Há 17 anos, o dia 7 de agosto é lembrado como um grande marco da luta contra à violência doméstica no Brasil. A Lei 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, é um intenso instrumento judicial utilizado para garantir a proteção de mulheres vítimas de violência, bem como, punir os agressores.
Criada em homenagem à luta por justiça pela farmacêutica cearense Maria da Penha Maia Fernandes, após um histórico de anos de violência, que a deixou paraplégica, a Lei é um marco dos direitos das mulheres. E, hoje, é a lei utilizada para punir agressores de mulheres em ambiente intrafamiliar.
As vítimas encontram nas medidas da Lei Maria da Penha um escudo contra a violência de gênero. Porém, a legislação – ainda – tem se mostrado insuficiente para evitar as agressões, os assédios e os feminicídios.
Leia mais:Nesta segunda, 7, o Correio de Carajás conversou com o juiz da 3ª Vara Criminal de Marabá, Alexandre Arakaki, que possui competência para julgamento de crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher. Leia a entrevista:
CORREIO: Dezessete anos da Lei Maria da Penha. Como você analisa essas quase duas décadas?
Alexandre: É sempre bom lembrar que o Brasil foi condenado por um tribunal internacional por sua negligência em relação à proteção da mulher. Foi baseada nessa condenação que o parlamento brasileiro se propôs a criar uma lei impositiva, auto afirmativa e, diante disso, surgiu a Lei Maria da Penha. Inicialmente, essa lei buscava coibir a violência doméstica familiar contra a mulher. Essa violência que é escondida aos olhos do público em geral, aquelas violências clandestinas que ocorrem nos quartos fechados, no qual a mulher não tem força e nem testemunhas para pode denunciar o agressor. E foi assim que começamos uma discussão inicial sobre o papel da mulher e do homem na sociedade, e sobre o que fazer com essas mulheres vítimas de violência doméstica. Com a evolução da lei, da jurisprudência, os tribunais atuando e a sociedade atenta, surgiram muitas alterações e propostas, como as medidas protetivas de urgência e as ações de cunho social extrajudicial de conscientização de agressores e vítimas, tudo como uma forma de avançarmos no debate sobre violência de gênero. Esse é o grande avanço que a Maria da Penha fez, que a gente pudesse compreender essas relações abusivas e conseguíssemos tratar e efetivamente evoluir.
CORREIO: Por que as vítimas ainda têm medo de denunciar?
Alexandre: Existem diversas razões que fazem a mulher ter medo de denunciar, como dependência financeira, na qual o homem é o único provedor do lar; dependência emocional, onde a mulher muitas vezes casa ou passa a conviver com um homem com sua tenra idade, que mal conhece a vida e passa a ser dependente financeira e emocionalmente, e isso faz com que a ela, muitas vezes, deixe de denunciar e de pedir socorro com medo de que não pode sobreviver sem o acompanhamento de um homem.
Há situações em que a mulher se sente acuada, seja em relação à pressão da sociedade, vizinhos falando mal, comunidades religiosas que defendem um casamento a qualquer custo, líderes religiosos que criticam e punem mulheres que denunciam homens agressores, entre outras coisas. Essa vergonha social faz com que as mulheres deixem de denunciar.
Também pesa muito o papel da mulher enquanto mãe, enquanto chefe de uma familia. Ela enxerga, com uma possível denuncia, os filhos sendo prejudicados, então a mulher deixa de denunciar o agressor e passa a conviver com a violência constante. Lembrando que elas se inserem num ciclo de violência, onde são agredidas e depois perdoam, passam a conviver novamente, há uma nova agressão, ela perdoa novamente, o homem agride novamente porque sabe que ela vai perdoar. E isso se torna tão corriqueiro que o homem acaba se acostumando com os perdões e continua com essas infundadas agressões.
CORREIO: Como funciona a educação e punição em relação aos agressores?
Alexandre: A Lei Maria da Penha ainda caminha a passos largos para tratarmos das punições dos homens. Até porque a Maria da Penha possui apenas um artigo que trata como crime a conduta do descumprimento de medida protetiva de urgência, sendo todos os demais crimes tratados pelo Código Penal com eventuais agravantes ou causas de aumento em razão das causas domésticas ou familiares.
Mas, tão importante quanto a punição aos agressores, é necessário que a gente implemente a conscientização deles, para que entendam efetivamente os males dessa violência e o prejuízo que isso causa à familia e à sociedade, ao emprego e a vida deles. Que eles entendam que essa violência é sempre injustificada.
CORREIO: Dessa forma, é preciso que o trabalho educativo de combate à violência contra a mulher comece desde a infância, com as novas gerações?
Alexandre: O grande avanço da Maria da Penha é nos fazer refletir sobre o papel do homem e da mulher na sociedade, e estudar os males da agressão contra a mulher no âmbito social. Precisamos fazer com que as relações familiares se tornem mais adequadas, para que todos possamos viver com equidade, dignidade e isonomia de direitos e deveres. É obvio que para que a gente alcance esse modelo utópico, tudo passa pela educação, pela formação e conscientização.
Uma sociedade machista e patriarcal, como a nossa, deve, sim, começar com a educação pela infância, pela formação livre de que a mulher não precisa preencher rótulos e nem estereótipos, e que o homem deve sempre respeitar a vontade e a opinião da mulher, seja ela esposa, mãe, filha ou amiga.
A mensagem que a Lei Maria da Penha deixa para todos nós é a conscientização, é a necessidade de olharmos para o interior das famílias e vermos homens e mulheres em situação de igualdade de direitos e deveres com a mesma representatividade em casa, com os mesmos compromissos e tratando todos com dignidade. Com isso, com certeza conseguiremos uma sociedade justa, pacífica, respeitosa e igualitária.
CORREIO: Então, humanizar os atendimentos a essa rede de proteção para a mulher é fundamental?
Alexandre: A Lei Maria da Penha foi um pontapé inicial para rever todas as situações. Mas, acima da lei e de medidas protetivas e decisões judiciais, nós precisamos efetivamente de políticas públicas, e de ações pontuais na busca de igualdade de condutas do Executivo e Legislativo nessa busca da igualdade entre homens e mulheres. Porque somente as mulheres tendo os mesmos direitos e deveres que os homens, de maneira efetiva, como salários iguais, reconhecimento das diferenças e oportunidades de emprego, que as coisas irão melhorar.
Em Marabá, estamos buscando a construção de creches em tempo integral para que essas mulheres possam sair da esfera teórica da busca do emprego, e de fato consigam trabalhar com tranquilidade, sabendo que seus filhos estão bem assistidos. São avanços que, às vezes, são vagarosos, mas em Marabá estamos tornando corriqueiros esses diálogos com os poderes Executivo e Legislativo para que a gente possa oferecer para as famílias em geral uma vida digna de verdade. (Ana Mangas)