Correio de Carajás

O paradoxo

O sistema eleitoral brasileiro é um complexo aglomerado de princípios, normas (constitucionais, legais e infralegais), composto ainda por um sistema de votação único no mundo, e as tão questionadas, por uma parcela da sociedade, urnas eletrônicas. E ainda assim com esse anfigúrico sistema, o Brasil é o único país de todo mundo a proclamar o resultado de uma eleição presidencial em 2h:58 min., após o término da votação. Pois bem, este foi o tempo que levou a totalização dos votos no último dia 30 de outubro, segundo turno das eleições.

O sistema eletrônico de votação está em vigor desde 1996, onde foi testado em 57 cidades por 32 milhões de eleitores. Já no ano 2000, as urnas chegaram a todo o país por meio dos aviões da FAB, e o objetivo desse projeto era eliminar a fraude no processo eleitoral, afastando a intervenção humana. Lembrando que o antigo sistema de votação em cédulas de papel e de apuração manual, além de ser passível de fraudes, era um processo lento, repleto de erros e com muita suspeição.

Atualmente o sistema de votação eletrônico do país é respeitado pelo resto do mundo, pela sua celeridade e pela sua transparência, esta que é comprovada pelos diversos testes de integridade. O sistema eletrônico de votação passa por muitas etapas de auditoria realizadas antes, durante e após o pleito. Um dos eventos mais relevantes para atestar o grau de confiança das urnas eletrônicas é o Teste de Integridade, que ocorre nos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) no mesmo dia da eleição, e é acompanhado por empresa de auditoria externa. O processo consiste em uma espécie de batimento, cujo objetivo é verificar se o voto depositado é o mesmo que será contabilizado pelo equipamento.

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A fiscalização é feita pela Justiça Eleitoral desde 2002 e, neste ano, foi modificada para abarcar uma parcela maior de equipamentos. Uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ampliou a quantidade de urnas que passaram pelo Teste de Integridade para aumentar o alcance, a visibilidade e a transparência do processo eleitoral. Nos estados com até 15 mil seções eleitorais, foram sorteadas ou escolhidas 20 urnas para serem submetidas ao procedimento. Já nas unidades da federação que têm entre 15.001 e 30 mil seções, foram testadas 27 urnas. Nas localidades restantes estabeleceu-se a escolha de 33 urnas eletrônicas auditadas. A ampliação do número de urnas testadas na data do pleito atende a uma sugestão colhida pelo TSE no âmbito da Comissão de Transparência das Eleições.

Mesmo mediante a todas as informações trazidas acima e com a certeza e comprovação da integridade do nosso atual sistema de votação, uma pequena parcela da sociedade apoiada pelo atual governo, Jair Bolsonaro, PL, não se furtaram a colocar em cheque a lisura do sistema, tais ataques tiveram início em 2018, quando o então candidato a Presidência da República sofreu um atentado no estado de Minas Gerais, onde levou uma facada durante ato público de campanha. Jair, à época, ainda de dentro do hospital fez uma live, onde afirmou sobre uma conspiração por parte do partido dos trabalhadores – PT, para que o mesmo não conseguisse vencer as eleições gerais daquele ano, e o mais grave é que dentro das várias acusações é que a votação eletrônica estaria dentro desta conspiração do PT, para a sua não eleição. E como é cediço por todos, o vencedor daquele pleito foi Jair Bolsonaro, à época filiado ao PSL, e tais denúncias por ele formulada se mostraram ser inverídicas.

Contudo, mesmo após a eleição de Bolsonaro os ataques ao sistema eleitoral brasileiro funcionaram em regime de escalada, que foi tomando corpo, diga-se de passagem, a onda de desinformação foi alcançando cada vez mais brasileiros. Eleito deputado federal cinco vezes pelo voto eletrônico (entre 1998 e 2014) e duas no pleito por cédulas (em 1990 e 1994) — quando, inclusive, chegou a defender a informatização do processo para evitar fraudes —, Bolsonaro começava a listar argumentos jamais comprovados de que era possível modificar os resultados da votação eletrônica.

E o que se abstrai dos fatos narrados é a total incongruência das acusações formuladas por Bolsonaro, ora, um político que alcançou quase todos os seus mandatos políticos por meio do voto eletrônico, e pasmem, Jair nunca conseguiu comprovar nenhuma das acusações realizadas, não saindo do campo das ideias. É válido ressaltar que o atual presidente nunca respondeu civilmente, criminalmente pelas suas desinformações, por estar alcançado pelas imunidades que seus cargos lhe dão, pois o que o presidente Bolsonaro pratica por meio de seus discursos e incitações é um total anarquismo a ordem jurídica democrática.

E o reflexo desta campanha de desinformação está sendo observado após o final do segundo turno das eleições gerais, onde protestos sem fins democráticos tomaram conta de rodovias, porta de comandos militares, esplanada dos ministérios e outros. E o mais desproporcional encontrado eram as causas de pedir destes protestos, como por exemplo: “SOS FORÇAS ARMADAS BRASILEIRAS, ou, INTERVENÇÃO CONSTITUCIONAL DAS FORÇAS ARMADAS JÁ”, um verdadeiro circo de horrores instalado no seio do estado democrático de direito.

Percebe-se novamente este tipo de transgressão era apetecido por forças bolsonaristas, o silêncio pode falar mais que mil palavras, pois Jair Bolsonaro hesitava em reconhecer a vitória de seu adversário, e a demora em seu pronunciamento estava sendo interpretada como sinal pelos mais extremistas, e a falta de pronunciamento estava sendo apoiada pelo deputado federal Carlos Bolsonaro, seu filho zero três. Segundo ele, o presidente da república deveria manter-se em silêncio, pois pairavam muitas dúvidas sobre a legitimidade do processo eleitoral e as Forças Armadas não haviam ainda divulgado o parecer de sua auditoria nas urnas.

Entretanto, o que se depreende de satisfatório é a cristalização do pleno funcionamento das instituições que asseguram a democracia em nosso país, pois nosso atual regime passou pelo estresse mais contundente desde a redemocratização. Fissuras ficam e talvez não se cicatrizem, e a missão do governo que se avizinha e reconstruir a confiabilidade de uma parte da população em nosso sistema eleitoral, por meio de informações verídicas e transparentes, assim como a reconstrução da harmonia entre os poderes conforme o mandamento constitucional insculpido no art. 2º, CRFB.

 

Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.