📅 Publicado em 29/10/2025 11h18✏️ Atualizado em 29/10/2025 11h44
O ar se enche com o barulho do café que é derramado na xícara. Na mesa ali perto, o Kindle (leitor digital) descansa. Alice Santos pega a bebida e se senta confortavelmente, pronta para desbravar as páginas do livro do mês.
Em outro bairro de Marabá, Anaiara Lima deixa os livros acadêmicos de lado por algumas horas e, inspirada pelo cheiro de um café recém-passado, embarca em uma nova leitura, dessa vez em um universo não necessariamente real, mas uma obra de ficção.
Juliana Souza, Esteycy Monteiro, Esther Horsth, Luciana Araújo e outras 24 integrantes do clube do livro ‘Café nas Entrelinhas’ – cada uma a seu modo e no seu tempo – repetem o mesmo gesto de Alice e Anaiara: página por página, são transportadas para um mundo onde apenas as palavras escritas são importantes.
Leia mais:Neste 29 de outubro, Dia Nacional do Livro, uma frase de George R. R. Martin entra em ebulição: “Um leitor vive mil vidas antes de morrer”. Escrita em um dos livros da saga “A Guerra dos Tronos”, ela pode parecer mórbida, mas, para quem ama ler, a citação é o epítome dessa experiência.
Como devoradoras de palavras, as integrantes do clube têm a certeza de que, através dos livros, é possível lutar com espadas para defender reis e rainhas, entrar em um guarda-roupa e descobrir reinos desconhecidos ou ver gigantes em moinhos. Isso porque quem lê é transportado da própria realidade para aventuras jamais imaginadas.
“Um livro é um brinquedo feito com letras. Ler é brincar”, Rubem Alves
Cansada de interagir digitalmente com outras pessoas, Luciana Araújo desejou fazer parte de uma experiência coletiva que não só a tirasse de casa, mas lhe desse a oportunidade de conhecer novos mundos e pessoas. Foi quando ela descobriu o clube do livro fundado por Alice Santos e Juliana Souza.
Bastou uma mensagem pelo Instagram para que a mágica fosse feita: Luciana foi inserida no grupo que, no mínimo uma vez por mês, se encontra para falar sobre enredos, criticar personagens, lamentar a morte de cachorros e trocar fofocas sobre a vida. E assim ela se maravilhou com o ‘país das maravilhas’ construído por Alice e companhia.

“Sempre sofri com o sentimento de não ter com quem conversar sobre minhas leituras”. Essa é a confissão feita por Alice ao relembrar como tudo começou. Antes do ‘Café nas Entrelinhas’, ela trocava dicas com a prima, Juliana, e foi então que a ideia acendeu em suas mentes como a chama de uma vela: “E se a gente criasse um clube do livro?”.
O que parecia absurdo em um primeiro momento – e se ninguém aparecesse? – acabou se tornando um espaço seguro para mulheres compartilharem o amor por livros (e outras obsessões femininas) e dividirem pedaços de seus corações umas com as outras.
Repletas de afeto, sororidade e empatia, as reuniões acontecem sempre em cafeterias da cidade, porque o café, assim como os livros, é um dos prazeres que alimentam o grupo. E, assim como provar o lado amargo da bebida causa estranhamento, algumas leituras do clube tiram as participantes de sua zona de conforto. Principalmente quando são indicações da Juliana.
“Acabamos incentivando e criando para muitas dessas meninas o hábito da leitura. Para além desse espaço de trocas, é um lugar em que conhecemos pessoas, e isso, para mim, é o que mais vale”, reflete Alice.
Do outro lado da mesa, Luciana concorda em silêncio, mas também expõe seus sentimentos: “Entrar no grupo foi como voltar para casa e receber um abraço apertado. Eu não sabia, até ir ao primeiro encontro, que precisava verbalizar o meu amor pela leitura com outras pessoas”.

O ‘Café nas Entrelinhas’ não é o único clube do livro marabaense, mas, para quem participa de seus encontros, uma certeza fica gravada em seu âmago: entrar para ele foi uma das melhores escolhas do ano.
“Livros são uma mágica singularmente portátil”, Stephen King
“Eu vim de uma pausa de livros lidos por prazer, porque até então minha experiência estava sendo exclusivamente com livros acadêmicos”. O desabafo é de Anaiara Lima. Veterana no mundo das palavras por ser mestranda na área da literatura, sua vivência nas entrelinhas do clube é descrita como fantástica.

Quando a leitura sai do campo da obrigação e adentra o espaço da diversão, as páginas ganham um novo sabor. Incrível. Transformador. E dividir essa experiência com outras aficionadas não é a cereja do bolo. É como tomar o primeiro gole de cafeína do dia.
“Tem sido muito bom e relevante na minha vida ter contato com pessoas que gostam das mesmas coisas, que estão no mesmo universo. Ler apenas por prazer e, assim, compartilhar um pedaço de nós com as outras”, descreve, entusiasmada.
Já para Juliana, o ‘Café nas Entrelinhas’ foi um divisor de águas, assim como a criação da prensa de Gutenberg revolucionou o mundo.

“O melhor do clube é o incentivo à leitura. Muitas pessoas não tinham esse hábito de ler dois, três livros por mês, e a gente fica muito feliz com a participação das meninas, por serem tão engajadas”, celebra Juliana. Quando fundou o clube ao lado de Alice, ela passava por momentos difíceis e, com o ‘Café nas Entrelinhas’, Juliana salvou a si mesma.
Os encontros, que acontecem uma ou duas vezes por mês, são recheados de risos, aprendizados, debates и, eventualmente, algumas lágrimas. Um ambiente acolhedor para que cada participante exponha seu ponto de vista e a si mesma.
“Esse é um momento único, e o clube do livro presencial é uma das melhores coisas que me aconteceram”, diz Juliana, com alegria mesclada de emoção.
“Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com seu amante”, Clarice Lispector
“Eu leio desde pequena, mas, com as responsabilidades da vida adulta, esse hábito acabou ficando de lado”. São as palavras francas de Esther Horsth. Criada na roça, como ela mesma diz, quando menina, ela se apaixonou pela literatura infantojuvenil e evoluiu o gosto conforme a idade.
Quando a rotina e as redes sociais lhe roubaram o hábito, ela redescobriu a literatura de ficção através do clube. “A leitura é libertadora, tem um poder redentor e emancipatório muito grande. É capaz de mudar realidades. A leitura dá beleza à vida”, afirma.

Se durante os anos de ferro da Ditadura Militar os brasileiros tiveram o acesso limitado a muitas obras literárias, na atualidade existem infinitas possibilidades para que um leitor tenha uma obra em mãos. Livros nacionais são publicados diariamente, e muitas plataformas digitais popularizaram esse acesso. Ainda assim, no Brasil, mais da metade da população com mais de 5 anos não tem a prática da leitura.
São iniciativas como a do ‘Café nas Entrelinhas’ que atuam como heroínas ao resgatar – e muitas vezes disseminar – as delícias da literatura em Marabá.
Pessoas como Esteycy Monteiro, que aumentou o volume de leitura após entrar no clube. Antes, um único volume levava meses para ser finalizado. Agora, ela devora pelo menos um exemplar por mês.
“Eu sinto que há um comprometimento, e isso me dá mais constância. Eu descubro livros que talvez nunca escolheria sozinha”, diz, encantada. Além do incentivo à leitura, o clube também lhe gera o frio na barriga de ansiedade para encontrar as participantes e ter um momento de troca com elas.

Entre um café e uma quiche, o grupo cria laços e fortalece a conexão olho no olho. Leitoras solitárias encontraram seus pares, são desafiadas a conhecer novos reinos, viver grandes romances e refletir sobre as nuances dos grandes dramas.
Alice, Anaiara, Juliana, Luciana, Esther, Esteycy e todas as integrantes do ‘Café nas Entrelinhas’ formam muito mais que uma comunidade leitora. São um coletivo de mentes que defendem o poder transformador da leitura. Afinal, livros são uma inesgotável fonte de magia.
