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- São falsas as afirmações feitas em vídeo sobre o governo Bolsonaro ter concluído obras de um trecho da transposição do Rio São Francisco no município de Cabrobó, em Pernambuco. As inaugurações foram realizadas pelos governos Dilma e Temer, em 2015 e 2018.
- Conteúdo verificado: Vídeo de apoiador do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) gravado em frente a um trecho da transposição do São Francisco em Cabrobó, em Pernambuco. Sem citar nome, ele dá a entender que a obra foi finalizada pelo atual presidente, a quem agradece. Na legenda, entretanto, escreve o agradecimento a Bolsonaro. O vídeo foi compartilhado pelas contas do presidente no Instagram e Facebook e pelas contas no Instagram do filho e senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) e da deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP).
É falso o conteúdo de um vídeo gravado por um apoiador do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em frente a um dos trechos da transposição do Rio São Francisco, em Cabrobó, em Pernambuco, afirmando que a obra foi entregue pelo atual governo.
O vídeo foi filmado sobre uma ponte na rodovia BR-248, no dia 17 de junho, mas a última etapa da obra naquela região foi entregue em 5 de abril de 2018, ainda no governo de Michel Temer (MDB), quando houve a abertura de um novo reservatório que fez as águas do São Francisco avançarem em direção ao Ceará.
Além disso, o Comprova encontrou imagens no Google Street View do mesmo local feitas em 2017. Nelas, já era possível ver água no trecho, o que contradiz a fala do autor do vídeo.
O Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) foi questionado pelo Comprova desde a última terça-feira (22) sobre que investimentos foram feitos pelo atual governo e se alguma obra foi entregue ou está para ser entregue em Cabrobó, mas não respondeu até a conclusão deste texto.
O responsável pelo vídeo foi procurado através de sua conta no Facebook, mas também não respondeu. O vídeo foi compartilhado por Bolsonaro, pelo senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) e pela deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP). A Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom) foi questionada sobre o compartilhamento pelo presidente, mas não retornou o e-mail.
Como verificamos?
No vídeo que viralizou, o autor diz que está gravando em Cabrobó. Primeiramente, foram feitas buscas na internet para entender quando foram inauguradas as obras da transposição na cidade pernambucana. Buscamos ainda informações sobre inaugurações feitas por Bolsonaro.
Depois, para confirmar se o vídeo foi realmente filmado em Cabrobó, usamos o Google Maps para encontrar trechos em que uma rodovia cruza os canais da transposição no município. Encontramos o quilômetro 29 da BR-428 e usamos o Google Street View para comparar a visão que se tem da ponte com frames do vídeo.
Como o autor da gravação diz seu nome e apelido, fizemos buscas sobre essas informações e descobrimos que ele é suplente de vereador na pernambucana Petrolina, bem como encontramos seu canal no YouTube onde o vídeo foi originalmente publicado.
Procuramos a assessoria de imprensa do MDR e a Secom em busca de informações sobre obras que possam ter sido feitas no local após a posse de Bolsonaro. Como nenhum deles respondeu, recorremos a informações enviadas anteriormente pelo ministério ao Comprova, em uma verificação publicada no dia 1º de junho de 2021.
O autor do vídeo também foi procurado, mas não retornou até esta publicação.
Verificação
Obras no trecho foram inauguradas por Dilma e Temer
Apesar do vídeo em agradecimento ao atual presidente, o trecho da transposição onde o usuário do YouTube fez a gravação foi inaugurado em agosto de 2015 pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT), quando foram entregues 45,9 quilômetros de canal e uma das duas estações (EBI-1) de bombeamento para retirar água do Velho Chico.
A segunda estação (EBI-2), que também fica em Cabrobó, foi inaugurada pelo ex-presidente Michel Temer (MDB), em fevereiro de 2018. As duas inaugurações foram divulgadas pela imprensa e pela Agência Brasil. Além disso, os discursos de Dilma e de Temer por ocasião das inaugurações estão salvos na Biblioteca da Presidência.
Em abril de 2018, ainda na gestão Temer, o então ministro da Integração Nacional, Helder Barbalho, abriu as comportas do reservatório Serra do Livramento, em Cabrobó, onde as águas do São Francisco são captadas para alimentar o eixo norte. Na época, as águas passaram a alimentar a EBI-1 e a EBI-2, seguindo até Salgueiro, onde está localizada a EBI-3.
O projeto de integração do Rio São Francisco tem dois eixos. O eixo norte tem início em Cabrobó (PE) e passa por Salgueiro (PE), Terranova, Verdejante (PE), Penaforte (CE), Jati (CE), Brejo Santo (CE), Mauriti (CE), Barro (CE), em São José de Piranhas (PB), Monte Horebe (PB) e Cajazeiras (PB).
Já o eixo leste corta os municípios de Floresta (PE), Custódia (PE), Betânia (PE), Sertânia (PE) e Monteiro (PB). O objetivo da transposição, porém, não é atender só as pessoas dessa cidade, mas levar água para 12 milhões de nordestinos, atingindo 390 municípios através de uma série de obras complementares, como a Adutora do Agreste e o Ramal do Agreste.
Governo Bolsonaro
Não há registros de que o governo Bolsonaro tenha realizado obras no trecho que aparece no vídeo compartilhado nas redes sociais do presidente. Uma reportagem da TV Brasil, publicada no canal oficial no YouTube em setembro de 2019, informa que uma equipe do governo federal percorreu quase 100 km entre Cabrobó e Salgueiro para fiscalizar estruturas e acompanhar testes de bombeamento em uma das estações do trecho.
Na ocasião, o então ministro de Desenvolvimento Regional Gustavo Canuto afirmou que “recursos não deixaram de ser aplicados para que a água seguisse seu curso e finalmente chegasse onde precisa”, mas não cita obras da atual gestão. Acrescenta que, naquele ano, mais de R$ 250 milhões foram aplicados no eixo norte, sem definir para qual finalidade.
O Comprova enviou e-mail para a assessoria do MDR questionando se o governo Bolsonaro inaugurou ou está para inaugurar obras no ponto, mas não recebeu retorno mesmo após o assessor afirmar que aguardava respostas e que as enviaria até a manhã do dia 24 de junho.
No início do mês, em outra verificação sobre a transposição, o Comprova informou que, em 2020, Bolsonaro inaugurou um dos trechos finais do eixo norte, em Penaforte, no Ceará, e que um relatório da Controladoria Geral da União (CGU), de 2017, indica que naquele ano segmentos do eixo norte já tinham ao menos 92,5% de execução física concluída. Penaforte fica a quase 100 quilômetros de distância de Cabrobó, onde o vídeo foi filmado.
Segundo o site do Ministério do Desenvolvimento Regional, em todo o eixo norte restam serviços de recuperação da tubulação e outros serviços complementares que não comprometem a pré-operação.
Na época, um pedido de posicionamento foi respondido ao Comprova. A pasta afirmou que no eixo norte o caminho das águas até o reservatório de Caiçara, na Paraíba, totalizando 260 km, está concluído e, após esse ponto, encontra-se em execução trecho de 8 km até o reservatório Engenheiro Ávidos. “O Eixo Norte se encontra em testes e comissionamento, fase em que pode ser identificada a necessidade da realização de serviços de manutenção e reparos nos canais e estruturas”. A previsão de conclusão do projeto, segundo o órgão, é entre o fim deste ano e início de 2022.
Recursos aplicados na obra
Conforme mostrou verificação recente do Comprova, Bolsonaro assumiu o mandato com mais de 90% das obras do projeto concluídas por administrações que o precederam. Faltam conclusões de obras hídricas complementares, que devem viabilizar a integração das águas do Velho Chico com rios e barragens receptoras.
Na mesma reportagem, foram apresentadas cifras que envolvem a transposição, acessadas via pedido pela Lei de Acesso à Informação, respondido em 2020. O relatório aponta que, do início da obra até junho de 2020, o investimento somente na execução dos eixos estruturantes somava, aproximadamente, R$ 10,88 bilhões. As cifras batem com os valores detalhados no portal Siga Brasil, do Senado Federal.
Além das despesas com os eixos estruturantes da obra, o documento ainda cita uma série de ações associadas ao projeto de Integração do Rio São Francisco, algumas delas complementares, como a manutenção da integração com as bacias do Nordeste Setentrional; recuperação de reservatórios estratégicos; e a construção dos sistemas adutores dos ramais do Agreste Pernambucano, de Entremontes e do Piancó.
O levantamento do Comprova com dados do Siga Brasil mostrou que os maiores investimentos em recuperação de reservatórios estratégicos aconteceram em 2018 e 2019.
Assim como a ação “manutenção da integração com as bacias do Nordeste Setentrional recuperação de reservatórios estratégicos”, que foi iniciada em 2015.
O orçamento inicial da obra foi estimado em R$ 4,2 bilhões e, além de já ter superado R$ 10 bilhões, a transposição está marcada por atrasos, tendo sido prometida a conclusão para 2012.
Vídeo
O autor do vídeo é Leonardo Vinicius Ferreira Andrade, que se identifica como Leo Vinicius, o Leão, e é suplente de vereador na cidade de Petrolina pelo PSD. Possui um canal no YouTube com 84 inscritos. Apesar de não se referir nominalmente ao presidente no vídeo, postado em 17 de junho deste ano, ele agradece a Bolsonaro na legenda.
As imagens foram gravadas na Rodovia BR-428, em Cabrobó (PE), conforme verificou o Comprova ao comparar um grupo de montanhas que aparece ao fundo do vídeo, além de uma linha de transmissão, com imagens fornecidas pela ferramenta Google Street View, no ano de 2017. Percebe-se, inclusive, que na data já havia água passando pelo canal.
Imagem aproximada do vídeo original:
Print do Google Street View
Imagem aproximada da outra margem da estrada no vídeo original:
Print do Google Street View:
Por que investigamos?
Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre as políticas públicas do governo federal ou sobre a pandemia de covid-19 que tenham viralizado nas redes sociais. Como uma obra que se arrastou por vários governos, a paternidade sobre a transposição tem sido disputada pelo menos desde 2017, quando o então presidente Michel Temer inaugurou oficialmente o eixo leste e este foi, horas depois, visitado pelos ex-presidentes Lula (PT) e Dilma Rousseff, que fizeram uma “inauguração simbólica” no local.
Com a posse de Bolsonaro, seus apoiadores também passaram a reivindicar a participação dele no projeto, principalmente após ele acionar a comporta que levou as águas para o Ceará, na cidade de Penaforte, em junho de 2020. Desde então, várias informações incorretas têm circulado sobre o papel do atual governo na obra. O tema voltou a ganhar força depois que Bolsonaro inaugurou em maio um trecho do Canal do Sertão, obra complementar da Transposição em Alagoas.
O vídeo verificado teve 1,6 milhão de visualizações apenas no Instagram. A maior parte delas (1,4 milhão) veio da conta oficial de Jair Bolsonaro. No Facebook, o conteúdo também compartilhado pelo presidente teve 301 mil curtidas, 17 mil comentários e 109 mil compartilhamentos.
O Comprova já mostrou que postagens inflavam a responsabilidade da atual gestão no andamento das obras; que o Exército não refez todo o trecho da Transposição inaugurado por Temer e Lula; que a família do ex-ministro Ciro Gomes não atrasou o projeto por ser dona de empresas de carros-pipa; que não havia provas de que o rompimento ocorrido na barragem inaugurada por Bolsonaro fosse fruto de sabotagem; e que posts faziam comparações enganosas sobre o projeto para exaltar Bolsonaro.
Em 2020, o Aos Fatos checou publicações enganosas sobre o mesmo trecho. Na ocasião, postagens veiculavam fotos de uma estrutura da transposição concluída em 2015 como se fosse obra do governo Bolsonaro. Entretanto, as imagens da primeira estação de bombeamento de água do eixo norte, em Cabrobó (PE), foram inauguradas pela então presidente Dilma Rousseff (PT).
Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.
Desde 2020 o Correio de Carajás integra o Projeto Comprova, que reúne jornalistas de 33 diferentes veículos de comunicação brasileiros para descobrir e investigar informações enganosas, inventadas e deliberadamente falsas sobre políticas públicas e a pandemia de covid-19 compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.