feira foi um desses momentos.

“Hoje foi um desses dias. Viemos para ver se o Campeão – e todos os animais da fundação – estão bem. Então, venho eu, que sou da cirurgia e da anestesia; o pessoal do diagnóstico por imagem, que faz o ultrassom e o raio X; e o pessoal do laboratório de patologia clínica. A gente faz um check-up completo em todos”, detalha Ana Paula.

Quem é Campeão?

Quando ainda era filhote, Campeão sofreu uma fratura em um dos membros posteriores e na pelve. Sobreviver aos percalços de saúde foi o que lhe garantiu a alcunha robusta. Ele chegou a passar por uma cirurgia em Castanhal, ainda pequeno, e depois foi enviado para a FZM. A fundação é referência no abrigo de animais que, por diversos motivos, não podem ser reintroduzidos em seu habitat natural.

“A gente acredita que essa fratura na pelve fez um estreitamento, então ele tem uma certa dificuldade de defecar. Por isso, o tratamento dele é completamente diferente das outras onças. Ele come uma alimentação especial e faz uma medicação diária especial, para não ter uma recidiva”, esmiúça a veterinária.

Ela celebra o sucesso total do pós-operatório de Campeão, destacando que é um animal muito saudável, com aparência clínica perfeita, peso ideal e ausência de alterações que indiquem sofrimento. Ou seja, mesmo com 20 centímetros a menos de intestino, Campeão segue lindo e pleno em sua casinha.

“Tudo isso graças ao manejo que nós, como veterinários, instruímos e os tratadores realizam aqui na fundação”, reflete Ana Paula.

Professora Ana Paula cuida de Campeão há seis anos e vai enviar exames dele para os EUA e Canadá

Equipe de todos os cantos

A equipe de veterinários que atende a FZM é composta por profissionais de diversos municípios, e Ana Paula cita alguns deles: “Eu sou de Araguaína, no Tocantins. A minha orientanda de mestrado, a Jaqueline Lima, é de Castanhal, e temos também a Brenda, que é daqui de Marabá e quem faz o diagnóstico por imagem. Além disso, colaboraram conosco Júlia Felizardo, Gabriel Henrique Vaz, além de Elias Castro (técnico em radiologia e acadêmico de Medicina Veterinária)”.

Seguindo essa mesma linha, alguns dos exames coletados pela equipe são enviados para fora do país — alguns para os Estados Unidos e outros para o Canadá.

Ao fazer um breve relato de sua trajetória, Ana Paula conta que trabalha com animais silvestres há 20 anos, dentre eles os felídeos. Nessa lida não há rotina: cada dia é diferente do outro. Em alguns, é possível trabalhar apenas com um animal; em outros, com dez. Às vezes é fácil realizar a sedação, mas há também situações em que se leva de duas a três horas para realizar a contenção química.

“Nós temos que estar motivados e tranquilos para que o nosso trabalho seja feito da melhor forma possível e não ofereça risco para ninguém da nossa equipe nem para o nosso paciente. São muitas pessoas dentro de um recinto com um animal que oferece risco de morte, então sempre é um trabalho bem responsável e com uma equipe bastante compreensiva e concentrada”, afirma.

Histórico

Também em entrevista ao Correio de Carajás, Jorge Bichara, presidente da FZM, confirma que Campeão chegou à fundação ainda filhote, há cerca de doze anos. A fratura na pata, que o enviou para o centro cirúrgico em Castanhal, foi causada quando ele, ainda bebê, pulou de cima do lugar onde dormia.

“Ele fez a cirurgia lá e depois voltou para tirar os pinos. Já adulto, ele teve uma infecção gravíssima na pele, e nós demoramos cerca de cinco meses para tratá-lo. Como é um sofredor, passou a ter constipação crônica”, enumera Jorge.

Quatro anos depois, passou a ser tratado por Ana Paula e a equipe multidisciplinar. O padrão de cuidado se estende a outros animais da fundação. Contudo, Jorge frisa que há acompanhamento veterinário local e os externos são chamados em casos especiais.