O número de brasileiros que se identificam como pardos chegou a 45,3% da população, segundo os dados do Censo 2022 divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O resultado deu à categoria o posto de maior grupo racial do Brasil pela primeira vez na história.
🧑🏽 Mas o que é pardo? No último levantamento, o termo foi definido como: quem se identifica com mistura de duas ou mais opções de cor, ou raça, incluindo branca, preta e indígena.
Porém, o significado da palavra nem sempre foi esse. Desde a fundação do IBGE, em 1936, o conceito mudou de sentido diversas vezes — e houve até anos que não havia explicação exata sobre quem a categoria deveria representar (veja abaixo).
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Entenda nesta reportagem quando o termo ‘pardo’ vira categoria oficial, como o significado muda ao longo dos anos e quais são os grupos que reivindicam o conceito da palavra no Censo até hoje.
Pardo como categoria residual
No primeiro levantamento realizado pelo IBGE, em meados de 1940, a maioria da população se identificou como branca:
- Branco — 63,46% da população;
- Preto — 14,63%;
- Amarelo — 0,58%;
- Pardo — 21,20%
- De cor não declarada – 0,10%
“[Naquele ano], pardo era uma categoria residual”, disse Marta Antunes, coordenadora do Censo de Povos e Comunidades Tradicionais. Ou seja, quem respondesse qualquer categoria que não preta, branca e amarela, era classificada como parda.
Porém, mesmo com a abrangência da categoria, Denis Moura, autor do livro “Pardos: a visão das pessoas pardas pelo estado brasileiro”, afirmou ao g1 que as pessoas tinham dificuldade de se identificar como parda “porque elas poderiam ser relacionadas com pessoas escravizadas, e isso poderia prejudicar, por exemplo, a carreira das pessoas”.
“Essa omissão, por parte dos mestiços, pardos ou não, seria uma forma de apagar o passado, principalmente entre os pardos mais claros, visto que eles, por conta de terem traços negros ou indígenas menos acentuados, poderiam ser beneficiados com a possibilidade de atingir postos em atividades menos desvalorizadas e, inclusive, obter destaque em cargos públicos”, diz Moura.
Tanto que, nos Censos anteriores — realizados nos anos de 1900 e 1920— não foram incluídas questões sobre cor ou raça. À época, o órgão responsável pela pesquisa era o Diretoria Geral de Estatística (DGE).
Pardo vira categoria
✅ Em 1950, o termo ‘pardo’ foi incorporado como categoria oficial.
Mas, naquele ano, não houve uma definição do que significava a categoria. Os recenseadores — nome dado as pessoas que fazem as perguntas do Censo à população — apenas explicavam o que era amarelo.
“A cor amarela somente se aplica a pessoas de raça amarela (japoneses, chineses, etc. e seus descendentes). Tal cor não se aplica às pessoas que têm a pele amarelada, como as que sofrem de maleita (impaludismo, malária), amarelão, etc.
Isso porque, segundo a coordenadora do Censo de Povos e Comunidades Tradicionais, existia uma preocupação do governo sobre onde estava localizada a população asiática no país. “O governo queria fazer um mapeamento dos imigrantes [asiáticos]”, afirmou ela.
Na época, o IBGE apontou que a população era dividida em:
- Branco — 61,66%;
- Preto — 10,96%;
- Amarelo — 0,63%;
- Pardo — 26,54%;
- De cor não declarada – 0,21%
Vale lembrar que indígena ainda não era categoria e quem se identificasse dessa forma era incluída na categoria parda.
Somente as áreas que eram controladas pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) tiveram a oportunidade de responder como indígenas — mas, mesmo assim, eram incluídas como pardas no final do levantamento.
Branca-suja; cobre e queimada de sol
Nos anos 1970, durante a ditadura militar, as questões raciais não entraram no levantamento do IBGE. “A avaliação (do governo) era de que a distinção não se fazia necessária”, disse Marta.
Na época, porém, surgiu uma nova pergunta na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), que visava ajudar o IBGE, no mapeamento racial, já que não o instituto não fez perguntas sobre o assunto.
Contudo, diferente do Censo que tem categorias pré-definidas, as repostas puderam ser abertas. Tanto que, segundo Denis Moura, foram ouvidas respostas como:
- Branca-suja;
- Cor de cuia;
- Pouco clara;
- Sapecada;
- Sarará;
- Azul-marinho;
- Burro quando foge;
- Melada;
- Morena-parda;
- Café-com-leite;
- Canela;
- Cobre;
- Queimada de sol.
“As frequentes inserções e retiradas das perguntas sobre classificação racial nos censos geraram dúvidas, principalmente, entre as pessoas pardas”, diz Moura.
Mudança no método de pesquisa
Entre os Censos de 1980 e 1990, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística decide alterar o método de pesquisa de cor e raça. Antes, o levantamento era feito via questionário base, e passou a ser por amostra.
A diferença entre os dois é que no primeiro caso, 90% da população responde à pesquisa, então era possível ter uma dimensão mais exata sobre as questões étnicas do país. Enquanto no segundo caso, apenas 10% da população responde o questionário, e o IBGE faz uma projeção dos dados populacionais.
“Quando você faz o questionário amostra, você perde a capacidade preditiva (coleta de informações)”, diz Marta.
Já em 2010 e 2022, o questionário base volta a ser o método de pesquisa do IBGE, e os dados, nas palavras de Marta, voltaram a ser mais exatos. O levantamento mais recentes aponta que:
- Os pardos são 92,1 milhões, 45,3% da população. Em 2010 eram 43,1%;
- Os brancos são 88,2 milhões, ou 43,5%. Em 2010, eram o maior grupo, com 47,7%;
- Os pretos cresceram 42,3% na última década, e passaram a ser 20,7 milhões, ou 10,2% da população, ante 7,6% em 2010;
- Os indígenas agora são 1,7 milhão, ou 0,8%, ante 0,5% em 2010
Pessoas se identificam como pardas
Uma das pessoas que respondeu ser pardo no Censo de 2022 — quando o número de pardos no país ultrapassou o de brancos — foi o jornalista Arthur Roman, de 26 anos.
Ao g1, ele disse que se assumir dessa forma no Censo deixou uma sensação diferente. “Foi a primeira vez na vida que eu me declarei como pardo. Até então, sempre segui a classificação de ‘branco’ que consta na minha certidão de nascimento. Então, nesse sentido, foi uma mudança de paradigma para mim”.
“Nos últimos anos, com o surgimento de sites especializados [em questões raciais] e com aumento da disponibilidade de testes genéticos de genealogia, obtive maiores informações sobre minha ancestralidade, o que me deu mais segurança em me declarar como pardo”, contou Roman, que tem ancestralidade árabe.