Um dos assuntos mais comentados no BBB 24 e fora da casa mais vigiada do Brasil é a relação de Yasmin Brunet com a comida. A modelo alta, magra, loira, linda, de uma classe social abastada, surge, na telinha, expondo um problema com o qual convive. Ela compartilhou que já teve “questões alimentares” e está “depositando absolutamente tudo na comida” durante o programa.
“Eu vi um relato da Yasmin Brunet em que ela disse que lida com questões alimentares desde sempre. Então, esse mundo da moda e a pressão estética inerente a ele, podem desencadear um quadro de compulsão alimentar. Com relação ao BBB, às falas dentro do programa, ficar reparando no corpo do outro, além daquele que aparece como o fiscal da comida, tudo isso atrapalha e pode desencadear crises”, avalia a nutricionista comportamental Sara Lucena.
Yasmin foi ao confessionário reclamar da compulsão alimentar.
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Também não ajuda ter alguém o tempo todo controle a sua alimentação e fazendo piadas sobre o seu corpo, espero que a produção aperte o Rodriguinho. #BBB24 pic.twitter.com/EUUt8nD5IC
— #HITOU em #BBB24 (@hitounaweb) January 16, 2024
Nos episódios de compulsão alimentar, a pessoa sente a necessidade de comer, mesmo quando não está com fome, não deixando de se alimentar apesar de já estar satisfeita, explica a psicóloga clínica Mere Teixeira. “Essa questão foi levantada por Yasmin Brunet na casa. Ela relatou que se sente vazia e cheia ao mesmo tempo. E declarou: ‘Parece que o único momento em que eu não penso, em que eu não fico ansiosa, é o momento em que como, mas, logo em seguida, já vem a ansiedade de novo’”, cita a psicóloga.
“A ação surge por conta de algo que ela não está conseguindo elaborar, afinal, estar confinada não deve ser de simples elaboração psíquica, mas ela também deixa clara a angústia em não conseguir expressar claramente suas emoções. Assim sendo, Yasmin se sente ansiosa e angustiada e por isso busca seu objeto ’apaziguador’, a comida”, pontua Mere Teixeira.
É muito importante ressaltar que a alimentação, enquanto aspecto da vida cotidiana de todos os seres humanos, é um veículo de produção de sentido e saúde, portanto, “quando falamos sobre este assunto estamos falando não somente de saúde, mas também sobre uma forma de atribuição de sentido à vida”, complementa a psicóloga.
Mas o que é, de fato, a compulsão alimentar? “É importante frisar que este problema não funciona como uma escolha. Tem sofrimento envolvido. É um transtorno mental. Por isso é tão importante o acompanhamento com profissionais capacitados. Ver-se livre da culpa e buscar ajuda já é parte da melhora”, defende Sara Lucena.
O QUE É COMPULSÃO ALIMENTAR?
A compulsão alimentar é um transtorno mental. Ela está prevista no DSM 5, sigla para Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders ou, em português, Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. Esse documento foi criado pela Associação Americana de Psiquiatria (APA) para padronizar os critérios de diagnósticos das desordens que afetam a mente e as emoções.
A compulsão acomete principalmente mulheres, em grande parte possuindo relação com a pressão que sentimos pelas práticas de dietas, avalia a nutricionista Sara Lucena. “Submeter-se a dietas é um dos principais fatores de predisposição. Então, sendo assim, é algo que se deve evitar no tratamento da compulsão”, acrescenta.
Muitas pessoas confundem exagero com compulsão alimentar, alerta Sara Lucena. “A gente precisa consumir uma grande quantidade de comida de uma forma muito rápida no sentido de uma perda de controle, também de sentir que não dá para parar e, muitas vezes, são alimentos aleatórios. Por exemplo: acabei um pacote de bolacha, vou para o pão, para um feijão gelado etc. A compulsão alimentar acontece dessa forma, e há um sofrimento psíquico muito grande associado a ela”, avalia.
Antes, porém, de ser diagnosticada, é importante ressaltar que ela pode surgir em diversos quadros de transtornos alimentares, entretanto, tem a possibilidade de ocorrer isoladamente, em episódios pontuais que caracterizem uma manifestação clínica, mas que não preencham, necessariamente, todos os critérios diagnósticos para um transtorno alimentar, avalia a psicóloga clínica Mere Teixeira. Assim, a compulsão alimentar se apresenta em um largo espectro que pode ir desde episódios esporádicos, com baixo comprometimento psíquico, físico e social, até um quadro grave de transtorno, avalia.
QUAIS OS TRATAMENTOS?
Após a situação de compulsão, são intensos os sentimentos de culpa, vergonha e tristeza. Por isso é extremamente importante ter em conta os aspectos psíquicos para compreensão e abordagem terapêutica, fazendo necessário um acompanhamento multidisciplinar (psiquiatra, psicólogo e nutricionista), avalia Mere Teixeira.
Sara Lucena defende a adoção da nutrição comportamental. “Nesta área, na qual atuo, trabalhamos o chamado diário alimentar, através do qual o paciente vai se conhecer melhor e perceber a rotina dele. A questão alimentar é muito subjetiva, e uma dieta não vai resolver — ela pode piorar. Nem sempre a gente quer comer as mesmas coisas, nem sempre temos fome nos mesmos horários”.
A nutricionista acrescenta: “Os episódios de compulsão podem até ter relação com o início da vida alimentar desse paciente, como foi o aleitamento e a introdução alimentar dele. É o que dizem: a infância é um chão no qual a gente pisa a vida inteira”.
QUAIS AS CAUSAS?
Há fatores que podem predispor a compulsão alimentar: “Fazer dieta aumenta em 18 vezes a probabilidade de você adquirir um transtorno alimentar, seja ele compulsão, anorexia ou bulimia, por exemplo”, frisa a nutricionista.
O histórico familiar também apresenta muita relação com o quadro de compulsão alimentar. “A gente precisa cuidar muito das nossas crianças e aproveitar para desmistificar o assunto, que atualmente está bastante evidente. Inclusive, tem aparecido estudos que mostram indivíduos de apenas quatro anos de idade insatisfeitos com o próprio corpo”, acentua Sara Lucena. Outro fator predisponente, de acordo com a nutricionista, é a violência sexual.
Algumas características e comportamentos inerentes à pessoa também colaboram para se instalar um quadro de compulsão, como o perfeccionismo. Questões como ansiedade e depressão também podem engatilhar a compulsão alimentar, detalha a nutricionista.
SINTOMAS
A compulsão alimentar acontece associada a um sofrimento psíquico muito grande. “Há um sentimento de culpa; um estufamento e até uma distensão abdominal. Além disso, ocorre uma sensação gástrica de plenitude enorme, de até passar mal por causa disso”, explica Sara Lucena.
Com relação ao olhar sobre si, quem sofre de compulsão alimentar pode começar a ter uma distorção sobre o próprio corpo, com o risco de chegar a desenvolver até uma “gordofobia”. “Lembrando que nem toda pessoa acima do peso tem ou sofre de compulsão alimentar”, destaca a nutricionista.
TEM CURA?
“Há um acompanhamento com profissionais indicados. Com o psiquiatra pode ser que entre um medicamento, porque se trata de uma desordem mental; além de monitoramento por meio da nutrição e da psicologia. Também aqui podem se unir outros profissionais de saúde, como um da área de educação física”, frisa a nutricionista.
A pessoa pode estar estável no tratamento, mas pode ter recaídas. Então, não se fala em cura, se fala em acompanhamento, adiciona Sara Lucena.
COMO AJUDAR ALGUÉM QUE TEM COMPULSÃO ALIMENTAR?
O ideal é indicar a busca por um profissional. “Quando se percebe que a relação com a comida e com o corpo não está legal, já se deve procurar ajuda. A partir desse momento, já se pode ir atrás de apoio para que a situação não evolua para algo pior”, aconselha a nutricionista.
*Sara Lucena é nutricionista formada pela Universidade de Fortaleza (Unifor) e atua na área clínica. Tem especialização em Nutrição e Exercício Físico pela Universidade Estadual do Ceará (Uece) e especialização em Transtornos Alimentares e Obesidade pela Unifor.
* Mere Teixeira é psicóloga clínica, mestre em Psicologia Social da Daúde pelo ISCTE (Lisboa). Atuou em equipes multidisciplinares no desenvolvimento de protocolos de atendimento especializado com o foco principal no auxílio aos pacientes no manejo de ansiedade no pré e pós-operatório de cirurgias estéticas e na resoluções de conflitos da imagem corporal.
(Diário do Nordeste)