Correio de Carajás

O dia que cheguei à faculdade

O Bairro Cabelo Seco, em Marabá, carrega o estigma da segregação. Mas a pesar de todo o preconceito, de lá brotam jovens que se tornam protagonistas do próprio destino e escrevem seu futuro brilhante de forma antecipada. É o que está acontecendo há vários anos com Evany Santos Valente, uma garota que cresceu forjada pelo Projeto Rios de Encontro, encravado na confluência do Itacaiunas com o Tocantins e que tem sido um verdadeiro divisor de águas na comunidade pioneira de Marabá.

Nesta segunda-feira, 18, Evany Valente colocou os pés na Unifesspa (Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará) pela primeira vez. Ficou encantada com a grandeza da instituição e só quer sair de lá com o diploma de História na mão, embora seu desejo número um seja Artes Cênicas.

Na última sexta-feira, 18, a Reportagem do CORREIO conversou com Evany depois de sua participação, junto com seus colegas do Coletivo AfroRaiz, de uma manifestação na Praça da Liberdade, como parte de uma greve mundial escolar de ação pelo meio ambiente, que fora estimulada pela aluna Greta Thunberg, de 15 anos de idade, da Suécia.

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Atualmente, o AfroRaiz coordena o projeto maior, denominado de Rios de Encontro e a jovem faz parte da coordenação coletiva de percussão do Projeto Salus (plantas medicinais nos jardins comunitários), do Cine Coruja e da Energia Solar.

Evany ingressou no Projeto Rios de Encontro ainda em 2009, quando ele foi implantado pelos arte-educadores Dan Baron e Manuela Souza. “Minha vida mudou muito nesses dez anos. Eu era uma criança tímida, que pouco se expressava. No primeiro encontro que aconteceu no quintal de uma casa, eu toquei flauta doce de olhos fechados, de tanta timidez”, recorda.

Jovens do AfroRaiz tornaram-se protagonistas do Projeto Rios de Encontro e sonham chegar mais alto

Com o passar do tempo, ela foi se articulando, se apropriou de informações sobre a natureza e passou a ser defensora do meio ambiente entre os colegas de escola, do bairro e familiares. Em 2013, Evany viajou para a Europa e abriu o Congresso Mundial de Teatro e Educação em Paris, na França. Para ela, foi uma experiência incrível e sua bagagem cultural e artística só cresceu.

A vida educacional da menina franzina sempre passou por escola pública. Começou no Núcleo de Educação Infantil Arco-Íris, cursou o Ensino Fundamental no José Mendonça Vergolino e o Médio no Plínio Pinheiro, todos na Marabá Pioneira. Ela sabe que poucos – ou raros jovens de sua comunidade – conseguem chegar à universidade e credita parte desse sucesso a seu envolvimento com o Rios de Encontro e aos colegas do projeto. “A Manu e o Dan incentivam muito. Às vezes, nós, meninos e meninas, dizemos que não vamos conseguir superar esse ou aquele desafio, mas eles seguem nos incentivando e isso faz toda a diferença. As palavras deles nos fazem pensar grande e quando alguém incentiva assim, a gente toma coragem mesmo”, testemunha.

“PAU PRA TODA OBRA”

Ao ser questionada sobre o que faz no projeto, atualmente, Evany Valente sorri e diz que “é pau para toda obra”, mas que sua especialidade é na área de música e toca instrumento de percussão, além de desenvolver o projeto conhecido como Cine Coruja, que leva cinema para pessoas da comunidade e de fora dela. “Antes eu tocava instrumento de sopro, mas depois me encontrei na percussão e me sinto bem adaptada”, conta.

Atualmente, ela dá aulas em três escolas como parte da atuação do AfroRaiz. Não se considera melhor do que os outros colegas do Rios de Encontro, embora tenha sido a primeira, junto com sua irmã Karolyne a chegar à universidade.

Ao ser confrontada com o fato de que o timbre de sua voz já está muito parecido com o de Manoela Souza, possivelmente em função da convivência permanente com a arte-educadora, Evany assusta-se e acaba confessando que outras pessoas dizem a mesma coisa. “Até mesmo minha mãe costuma falar, brincando: ‘tua mãe Manu e teu pai Dan estão te esperando’”.

NAMORO? AGORA NÃO!

A garota revela que já namorou, mas reconhece que a experiência não foi tão interessante para seus interesses pessoais. Por isso, acabou adiando essa fase e justifica com o seguinte argumento: “namorar parece uma bolsa pesada que a gente tem de carregar nas costas”.

No Carnaval de 2018, Evany foi vítima de uma “garrafada” e quase perdeu a visão de um dos olhos. Este ano, diz que não foi à festa de Momo, mas garante que não está nenhum pouco amedrontada ou com trauma. “Não vou deixar de viver a vida por esse episódio. Ele ajudou a me tornar mais resiliente”, avalia.

(Ulisses Pompeu)