A obesidade infantil é uma condição complexa, resultante da interação de diversos fatores. O ambiente em que as crianças crescem desempenha um papel crucial, com a disponibilidade de alimentos ultraprocessados, o sedentarismo induzido pela tecnologia e a falta de espaços seguros para atividades ao ar livre, contribuindo para o problema. Além disso, fatores genéticos, psicológicos e sociais influenciam a manifestação dessa condição.
Os números são alarmantes. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), até 2025, o mundo poderá enfrentar uma epidemia global de obesidade infantil, afetando cerca de 75 milhões de crianças. No Brasil, a situação é igualmente preocupante. Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), uma em cada três crianças entre cinco e nove anos está acima do peso.
De acordo com o Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN) de 2019, 16,33% das crianças brasileiras entre cinco e 10 anos têm sobrepeso, 9,38% têm obesidade e 5,22% enfrentam obesidade grave. Esses índices não afetam apenas a saúde física, mas também têm implicações significativas na saúde mental e na qualidade de vida.
Leia mais:Causas
De acordo com a nutricionista infantil do Instituto de Desenvolvimento Infantil Dyandra Loureiro, a obesidade é uma doença multifatorial, ou seja, diversas causas podem estar envolvidas, desde fatores genéticos e comportamentais, como sedentarismo, questões emocionais, escolhas alimentares, contexto familiar e acadêmico.
“Muitas crianças e famílias não possuem acesso ao acompanhamento multidisciplinar, portanto, hoje, a principal forma de identificar esse problema de saúde é com o acompanhamento pediátrico regular.”
Sinais de alerta
A nutricionista infantil destaca que, por questões culturais, muitas famílias acabam enxergando excesso de peso/gordura na infância como algo saudável. “Por isso, uma avaliação precisa poderá mostrar se realmente há algo que está caminhando fora dos parâmetros adequados.”
Além disso, a especialista cita fatores como:
– Episódios de compulsão alimentar (ingerir um grande volume de alimentos num curto espaço de tempo)
– Falta de autonomia no momento da refeição (pais/cuidadores controlam a quantidade de alimento)
– Uso do alimento como recompensa ou “objeto” de troca.
Diagnóstico
Dyandra destaca que o primeiro passo no tratamento da obesidade infantil deve ser a orientação parental, já que simplesmente ajustar o cardápio não é eficaz se em casa a criança não segue uma rotina de refeições, come de forma distraída, não participa na montagem do próprio prato ou os pais usam doces como recompensa por tarefas.
“É importante respeitar a individualidade de cada criança e considerar a inclusão de outros profissionais, como nutricionistas, endocrinologistas pediátricos, psicólogos e educadores físicos, em uma abordagem multidisciplinar para um tratamento completo e eficaz.”
A especialista explica que uma avaliação antropométrica em consulta com um pediatra é fundamental, incluindo a análise de medidas como peso, estatura e Índice de Massa Corporal (IMC), bem como a investigação das práticas alimentares no contexto familiar e na rotina da criança.
Tratamento
Dyandra Loureiro recomenda evitar tratamentos baseados na restrição de calorias e no aumento do gasto calórico, pois estão propensos ao insucesso. Também é importante ter cautela com abordagens que focam apenas na perda de peso e impõem restrições drásticas na quantidade e na variedade de alimentos, pois essas abordagens podem prejudicar a saúde da criança, especialmente durante seu período de desenvolvimento e crescimento.
“Estudos destacam a importância de analisar não apenas ‘o que’ e ‘quanto’ se come, mas também ‘como’ se come. A relação com alimentos e o momento das refeições desempenham um papel significativo e são mais influentes do que apenas a seleção de alimentos. Desde o início do tratamento, é crucial considerar a orientação dos pais e outros cuidadores envolvidos, promovendo uma divisão adequada de responsabilidades e incentivando práticas alimentares positivas e saudáveis.”
Como prevenir
De acordo com a Secretaria de Atenção Primária à Saúde (SAPS), a prevenção da obesidade infantil requer mudanças nos ambientes, no estilo de vida e nos hábitos alimentares familiares. Isso inclui:
– Amamentação exclusiva até os seis meses de idade.
– Evitar açúcar e alimentos ultraprocessados nos primeiros dois anos de vida.
– Priorizar alimentos in natura e minimamente processados.
– Substituir bebidas adoçadas por água.
– Manter uma alimentação saudável mesmo fora de casa.
– Incentivar brincadeiras ao ar livre, como correr, pular corda e andar de bicicleta, em vez de usar celulares e videogames.
Palavra do especialista
A aprovação da semaglutida pela Anvisa é benéfica para a saúde?
Sim, porque alguns pacientes podem precisar de auxílio além das mudanças de estilo de vida, que são a base do tratamento da obesidade.
Qual é a eficácia da semaglutida no tratamento da obesidade em adultos e adolescentes?
A semaglutida demonstrou eficácia no tratamento da obesidade tanto em adultos quanto em adolescentes a partir dos 12 anos. Além disso, ela oferece a conveniência de ser uma medicação injetável subcutânea administrada apenas uma vez por semana, o que favorece a aderência ao tratamento.
Quais são os principais efeitos colaterais da semaglutida e como deve ser feito o acompanhamento médico?
Os efeitos colaterais mais comuns da semaglutida estão relacionados ao trato gastrointestinal, como náuseas, vômitos, constipação intestinal e diarreia. É fundamental que os pacientes sejam avaliados por um especialista para uma indicação criteriosa e que o controle da resposta, tanto em eficácia quanto em efeitos colaterais, seja monitorado cuidadosamente. A semaglutida representa uma opção adicional para o tratamento da obesidade em uma faixa etária que possui poucas alternativas terapêuticas disponíveis.
Paulo Augusto Miranda é presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM)
(Correio Braziliense)