Excêntrico, sisudo, polêmico, boêmio … E você pode escolher outros adjetivos ácidos para caracterizar José Ademir da Silva Braz, grande jornalista, escritor, advogado e, possivelmente, o maior poeta da história de Marabá – embora ele não aceitasse essa classificação.
Sua morte ocorreu na última terça-feira, 5, num dia em que o por do sol estava do jeito que ele mais apreciava: laranjado, uma bola de fogo.
Nos deixou quatro livros de presentes, além de reportagens-líricas e tantos outros poemas escritos no verso de um guardanapo que ele dedicava a alguém e que não foram sistematizados em livro.
Leia mais:Foram também as páginas de jornais e revistas de Marabá e de outras cidades do Pará que sua poesia se dilatava. Em verdade, a obra de Pagão, como ele era conhecido e gostava de ser chamado, não tem fronteira. É universal – e vai continuar sendo.
Em vida, sua obra foi estudada em pesquisas acadêmicas, ganhou festival de música, concursos de poesia. E nunca escreveu sobre o amor como relacionamento amoroso – apesar de ter amado muitas mulheres.
Sua temática preferida era a social, azeitada para defender os menos favorecidos numa comunidade amazônida em que os patrões aniquilavam trabalhadores em seus castanhais, fazendas e, depois, nas empresas com ar condicionado.
Antes de falecer e horas depois que morreu, intelectuais, pesquisadores, amigos e autoridades de vários segmentos reverenciaram seu legado, sua poesia, sua alma inquieta, sua amizade.
A seguir, entenda por que Ademir Braz era admirado e sua poesia tão atual. (Ulisses Pompeu)
Personalidades da cultura dão adeus ao Poeta de Encantamentos
Após a morte de José Ademir da Silva Braz na última terça-feira, 6, várias personalidades e entidades publicaram nota de pesar. Aqui, a editoria de Cultura do CORREIO selecionou algumas para publicação.
Salomão Larêdo (Poeta e escritor)
Poeta que sabia seu oficio. Jornalista que era guia em Marabá e entorno. Ademir era ser humano de primeira grandeza. Ademir, sempre na resistência, defendendo os mais simples e a natureza Amazônica e sua gente. Canta no Parnaso onde vive eternamente encantado. Abraço abraçado caríssimo poetamigoirmão.
Abílio Pacheco (Poeta e professor universitário)
Ademir Braz!? Não me digam mais nada.
Hoje é um dia difícil e triste nesta terra mesopotâmica do sol.
Um “trabalhador cultural, militante numa área de conflitos, de desenfreada e selvagem exploração capitalista, de destruição criminosa da Natureza” (nas suas próprias palavras) fez uma poesia lapidada, depurada, bela e engajada.
O maior e o melhor poeta destas plagas. Cioso com a palavra e consciente de seu tempo e seu trabalho. Ademir Braz, nestes versos, mostra o quanto seu trabalho é tributário e semelhante aquele feito por pedreiros e lavadeiras. A poesia, coisa do espírito, é também vida e humus, rés ao chão. Sua alma sempre estará disposta em pranto tal como os panos que a lavadeira estende ao sol. Tal como a pedra que o pedreiro orienta.
Assim como o pedreiro orienta
do ferro e da pedra o verbo exato;
como a lavadeira que os panos lava
aos girassóis da fonte matinal
e nos álveos de luz dispersa em cora
a seda orvalhada dos lençóis;
assim minh’alma disporei em pranto
até que tu, só tu, aurora minha,
raies sobre as velas do meu canto.
Adeus, Pagão.
Idelma Santiago da Silva (Professora da Unifesspa)
E o Poeta Pagão se tornou encantado.
O maior poeta que conheci. E era culto e bem humorado, como se sabe. Autodidata (ainda que formado em advocacia), tinha lido tantos livros que eu não acreditava que seria possível numa só vida.
Sou imensamente grata pela existência e convivência com Ademir Braz, num trecho de nossas vidas.
Sempre e para sempre uma admiradora.“Testamento
Afora a delicada ecologia das emoções,
o que tenho na vida (no corpo, na alma,
no céu da boca) são rastros indeléveis
de amores mais que perfeitos.”
(Ademir Braz)
Paulo Nunes (Professor e membro do Instituto Histórico e Geográfico do Pará)
Eu o conheci pessoalmente no início dos anos 90. Fomos apresentados por Gutemberg Guerra, cronista e pesquisador da UFPA, em Marabá. Mas já o respeitava por sua atuação como jornalista, na A Província do Pará, depois no Correio. O pagão, como seus amigos mais próximos o chamavam, era muito espirituoso e paciente ao tratar de arte e literatura, chegava mesmo a dar alguns caminhos aos mais novos, dentre os quais me incluía.
Eu falava a Ademir sobre a importância de sua poesia: a minha admiração por sua escrita, que certamente foi depurada pela sua atuação nas redações dos jornais. Não éramos amigos, exagero dizer que estávamos tão próximos… eu mais escutava que falava. Uma das últimas conversas que tive com ele foi acerca de Augusto Morbach, pintor que admiro como poucos.
Por último, eu sempre conversava com o poeta e editor, Marcílio Caldas Costa, sobre a necessidade de se reler o “poeta pagão”.
Em um de meus ensaios, me refiro à existência de escritores(as)-paradigma na literatura da Amazônia paraense. Certamente, se olharmos o conjunto da sua obra, Ademir Braz estará lado alado a autores como Bruno de Menezes, Eneida, Paes Loureiro, Ruy Barata, Maria Lucia Medeiros. São paradigmas por aqui ainda devo um ensaio a altura de Ademir. Charles Trocatti, esse grande poeta, editor e militante dos direitos humanos, tem um projeto de educação da obra de Braz. Me convidou para participar da coletânea com um estudo breve. Espero que essa ideia de Charles esteja viva.
Airton Sousa (Professor, poeta e escritor)
Ademir foi o mais inventivo dos poetas que conheci. Sua forma de fazer literatura me legou muitas lições, sobretudo, a que é possível escrever sobre o que está diante de nós; do nosso cotidiano; das relações mais intrínseca a vida; das misérias que nos alimenta. A força de sua poesia parece, de maneira paradoxal, emergir ao mesmo tempo da tragédia e da beleza. O seu vocabulário intersectar, numa espécie de jogo dialético, a relação extremamente difícil entre a linguagem oral e a escrita. Ele fez isso de uma forma que poucos escritores nesse país conseguiram. Por isso, eu sei que agora e para sempre será como ele mesmo escreveu “não, não ponham grandes; não penso fugir daqui.” Ele foi e sempre o homem que tangeu rebanhos de pedras nesta terra usando a beleza da poesia para cumprir sua tarefa de ser demasiadamente humano.
Ana de Luanda (Filha de Ademir Braz)
Eu só sou eu, porque tive você! Eu te amo. Muito obrigada. Descansa e não se preocupa com a gente, estaremos aqui seguindo por ti.
O poeta não morreu, foi ao inferno e voltou
Conheceu os jardins do Éden, e nos contou…
Mas quem tem coragem de ouvir, amanheceu o pensamento. Que vai mudar o mundo, com seus moinhos de vento.
Dia 01/02 – perdi minha avó, meu grande amor
Hoje, dia 05/07 perdi meu pai, meu parceiro de alma.
Aos que acreditam que provação dê forças e futuras bonanças, saibam que eu não suporto mais.
Não assim, não desse jeito.
A tempestade não nos faz mais forte, ela nos destrói e tira a vontade de viver.
Meus amados não vão me ver me graduando, não conhecerão meus filhos, não estarão comigo quando eu realizar meus sonhos materiais.
Qual a graça disso tudo? De que adiantou?
Na virada desse ano, uma grande e fundamental parte de mim também ficará para trás.
Javier Di Mar-y-abá (Cantor, compositor, professor e amigo de Pagão)
Falar que foi um grande poeta é redundante. Ademir soube fazer da sua poesia um instrumento de verdade, de luta, de consciência política…Sem deixar de ser romântico; Como jornalista jamais arregou-se aos senhores do poder.
Jorge Washington Marques (Presidente da Academia de Letras do Sul e Sudeste Paraense)
A Academia de Letras do Sul e Sudeste Paraense manifesta seu profundo pesar pelo falecimento do escritor e poeta Ademir Braz, membro fundador da ALSSP.
Ademir representou uma das mais sofisticadas mentes literárias voltadas para a realidade política e social da nossa região, dotado de um espírito crítico e de prazerosa preciosidade linguística com a qual construía suas obras em prosa e poesia, cuja dedicação construiu um legado nos deixa como marca da sua imortalidade no mural da literária paraense e brasileira.
Ademir deixa em nossa memória os ventos que soprarão sempre os moinhos azuis da sua mais nobre forma de olhar a realidade em que viveu, com indiscutível e genuína inventividade com que manuseava a crítica, o sarcasmo e o humor para descrever e ficcionar o que de mais sutil havia na sociedade em sua época passada, presente e futura.
Assim é Ademir Braz, o nosso eterno e querido “Pagão”, que entre risos e peculiar elegância estará sempre presente em nossa saudade.
A Academia de Letras do Sul e Sudeste Paraense apresenta, em nome de todos os membros, condolências à família, momento em que nos unimos a todos amigos e leitores do poeta Ademir Braz neste sentimento de perda.
Haroldo Silva (Advogado e amigo do coração)
Uma moça linda, uma bela mulher dos trinta, daquelas que você gostaria de ver, mandou uma mensagem ao meu celular, pedindo que eu escrevesse, que te falasse aos outros. Ela é uma jornalista, não sei, trabalha no mesmo jornal que tu e meu pai, um dia trabalharam e o fizeram grande. Mas eu estou muito triste, triste pra caralho. Escrever o quê, se era você que escrevia por toda essa cidade. Apesar de tudo me veio algumas coisas da nossa boa amizade.
Escrevo sem pensar. Digo o que vem à cabeça. Lembra das peixadas na casa do Dag? Lembra? Porra, era uma senhora peixada, heim!? A tua preferida era a caranha. A cerveja, mano velho, quente ou gelada, não importava, desde que fosse cerveja, você bebia. Antes, o ritual de sempre, levantava o copo e dizia com voz de poeta e a seriedade dum padre: “bebe, bebe/te embriaga/e depois morre/a vida é um combate/uma disputa/quem bebe é um miserável, um desgraçado/mas quem não bebe/é um filho da puta” (kkkk).
Era o que lhe bastava aos domingos. Farto de cerveja e peixe, dormia sobre a cerâmica, o cochilo da tarde marabaense. Entre uma piada e outra a gente ria, ria até do nada, quando já nos falta assunto de tanto conversar. Não bastasse a sorte de ser teu fã, fui dia a dia conquistando tua amizade, amando o melhor amigo que tive, cuja sensibilidade me surpreendeu um dia com uma rosa – pega, é sua, meu padrinho!
Lembra do teu aniversário de sessenta anos? Foi uma surpresa e tanto. Fomos eu, você e Giordano Bruno, sob minhas desculpas de ir à uma pescaria. Quando você viu aquela quantidade de gente numa chácara, à beira da estrada do Espírito Santo, chorou entre espanto e alegria, e eu, não me contive, chorei contigo. E nem parecia que você fazia sessenta naquele dia, qual era tua alma de criança, um ser atemporal, na luz que tinha. Desculpa essas rimas bobas com que escrevo, infiéis à boa poesia. Não me importam as palavras.
Nessa dolorida hora, sou todo um indizível sentimento. E, sinceramente, não é com o poeta que falo, é com meu amigo Ademir Braz da Silva, o nosso querido Pagão, que ao partir, deixou muitos, como eu, ternos em saudade. Não consigo acreditar que você se foi.
Prefiro pensar que se vestiu de poesia para entrar no céu, mas não nesse pintado de azul do dia, mas naquele da cor da noite, vestido de boemia, o teu preferido. Enquanto aqui te escrevo, o sol se põe atrás do Cabelo Seco e a noite vem da Santa Rosa pela Marechal Deodoro, trazendo incontáveis estrelas, entre as quais agora você mora, meu velho amigo. Vá em paz, ao comando dos anjos que aqui ficaremos, os teus amigos, sentindo a tua falta.
Vanda Américo (Presidente da FCCM e vereadora licenciada)
Falar de Ademir é falar de um poeta, cronista, jornalista e um anarquista, às vezes. Ademir era irreverente e um cara que curtiu a vida. Ele adorava a boemia, a música, a noite, os amigos… ele adorava todos os cantos da cidade. Tem toda uma história com a Velha Marabá.
Ademir viveu intensamente. Ele tem uma história muito grande de parcerias musicais, de poemas, parceria de vida. Vários amores. Ademir deixa saudade e uma história muito bonita para a cultura marabaense.
Que Pagão esteja ao lado do Pai, caminhando em outro plano, fazendo poesias, cantando, observando, sorrindo, debochando, ironizando… esse era o Pagão! Vai deixar saudade!
Noé von Atzingen (Ex-presidente da FCCM)
Hoje, seus olhos não mais verão as flores do seu jardim
Hoje, suas mãos não mais sentirão os cabelos de seus filhos
Hoje, seus olhos não mais verão seus amados livros
Hoje, não mais compartilharemos do seu sorriso
Hoje, sua voz não mais difundirá seus lindos versos
Hoje, seu pensamento está mudo
Hoje, nossos corações se apertam e nossos olhos vertem lágrimas
Hoje, você deixou definitivamente esta terra, embora há alguns anos seus pensamentos já estivessem bem distantes.
Perdoe nossa ausência.
Perdoe nosso desinteresse
Perdoe nossa falta de sensibilidade.
Agora seus pensamentos atormentados podem repousar em paz, à sobra de uma castanheira, ouvindo o murmúrio de um igarapé.
Adeus, meu amigo!
Adeus, meu irmão!